segunda-feira, dezembro 15, 2025

Morreu Nuno Rodrigues, o músico da Banda do Casaco

 Vi a notícia ontem e no Observador tem três comentários, mas todos elogiosos e subidamente distintos. 

Isto significa, além do mais que o músico Nuno Rodrigues, falecido aos 76 anos, era personalidade pouco mediática, mas a sua obra musical perdura e ficará para a posteridade, principalmente através dos álbuns da Banda do Casaco, formada em 1974, com elementos do grupo Filarmónica Fraude que no final dos anos 60 também tinham deixado obra para a história da música popular portuguesa. 

A dupla Nuno Rodrigues e António Pinho, a dupla maravilha destes grupos de excelência musical num tempo de escassez de talentos publicamente reconhecidos, conseguiu em pouco mais de uma dúzia de anos, desde o final dos anos sessenta até praticamente ao final da década de setenta marcar esse panorama ainda relativamente pobre da música popular portuguesa com raízes no autêntico folclore nacional e nos sons estranhos vindos de algures, como se dizia numa publicidade a uma bebida ( Gini, francesa) patrocinada pelos Pink Floyd em 1974. 

Sobre Nuno Rodrigues pouco conheço, para além da sua música e de uma ou outra entrevista que foi dando ao longo das décadas sobre a mesma. Nos anos oitenta ainda compôs algumas cançonetas de música ligeira mas o que interessa é mesmo a Banda do Casaco e a Filarmónica Fraude, para quem ainda se lembra e se interessa por isso. 

Já escrevi sobre esses grupos musicais nacionais e a última vez que escrevi foi por ocasião da reedição dos primeiros álbuns, particularmente o primeiro Dos benefícios de um vendido no reino dos bonifácios, um título arrincado pelo letrista, para mim genial,  António Pinho e que tive o gosto de conhecer pessoalmente. 

O postal da época, de 2022 era este:

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 Foram agora publicados pela editora Universal, com dependência nacional, em baixo de forma,  dois discos em vinil que passaram completamente despercebidos nos media tradicionais (e nos outros também) e é uma pena. São estes, de 1974-75 e de 1976: 


Estes discos são, para mim, os mais significativos da música popular portuguesa nos anos setenta. Mesmo incluindo nesse lote os de José Afonso, tradicionalmente considerados os mais importantes da mpp, como Cantigas do Maio ou Traz outro amigo também. 

Esta classificação de um jornal especializado- Blitz- de há um pouco mais de dez anos, nem sequer os inclui no lote dos 50 "mais" de sempre...embora depois corrigisse o erro, incluindo o Coisas do Arco da Velha e ignorando o primeiro. E aqui também nenhum deles encontrou ouvintes.

A classificação do Blitz de Dezembro de 2004 coloca o disco de Fausto, Por este rio acima, como o melhor de sempre. Pois no meu entender qualquer um dos discos aqui mostrados da Banda do Casaco é melhor que esse. Para comparar basta ouvir a instrumentação dos temas tradicionais portugueses, de Coisas do Arco da Velha, com instrumentação de algumas canções de Por este rio acima, com semelhanças em canções desse tipo. É água do vinho e a originalidade e inventividade está toda do lado da Banda do Casaco e dos músicos que lá tocam. 

Porque é que este fenómeno acontece? Talvez a explicação possa ser encontrada por aqui, num pequeno estudo de "mestrado" típico dos alunos de comunicação social actual e acerca dos meios de informação jornalística musical em Portugal. Mesmo com imprecisões ( o Musicalíssimo é apontado como tendo surgido em 1978, quando é facto que existiu uma primeira série alguns anos antes e que ainda existia em 1974) o estudo mostra que em 1974 havia essencialmente a revista Mundo da Canção, como informação musical em Portugal e pouco mais, sendo este pouco, páginas soltas nos jornais generalistas. 

Quem quiser verificar apontará o costume: prevalência nas redacções de gente ideologicamente de esquerda e com poucas excepções, limitada no entendimento e cultura abrangente. O exemplo flagrante era a Mundo da Canção, com redactores comunistas e de extrema-esquerda, medíocres e que escreviam mal ( Tito Lívio e Jorge Cordeiro).

Aqueles dois discos surgiram numa altura de revolução em Portugal e não se incluíam no grupo dos baladeiros e autores já consagrados nas obras anteriores, como José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília ou mesmo José Jorge Letria. 

