Apontei em postal anterior que a principal novidade musical dos anos 74-75, na música portuguesa, foi o aparecimento da Banda do Casaco, grupo animado por António Pinho e Nuno Rodrigues e que congregava outros músicos de gema. Até 1978 produziram quatro discos- o primeiro, Dos benefícios de um vendido no reino dos bonifácios, em 1975; Coisas do arco da velha, de 1976; Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos, em 1977 ( e que é o meu preferido, porque o tenho ouvido vezes sem conta, ultimamente e em vinil. De facto, estou a ouvi-lo agora mesmo) e Contos da Barbearia, em 1978- que são um assombro musical e que se podem ouvir vezes sem conta que não cansam e trazem sempre uma pequena novidade escondida nos arranjos ou nas letras.
Todos esses discos são uma raridade de antiquário. O primeiro, ainda ando à procura dele, porque só tenho o LP duplo que foi publicado mais tarde e juntava esse e o seguinte, o que não é a mesma coisa. Segundo António Pinho ( ou seria Nuno Rodrigues?) disse recentemente, o lp vendeu para aí uns quatro mil exemplares. Ora, alguns podem andar por aí esquecidos e sem interesse da parte de quem os tem...por isso, poderiam colocá-los à venda, no ebay ou coisa assim.
Em finais de 1974 o programa Página Um, da Rádio Renascença passou Lavados, lavados sim, o primeiro single do grupo e que iria integrar o álbum que sairia no início de 1975.
O som era diferente do que até então se ouvira em Portugal. Nada tinha a ver com a sonoridade dos baladeiros ou dos cantautores da intervenção revolucionária e os grupos rock era coisa para aparecer dali a uns anos, apesar de uma incipiente Go Graal Blues Band. Os Psico de antanho ou o Objectivo, Sindicato, Quarteto 1111 ou mesmo os Pop Five Music Inc não contam para esta história.
E as palavras de António Pinho ainda menos se ouviam em Portugal, nessa altura. Feitas de trocadilhos e alusões antigas e achadas, as letras de António Pinho surpreendiam como anos depois as de Carlos T, o fizeram no primeiro disco de Rui Veloso, Ar de rock ( produzido pelo mesmo António Pinho, e lançado no mercado em Julho de 1980).
Para além das letras também os desenhos da capa eram estranhos, num disco português. Eram de Carlos Zíngaro e chamavam a atenção. O título era desenho do dito.
Imagens tiradas da Rede, porque não tenho estes discos. .
Em Março de 1975, ainda aturdido com estes sons, apareceu nos quiosques uma espécie de revista em papel pardo e de embrulho, de fazer cartuchos para as "vendas". Os originais tinham uma risca em vermelho ou azul e este era de cor variável, mas sempre parda.
Esta espécie de revista era coisa do outro mundo estético a que estávamos habituados, embora de qualidade sofrível e com alguns desenhos intragáveis. Porém, na capa trazia o nome mágico: Carlos Zíngaro. Com o título improvável de Evaristo, comprei e este é o primeiro número que merece ser relembrado pelos desenhos do dito. António Pinho aparece outra vez, na ficha redactorial. A revisteca deve ser mais rara que aquele disco. Troco ( os dois números), se alguém estiver interessado...
O número 4 ainda era mais idiossincrático que o primeiro e com desenhos impubicáveis, tanto pela fraca qualidade gráfica como pela temática abaixo de cão. Ainda assim havia duas páginas de Zíngaro.
Na mesma altura apareceu uma outra revista do mesmo género estético, a imitar uma Actuel francesa, ou a IT britânica, na época já a cair em desuso, com um título sugestivo e desenhos que são impublicáveis porque sim, de um tal Scoriels.
Porém, em Junho de 1974 tinha surgido a maior experiência surrealista em publicações deste género. A revista de banda desenhada Aleph. O nº 3. tinha banda desenhada...chinesa. E um texto introdutório escrito pelos camaradas afectados irremediavelmente pela doença infantil mais pegajosa de todas: o maoismo.
Nesta altura do ano de 1975, para além destas leituras e audições, tentava ainda "ir mais além com..." este livro que se perdeu algures, mas ficou a imagem obtida por aí. O livro, traduzido do original francês, recolhia entrevistas que apareceram originalmente na revista francesa L´Express, na parte final da revista e intituladas "L´Express va plus loin avec..."
11 comentários:
estes temas estavam já para além do horizonte da minha memoria
foram anos intensamente preenchidos de preocupações e desastres
alegria só mesmo a que sempre me acompaha há quase 83 anos
está na altura de mencionar os anarcas que tanto me
divertiam
O CORTEJO CARNAVALESCO DA 'BÓFIA'
foi um triste espectáculo de falta de civismo
Os meus devaneios revolucionários foram apenas estes: estéticos.
Quanto aos 83 quem me dera lá chegar...
Caro José, não sei se reparou que o título do single da Banda do Casaco é uma trocadilho com um dos versos do Hino da Mocidade: "Lá vamos, cantando e rindo /
Levados, levados, sim /
Pela voz de som tremendo /
Das tubas, clamor sem fim".
Vasco Granja, que foi director da Tintin, fez publicar na revista uma série sobre "As Bandas Desenhadas do presidente Mao" (sic).
Os textos de forte inspiração maoísta que pacientemente tem publicado mostram a que ponto essa ideologia - além de criminosa - é castradora do ser humano e da sua capacidade de interpretar o mundo em seu redor, criando carneirinhos dóceis e submissos, milhões de vezes mais submissos que o suposto homem subjugado do regime que tanto criticavam e que se finou em 25/4.
Voltando à Banda do Casaco, o José sabe durante quanto tempo é que José Campos e Sousa - aquele que é hoje um "cantor maldito", trovador do Império perdido e crítico agreste do regime actual - permaneceu por lá?
atrida:
O trocadilho de "lavados lavados sim" é típico do António Pinho que não se livrou, nessa altura de não ser considerado da pandilha comunista. E como tal o disco foi relegado para o esquecimento.
Há mais trocadilhos com alusões ao passado recente de então.
A própria temática das canções com a menção a um "braço de prata" e a uma "senhora dona que tem um braço novo e há quem diga que o braço é de prata" é exemplar nesse sentido.
Quanto ao José Campos e Sousa colaborou nos dois primeiros, de 1975 e 76. Depois, nos dois seguintes já não aparece o nome dele nos créditos.
Não sei se voltou a colaborar.
Certo, tal como "Morgadinha dos Canibais"... Eu gosto especialmente do tema "Canção de Amor e Trabalho", é uma delícia.
Como escrevi o meu disco preferido é o terceiro, Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos.
Todo o disco é um todo que se ouve de fio a pavio, principalmente a vocalização de Mena Amaro em Ont´à noite.
Olá, vivo no Brasil e sou um grande admirador do trabalho do Luis Ferreira. Que tal colocar algumas imagens do trabalho dele neste Aleph nº 3? Abs
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