O Estado Novo de 1933 aparece com uma Constituição cujos princípios não eram declaradamente os
mesmos dos "países democráticos" ocidentais.
Tal era assumido sem peias, após a experiência caótica dos anos precedentes e proclamou-se a superioridade do
modelo como novo, "para abraçar
toda a actividade familiar, económica, social e espiritual da Nação,
ajustando-lhe as instituições políticas em concordância com a sua índole e
construindo o Estado sobre as realidades da existência coleviva."
Em 1930, a União Nacional que se criou visava integrar a Nação na sua
estrutura política em via de se definir e "enquadrar nas suas fileiras de
uma organização única, estranha a qualquer espírito de partido, quantos
estivessem dispostos a trabalhar pela realização das ideias do nacionalismo
português".
Em 1937 o Estado Novo proclamava que "Portugal é hoje
um país onde reina a ordem, existe a certeza do dia seguinte e a tranquilidade
indispensável ao fecundo exercício das
actividades produtivas", porque "foi pela resolução do problema da
ordem pública e da questão financeira que o País recuperou a consideração
externa de que dependia a restauração do seu prestígio internacional".
"O terrorismo só é possível onde a matéria plástica da
mentalidade colectiva está pronta a reagir simpaticamente. Num país onde se
criou uma unidade moral e com ela a convicção da estabilidade das instituições
e do valor da paz interna, os terroristas estrangeiros e os seus discípulos
perdem o tempo e o feitio.
E a demonstração está feita. E está mesmo provado que
tentativas dessa natureza só servem para estimular o espírito de defesa do
grande número dos cidadãos que se erguem à compreensão da necessidade de se
organizarem para a resistência contra os que pensem em perturbar a paz interna
e ameacem a segurança dos lares portugueses.
Foi da lição do comunismo espanhol que resultou a formação
dessa força magnífica de choque, decidida e pronta, que é a Legião Portuguesa.
"
Estes excertos são da obra O Estado Novo- Princípios e
realizações, edição SPN 1937.
O terrorismo referia-se inequivocamente ao comunismo internacional e que tinha chegado às nossas
portas nesse tempo da guerra civil de Espanha. Estaline estava na URSS e a
ambição internacionalista e "proletária" era evidente.
O Portugal de Salazar defendeu-se programaticamente para manter os
valores que não eram de modo algum os comunistas. Deus, Pátria e a Família que
não eram conceitos discutíveis publicamente.
A ideia básica de Ordem nas finanças públicas, na sociedade
e na administração conduziu necessariamente à repressão de quem a pretendia subverter para substituir por uma
outra ordem , no caso, comunista.
Na Educação, em 1936
operou-se uma mudança estrutural e fundamental: "ela
corresponde a uma nova compreensão , integral e perfeita, da missão do Estado
na formação das gerações mais novas.
Até aqui cuidara-se
apenas de instrução, entendendo-se por instrução a cultura intelectual que se endeusara
ao ponto que a preparação física e moral deixara de contar. O nosso ensino
fabricava em série uma multidão de pequenos sábios, com o cérebro mobilado por
um sem-número de noções mal assimiladas
e de conhecimento em confusão que faziam deles enciclopédias baratas.
(...)Rompeu-se com o estéril enciclopedismo racionalista para se lhe sobrepor a
visão da finalidade de uma educação capaz de criar homens robustos, possuidores
das grandes noções fundamentais para a sua função social e das virtudes do
civismo e moralidade que se exigem nas gerações a quem havemos de confiar o
destino de Portugal. "
Destes conceitos nasceram a Mocidade Portuguesa e a Obra das
Mães pela Educação Nacional e o SPN-
Secretariado para a Propaganda Nacional que era um organismo de formação
cultural dessas ideias, através de prémios literários e artísticos e a criação
do Teatro do Povo e do Cinema Popular, para divulgação "pelos confins das
províncias, às pequenas aldeias perdidas. essa forma moderna de expressão
artística e de proveitosa lição das coisas."