A Banda do Casaco não tinha antifassistas notórios, de carteira profissional com atestado passado, reconhecidos como tal pelos media da nova situação. Só isso foi suficiente pela censura efectiva e eficaz à sua obra-prima de 1974-75 ( foi gravada no final de 1974 e lançado o primeiro single ainda nesse ano, sendo o álbum lançado em Janeiro ou Fevereiro de 1975, divulgado pela Página Um da Rádio Renascença de Luís Paixão Martins). 

Tirando esse exemplo singular de divulgação, o disco não passou no rádio e a sua divulgação ficou pelo passa-palavra. 

Era mais importante, nessa altura, passar o disco da Canção era uma arma, do GAC ou O que faz falta, de José Afonso, porventura o disco mais ouvido nesse tempo e do álbum Coro dos Tribunais, a par da Liberdade de Sérgio Godinhoou os do Fausto,  aliás de qualidade musical superior, mas inteiramente panfletários, como Venha cá, senhor burguês ou O Patrão e nós

Por causa dessa censura abrileira e de prec,  o primeiro da Banda do Casaco, vendeu por isso cerca de 4 mil exemplares segundo um dos seus autores ( António Avelar Pinho). O segundo, saído em 1976, já com um pouco mais de divulgação, mesmo radiofónica,  terá vendido quase o dobro. 

No ano de 1974 em Portugal sairam mais discos de mpp importantes e significativos, alguns deles daqueles autores. Porém, este primeiro da Banda do Casaco, Dos Benefícios dum vendido no reino dos bonifácios é um disco esquecido e por causa disso, de um prec de má memória e de uma cultura musical deficiente e enviesada. 

Mas não devia e o tempo que passou devia fazer justiça a tal porque se imporia tal reparação, para proveito de quem gosta de música e de obras de qualidade superior, neste caso portuguesas. 

Universal, herdeira da etiqueta original que editou o disco ( Philips-Phonogram e depois Polygram) agora verdadeiramente multinacional é a editora dos discos da Banda do Casaco. 

Em Portugal não sei quem gere a dependência local mas é certamente alguém sem sensibilidade para estas coisas, apesar de Nuno Rodrigues, um dos elementos da Banda do Casaco ter feito parte da estrutura organizativa, em tempos. 

Actualmente, a função de promoção será de um tal Paulo Sardinha e Sónia Pereira que disto que acima escrevi devem saber nada. Nem seria preciso a não ser para serem profissionais capazes de entender a importância cultural da música, para além do aspecto comercial. E por isso mesmo conseguirem vender mais destes produtos de consumo...

Por mim, descobri os discos por acaso, ao passar numa loja de discos que frequento deste muito jovem, portanto há décadas. Se assim não fosse nem dava por eles. 

E que valem técnica e musicalmente tais discos, mesmo nestas novas versões reeditadas dos originais? Valem muito, acredite quem quiser ou souber. E já tinha escrito isso há uns anos. 

O primeiro disco é uma recolha de temas ligados entre si em conceito, do género dos "concept-albuns" do estrangeiro ( The Who ou Frank Zappa, por exemplo), com uma musicalidade que me parece extraordinária, da autoria de Nuno Rodrigues, com excepção do primeiro e décimo segundo temas e  umas letras igualmente impressionantes da autoria de António Pinho, poeta que comparo a O´Neill, nestas pequenas intervenções escritas, no espírito e na forma.  Só isso bastaria para dar atenção aos temas e ao disco, mas há a instrumentação e a composição musical que o aproxima das obras estrangeiras da época do rock progressivo, sem lhe apanhar os tiques sinfónicos ou os arabescos bizarros. 

É predominantemente "acústico" no sentido que não predominam nas composições instrumentos eléctricos e basta ver a ficha técnica dos músicos para perceber tal coisa: guitarras acústicas de Nuno Rodrigues, José Campos e Sousa e Nelson Portelinha; violino e guitarra eléctrica de Carlos Zíngaro, autor dos desenhos da capa; piano de Luís Linhares que fez parte da Filarmónica Fraude, como aliás António Pinho; Celso de Carvalho em contra-baixo e vozes de quase todos, incluindo as de Judi Brennan e Helena Afonso. 

