domingo, junho 28, 2015

Dogmática censória



O Estado Novo de 1933 aparece com uma Constituição cujos princípios não eram declaradamente os mesmos dos "países democráticos" ocidentais.  
Tal era assumido sem peias, após a experiência caótica dos anos precedentes e proclamou-se a superioridade do modelo como  novo, "para abraçar toda a actividade familiar, económica, social e espiritual da Nação, ajustando-lhe as instituições políticas em concordância com a sua índole e construindo o Estado sobre as realidades da existência coleviva."

Em 1930, a União Nacional que se criou visava integrar a Nação na sua estrutura política em via de se definir e "enquadrar nas suas fileiras de uma organização única, estranha a qualquer espírito de partido, quantos estivessem dispostos a trabalhar pela realização das ideias do nacionalismo português". 
Em 1937 o Estado Novo proclamava que "Portugal é hoje um país onde reina a ordem, existe a certeza do dia seguinte e a tranquilidade indispensável  ao fecundo exercício das actividades produtivas", porque "foi pela resolução do problema da ordem pública e da questão financeira que o País recuperou a consideração externa de que dependia a restauração do seu prestígio internacional".
"O terrorismo só é possível onde a matéria plástica da mentalidade colectiva está pronta a reagir simpaticamente. Num país onde se criou uma unidade moral e com ela a convicção da estabilidade das instituições e do valor da paz interna, os terroristas estrangeiros e os seus discípulos perdem o tempo e o feitio.
E a demonstração está feita. E está mesmo provado que tentativas dessa natureza só servem para estimular o espírito de defesa do grande número dos cidadãos que se erguem à compreensão da necessidade de se organizarem para a resistência contra os que pensem em perturbar a paz interna e ameacem a segurança dos lares portugueses.
Foi da lição do comunismo espanhol que resultou a formação dessa força magnífica de choque, decidida e pronta, que é a Legião Portuguesa.

Estes excertos são da obra O Estado Novo- Princípios e realizações, edição SPN 1937.
O terrorismo referia-se inequivocamente ao comunismo  internacional e que tinha chegado às nossas portas nesse tempo da guerra civil de Espanha. Estaline estava na URSS e a ambição internacionalista e "proletária" era evidente.
O Portugal de Salazar defendeu-se programaticamente para manter os valores que não eram de modo algum os comunistas.  Deus, Pátria e a Família que não eram conceitos discutíveis publicamente.
A ideia básica de Ordem nas finanças públicas, na sociedade e na administração conduziu necessariamente à repressão de quem  a pretendia subverter para substituir por uma outra ordem , no caso, comunista.
Na Educação, em  1936 operou-se uma mudança estrutural e fundamental:  "ela corresponde a uma nova compreensão , integral e perfeita, da missão do Estado na formação das gerações mais novas.
Até aqui cuidara-se apenas de instrução, entendendo-se por instrução a cultura intelectual que se endeusara ao ponto que a preparação física e moral deixara de contar. O nosso ensino fabricava em série uma multidão de pequenos sábios, com o cérebro mobilado por um sem-número de noções  mal assimiladas e de conhecimento em confusão que faziam deles enciclopédias baratas. (...)Rompeu-se com o estéril enciclopedismo racionalista para se lhe sobrepor a visão da finalidade de uma educação capaz de criar homens robustos, possuidores das grandes noções fundamentais para a sua função social e das virtudes do civismo e moralidade que se exigem nas gerações a quem havemos de confiar o destino de Portugal. "

Destes conceitos nasceram a Mocidade Portuguesa e a Obra das Mães pela Educação  Nacional e o SPN- Secretariado para a Propaganda Nacional que era um organismo de formação cultural dessas ideias, através de prémios literários e artísticos e a criação do Teatro do Povo e do Cinema Popular, para divulgação "pelos confins das províncias, às pequenas aldeias perdidas. essa forma moderna de expressão artística e de proveitosa lição das coisas."

Para além disso, "deve-se ao Estado Novo o ressurgimento da ideia de Império e com ela a formação de uma nova consciência das coisas coloniais. Recuperamos uma mentalidade afirmativa e construtiva, inflexivelmente disposta a realizar a nossa missão de grande potência. Renasceu o espírito de legítimo orgulho, de amor ao domínio, de tenacidade e decisão. Renasceu a vontade portuguesa de Império".  E tal foi proclamado oficialmente e com valor constitucional, no Acto Colonial de 1933 que "constitui o diploma fundamental do Império".
Eram estes os valores do Estado Novo, essencialmente.  "Uma concepção ocidental e cristã filiada no espírito da civilização nacional".

Devemos envergonhar-nos disto que foi a nossa História pregressa dos últimos 40 anos anteriores a 1974?  Não, no meu modesto entender. 

Em 1974 tudo isto ruiu com fragor porque o edifício que o  Estado Novo foi construindo estava minado quase desde o início, pelas infiltrações intelectuais da esquerda então reprimida mas subterraneamente activa. Praticamente desde os anos 40, conforme é reconhecido por aqueles que se lhe opunham.
Para sustentar essa Ordem e escala de valores que provinham da nossa ancestralidade católica e ocidental, essencialmente anti-comunistas e assentes no temor do que ocorrera na Guerra Civil espanhola , o Estado Novo carecia de meios e um dos mais evidenciados tornou-se a Censura das ideias esquerdistas comunistas.

Esta matriz do Estado Novo que proclamava efectivamente uma concepção ocidental e cristã e filiada na civilização nacional não poderia permitir veleidades de propaganda ao adversário que a procurava minar e destruir em nome de um internacionalismo comunista e que afrontava nitidamente os princípios da civilização ocidental e cristã. A defesa era então legítima. Os meios poderão no entanto, ter-se revelado excessivos. 
Uma das formas que o Estado Novo encontrou para enfrentar tal ameaça ( e é preciso não esquecer que o comunismo estalinista desse tempo era infinitamente mais duro e eficiente na repressão de quem se lhe opusesse, pois para o provar estão documentados os "processos de Moscovo" da mesma época) foi a Censura, para a além de uma polícia política de defesa do Estado.

A defesa do Estado Novo contra o comunismo passou sempre por aqui: a repressão pura e simples, com eventual prisão, das pessoas que aderiam a ideias comunista e quisessem propagandeá-las  em modo subversivo, partidário ( o PCP era já uma força política clandestina, proibida naturalmente, na lógica do que se passara em Espanha, como hoje é proibido o "fascismo")   e ao mesmo tempo a uma política oficial de silenciamento generalizado da propaganda  dessas ideias, com pequenos requintes de inquisição vinda directamente do século XVI ( com um index librorum prohibitorum quase recalcado da Igreja Católica)

A Constituição de 1933 assegurava como direitos dos cidadãos a " liberdade de expressão de pensamento sob qualquer forma", bem como a "liberdade de reunião e associação", no artigo 8º  na redacção após a revisão de 1959. Porém, num parágrafo subsequente estabelecia que " Leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento, do ensino, de reunião e associação, devendo quanto à primeira impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos".

Portanto, a legitimação da Censura era constitucional desde 1933 e com o objectivo declarado de poupar os cidadãos à propaganda comunista e de subversão de outros costumes. 

A questão que se pode colocar e que me parece fundamental dilucidar é saber se tal Censura foi eficaz nessa prevenção, se foi adequada e se resultou em algo positivo ao longo dos mais de quarenta anos que durou, porque se estendeu até 1974.
 Para tal, importa saber como se fez e que evolução tomou, no contexto político social das décadas em que vigorou.
Tentar-se-à a seguir compreender como tal aconteceu.  

Questuber! Mais um escândalo!