Para além disso, "deve-se
ao Estado Novo o ressurgimento da ideia de Império e com ela a formação de uma
nova consciência das coisas coloniais. Recuperamos uma mentalidade afirmativa e
construtiva, inflexivelmente disposta a realizar a nossa missão de grande
potência. Renasceu o espírito de legítimo orgulho, de amor ao domínio, de
tenacidade e decisão. Renasceu a vontade portuguesa de Império". E tal foi proclamado oficialmente e com valor
constitucional, no Acto Colonial de 1933 que "constitui o diploma
fundamental do Império".
Eram estes os valores do Estado Novo, essencialmente. "Uma
concepção ocidental e cristã filiada no espírito da civilização nacional".
Devemos envergonhar-nos disto que foi a nossa História
pregressa dos últimos 40 anos anteriores a 1974? Não, no meu modesto entender.
Em 1974 tudo isto ruiu com fragor porque o edifício que o
Estado Novo foi construindo estava minado quase desde o início, pelas infiltrações intelectuais da esquerda então reprimida mas subterraneamente activa. Praticamente desde os anos 40, conforme é
reconhecido por aqueles que se lhe opunham.
Para sustentar essa Ordem e escala de valores que provinham da nossa ancestralidade católica e ocidental, essencialmente
anti-comunistas e assentes no temor do que ocorrera na Guerra Civil espanhola , o
Estado Novo carecia de meios e um dos mais evidenciados tornou-se a Censura das
ideias esquerdistas comunistas.
Esta matriz do Estado Novo que proclamava efectivamente uma
concepção ocidental e cristã e filiada na civilização nacional não poderia
permitir veleidades de propaganda ao adversário que a procurava minar e destruir em nome
de um internacionalismo comunista e que afrontava nitidamente os princípios da
civilização ocidental e cristã. A defesa era então legítima. Os meios poderão no entanto, ter-se revelado excessivos.
Uma das formas que o Estado Novo encontrou para enfrentar
tal ameaça ( e é preciso não esquecer que o comunismo estalinista desse tempo
era infinitamente mais duro e eficiente na repressão de quem se lhe opusesse,
pois para o provar estão documentados os "processos de Moscovo" da
mesma época) foi a Censura, para a além de uma polícia política de defesa do
Estado.
A defesa do Estado Novo contra o comunismo passou sempre por
aqui: a repressão pura e simples, com eventual prisão, das pessoas que aderiam
a ideias comunista e quisessem propagandeá-las em modo subversivo, partidário ( o PCP era já
uma força política clandestina, proibida naturalmente, na lógica do que se
passara em Espanha, como hoje é proibido o "fascismo") e ao
mesmo tempo a uma política oficial de silenciamento generalizado da propaganda dessas ideias, com pequenos requintes de inquisição vinda directamente do século XVI ( com um index librorum prohibitorum quase recalcado da Igreja Católica)
A Constituição de 1933 assegurava como direitos dos cidadãos
a " liberdade de expressão de pensamento sob qualquer forma", bem
como a "liberdade de reunião e associação", no artigo 8º na redacção após a revisão de 1959. Porém, num
parágrafo subsequente estabelecia que " Leis especiais regularão o
exercício da liberdade de expressão do pensamento, do ensino, de reunião e
associação, devendo quanto à primeira impedir preventiva ou repressivamente a
perversão da opinião pública na sua função social, e salvaguardar a integridade
moral dos cidadãos".
Portanto, a legitimação da Censura era constitucional desde
1933 e com o objectivo declarado de poupar os cidadãos à propaganda comunista e
de subversão de outros costumes.
A questão que se pode colocar e que me parece fundamental dilucidar é saber se tal Censura foi
eficaz nessa prevenção, se foi adequada e se resultou em algo positivo ao longo
dos mais de quarenta anos que durou, porque se estendeu até 1974.
Para tal, importa
saber como se fez e que evolução tomou, no contexto político social das décadas
em que vigorou.
Tentar-se-à a seguir compreender como tal aconteceu.