Tem uma sonoridade antiga que faz lembrar temas folclóricos e da música popular portuguesa e sonoridades cuja beleza musical me faz ouvir o disco sempre com o gosto das primeiras vezes. E já o ouvi, dezenas, centenas de vezes ao longo destes anos. É por isso um clássico, para mim. Mais que as obras-primas de José Afonso, Sérgio Godinho ou Fausto cuja temática panfletária é cansativa e limitativa do efeito poético necessário à sua apreciação intemporal. 

Ainda hoje este disco me parece revolucionário e não perdeu uma nota musical no seu interesse e actualidade, mesmo comparando-o com as obras dos compositores do momento, os antónios araújos ou mesmo o Sobral que diz gostar muito de Brel mas se calhar nem conhece isto.

Na época em que saiu a única crítica de imprensa que vi ( a Mundo da Canção ignorou-o completamente) foi a do Expresso, assinada por Pedro Pyrrait, ainda não rendido aos novos tempos que se anunciavam, mas já reticente quanto à "reacção". Dizia assim em 8 de Fevereiro de 1975, anunciando a saída próxima do disco:


"Importa mais uma vez ter presente o que representa a Banda do Casaco em mentalidade e intenções verdadeiramente novas na música popular portuguesa. É como se a Banda do Casaco fosse o 25 de Abril na música popular portuguesa". 

Tal e qual e depois de José Cid ter gravado e publicado as suas obras de referência que julga inultrapassáveis e se intitular o maior e melhor desta cantareira, esquecendo a sua falta de originalidade, mesmo na pop.  

O disco seguinte, Coisas do Arco da Velha não fica atrás do primeiro e há quem o considere mesmo melhor. Não é o meu caso que continuo a jurar que o terceiro- Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos, de 1977- é que deve levar a palma. 

Este segundo disco da banda é outro compêndio de música popular original e com as mesmas características musicais do anterior.  Para além do grupo original com os dois elementos, mais os instrumentistas José Campos e Sousa e Celso de Carvalho e menos Carlos Zíngaro, intervêm as cantoras Mena Amaro e Cândida Soares que a partir dessa altura se passou a chamar Branca-Flor por causa da canção que aí canta ( Romance de Branca-Flor) com estridência medieval. 

Quatro músicas tradicionais dão o tom geral ao disco que tem 11 temas e que não sendo conceptual como o primeiro, é na mesma unitário no espírito musical e temático. Outro clássico. 


Em 1978, a Banda do Casaco publicou o seu quarto disco de originais e para mim o último com interesse semelhante ao primeiro. 

No O Jornal de 24.11.1978 ( os discos eram então lançados preferencialmente na época de Natal...) o crítico de ocasião, Luís Paixão Martins, fazia a recensão de tal disco- Contos da Barbearia- com um elenco de músicos muito mais alargado do que o núcleo original, o que aliás vinha do disco precedente, o aludido das Conquilhas


Luís Paixão Martins que então assinava Luís Filipe Martins, foi o primeiro radialista a divulgar a Banda do Casaco, no seu programa da Rádio Renascença, Página Um, segundo julgo. Tal como apontei na noite de passagem de ano de 1974 para 1975, altura em que o mesmo passou uma retrospectiva da música que apresentou durante esse ano no programa.


Nesses dois discos de final da década de setenta aparece o guitarrista António Pinheiro da Silva, Armindo Neves, outra vez Carlos Zíngaro e muitos outros e são por isso dois discos ligeiramente diferentes dos dois primeiros em termos musicais. 

Ah! E quem é que produziu tudo isto nos estúdios de gravação, em Portugal, na Rádio Triunfo? José Fortes, tal como aqui se explica.

Quanto às novas edições é lamentável que não tenham uma linha, uma referência ou sequer uma ligação de sítio de internet para se saber como foram realizadas. 

Assim fica por se saber se são produtos reproduzidos a partir das fitas originais de gravação, analógicas.  eventualmente em poder da Universal; se foram tratados digitalmente como fatalmente sucedeu em 2014, com a reedição em cd da obra do grupo e portanto com as qualidades e defeitos inerentes; ou se foram alvo de produção técnica cuidada no estrangeiro, como sucedeu com os discos de José Afonso reeditados recentemente por familiares.

Seja como for já ouvi as reedições e comparei com as versões originais, ou seja as que figuram na compilação de 1982 A Arte da Banda do Casaco que aliás poderão ser ligeiramente inferiores em qualidade sonora aos verdadeiros originais que (ainda) não tenho. 

A conclusão a que chego depois de comparar com cuidado é que as novas edições em termos de qualidade sonora está muito próximas de tais versões originais. De tal modo que quem as ouvir distraidamente nem distinguirá. O que é dizer muito sobre a qualidade actual dos discos. 

Vale a pena comprar e ouvir- é a conclusão. Principalmente depois de ter apurado que efectivamente os dois discos foram "remasterizados" ( não se deverá dizer antes rematrizados?) a partir das bobines originais gravadas nos setenta. E as capas são reproduções fiéis das originais. 

São dois clássicos da música popular portuguesa e provavelmente os dois melhores discos dos anos setenta, nesse campo minado.  "

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E ficava por aqui essa crónica do tempo de 2022. Agora com a morte de Nuno Rodrigues, importa pôr algo mais na carta.

O primeiro single saiu em finais de 1974 e como se pode ler "Luís Paixão Martins que então assinava Luís Filipe Martins, foi o primeiro radialista a divulgar a Banda do Casaco, no seu programa da Rádio Renascença, Página Um, segundo julgo. Tal como apontei na noite de passagem de ano de 1974 para 1975, altura em que o mesmo passou uma retrospectiva da música que apresentou durante esse ano no programa.

O Página Um, ou seja o seu apresentador, assistiu às sessões de gravação desse primeiro disco, segundo se depreende e isso era novidade das maiores no panorama da mpp de então.


A seguir a esse single lançado por altura do Natal de 1974 veio o álbum, já em 1975 e por isso já com 50 anos. 

O original que acabei por arranjar depois de 2022 compara-se assim, em imagem, com a reedição:


Apesar de os álbuns parecerem  graficamente idênticos não o são de todo: 

A cor da capa original, tal como se pode ver na foto acima, é um pouco mais parda e não é pela patine do tempo. Gosto mais. 

A capa desdobrável ( gatefold) na edição original abre por cima e a reedição abre de lado como a maior parte dos álbuns de discos em vinil. A foto interior de tal capa, que não está identificada nem identifico, é um pouco maior na edição original, devido ao espaçamento das letras. 



A cor do rebordo exterior do nome Banda do Casaco, aliás a única do álbum todo a preto e branco é diferente de uma e outra edição e a original é turquesa; a outra de um azul pálido. Enfim, pormenores de um "descubra as diferenças". 
Quanto ao som...bem, o som original parece-me perfeito para a época, captado nos estúdios da Rádio Triunfo em Outubro de 1974 pelo técnico de som José Fortes. 
A reedição de 2022 não tem qualquer indicação acerca da "rematrização", sendo presumivelmente digital e passada ao vinil nesse formato. A qualidade ressente-se por isso? Nem tanto se o disco for ouvido em modo distraído, parecendo até que ganha maior vigor sonoro. Mas para mim é um logro quando a comparação é feita lado a lado: o original é mesmo a "real thing" e não o troco por nada. O som digital neste caso, para mim, fica a perder relativamente ao analógico, mesmo que o suporte seja o mesmo material, em vinil. 

A obra musical de Nuno Rodrigues na Banda do Casaco não se ficou por este primeiro álbum e estendeu-se por mais discos: Coisas do Arco da Velha de 1976; Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos de 1977; Contos da Barbearia de 1978; e na década de oitenta No Jardim da Celeste em 1980, Também eu em 1982 e já sem António Pinho; e finalmente Com Ti Chitas, em 1984. 
Todos os discos foram reeditados em formato cd, em Novembro de 2013, em duas caixas, vermelha e preta, com 5 cd´s e 3 cd´s respectivamente e que se encontram esgotadas. Uma delas, a preta,  até contém um dvd com registo de espectáculo da banda. 

Em 2007 foi reeditado em cd o álbum Hoje há conquilhas, amanhã, não sabemos cujas fitas analógicas originais da gravação do disco desapareceram na voragem de uma falência da empresa Imavox nos anos oitenta e nunca mais foram encontradas. Provavelmente alguém as guardou no espólio da venda dos activos da empresa e nem sabe o que terá...

Em 30 de Novembro ( sempre o Natal à vista, nestas coisas...) de 2013 para publicitar as reedições dos álbuns nas caixinhas de cd, Nuno Rodrigues deu uma entrevista ao suplemente Atual, do Expresso. Assim:




A obra musical de Nuno Rodrigues está essencialmente aqui e...está esquecida. Infelizmente. Mas por mim, será sempre lembrada e escutada com todo o gosto e prazer auditivo. Paz à sua alma. 

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