Ontem morreu o espanhol Adolfo Suarez e hoje repenicam-se os obituários
da praxe que perpassam pelos lugares-comuns ( “o homem que conduziu a Espanha à
democracia”, titula o DN de hoje, com um artigo a condizer do nosso Kerenski de
trazer por casa e um editorial com passagens típicas da Wikipedia) sem
mencionarem o óbvio que ulula há décadas: a diferença entre a transição para a
democracia, entre Portugal e Espanha. No fundo, ocorrida na mesma altura, ou
seja em 1976, após a derrota da Esquerda comunista em 25 de Novembro.
Nenhum jornal se ocupa com essa diferenciação porque se
calhar não gostam de mexer em feridas políticas purulentas que escondem debaixo
de sedas sintéticas.
Quase todos os directores de jornais que temos, mais os dos
telejornais são oriundos das franjas obscuras do “antifascismo”, o que pode
ajudar a explicar esta estranha omissão.
Em Espanha, as palavras e a linguagem não mudaram assim
tanto, após a morte de Franco e a transição para a democracia, em 1976.
É em vão que se poderá buscar palavras como “fascismo” ( e
não havia por lá nenhuma Domingos Abrantes a sibilar “fascismo” em cada frase
política debitada), “reacção”, “monopólios”, até mesmo “capitalismo”, com o
sentido de abate ao efectivo.
Por cá, basta pegar em qualquer jornal saído logo nos
primeiros dias após o 25 de Abril, para as ver manchadas na primeira página e
que foram, no meu modesto entender, o verdadeiro motivo da Revolução portuguesa. Os espanhóis, para grande sorte deles, não tiveram a revoada de Letrias e Saramagos que por cá arribou como marabunta ideológica, logo nos primeiros dias a seguir ao 25 de Abril 74 e que tingiu a vermelho a brancura das primeiras páginas desse tempo.
Em Espanha não chegou a haver Revolução e no entanto, as
premissas poderiam ser as mesmas: ausência de liberdade de informação, de
expressão, de reunião e associação, com um partido comunista proibido, tal como
por cá. Só não havia guerra pendente de qualquer ultramar que já não
tinham. Os bolívares da época,
verdadeiros índios americanos, como se podem ver nos quadros, tomaram conta da “descolonização”
e fizeram-na exemplarmente, correndo com os celerados espanhóis das canhoneiras
de armadas invencíveis. Há portanto essa diferença, mas será mesmo assim,
significativa? Penso que não e escrevo porquê.
Em Espanha, ao contrário de Portugal, em 1976 não havia
qualquer Otelo a concorrer a eleições presidenciais. Não havia uma Economia
nacionalizada em dois terços do seu “
tecido produtivo”. Não havia jornalistas, em maioria, em todos os media, a
propagandearem livre e abertamente a Esquerda comunista, como força libertadora
dos povos oprimidos. Não havia um partido comunista com um Cunhal herdeiro dos
métodos e ideologia estalinista, sempre negada.
Não havia uma extrema-esquerda sempre presente em todos os media, como
aliás ainda hoje acontece, com roupagens e penugens diversas.
Em Espanha, ao contrário de Portugal, não houve qualquer
PREC porque os espanhóis porventura sabiam melhor que nós o que era o comunismo- tinham-no cheirado à beira da porta, durante a guerra civil.
Em Espanha, o partido comunista era “euro-comunista” e Santiago
Carrilho estava mais próximo da social-democracia do que do estalinismo. Só esta razão, por si mesma, poderá ser a causa primeira da diferença. A outra, eventualmente e na minha opinião,
decorrerá do facto de os espanhóis não embarcarem tão facilmente como o povo
português embarcou, na aventura de esquerda comunista, sempre tingida de
democracia fingida e de promessas vãs de amanhãs a cantar para os pobres,
trabalhadores e suas famílias, canto do cisne do comunismo que já não engana ninguém, como acontece nos antigos países de Leste.
Esta cantilena de Abril, verdadeiro canto de sereia, foi a
causa da nossa desgraça, com bancarrota iminente logo em 1976. Os espanhóis
nunca cometeram esse erro e por isso progrediram economicamente, como nós nunca
fomos capazes de o fazer, por culpa de quem votou nessa Esquerda.
De resto, nas
primeiras eleições livres espanholas após a saída do franquismo, o partido de
Adolfo Suarez teve mais de 34% dos votos. O PS espanhol um pouco mais de 29% e
os comunistas de Santiago Carrilho ficaram-se pelos 9 por cento ou um pouco
mais. Os doentes infantis do comunismo
que por cá se desenvolviam como
cogumelos na humidade e com a força de uma epidemia político-ideológica, com
muitos dos jornalistas afectados nas meninges por tal inflamação crónica, nem
tiveram expressão numérica
significativa.
Por cá, ao contrário, em 1975 nas primeiras eleições
legislativa a ordem invertia-se para quase 38% para o PS; um pouco mais de 26%
para o PPD e mais de 12% para o PCP, com a miríade de doentes infantis a gemer
na casa da meia décima eleitoral.
Portanto, uma frente unida de esquerda eleitoralmente forte que fez de
nós o que somos, politicamente.
No Portugal de 1976 a direita tradicional, a que apoiara activamente o regime anterior, havia desaparecido virtualmente e não fora substituida por outra força política que tivesse a mesma coragem ideológica do partido espanhol de Adolfo Suarez. No Portugal dessa época, o CDS recusava- se a integrar qualquer direita, afirmando ( Freitas do Amaral) insistentemente situar-se "rigorosamente ao centro": As forças políticas nacionais de então, acabaram por votar uma Constituição socialista e pró-comunista, só parcialmente revista em 1989, nas questões económicas e por força de imposição externa ( CEE) porque o PS nem o queria fazer.
Será esse o segredo da transição espanhola, por
contraposição à nossa loucura colectiva dos anos 1974-75 e que ainda não foi
inteiramente curada por mor das sequelas
com vírus activos nos principais media e adormecidos numa miríade de falsos arrependidos, que servem alheiras políticas, com selo democrático mas recheadas de ideias esquerdistas do passado.
Em 2006 o jornal El País, de esquerda e fundado por Juan
Luís Cébrian que nessa altura queria domesticar
a TVI de Moniz e Moura Guedes, comemorava o seu 30º aniversário com um número
especial que cimenta documentalmente aquilo que fica escrito.
Desafio qualquer um a encontrar nos escritos do jornal,
fundado em 1976, na altura em que Adolfo Suarez foi nomeado chefe do Governo
espanhol, as palavras e expressões que por aqui, nessa altura
eram como o mato rasteiro e as ervas daninhas que crescem por geração espontânea.
Talvez por aí se entenda o sentido e importância da linguagem
para o exercício ideológico da política.
Em 1976, em Portugal, ainda se viviam tempos pós-PREC, com a
linguagem própria que ficou até plasmada na Constituição e continua como linguagem corrente que é desconhecida em Espanha.
Será essa porventura uma das causas do nosso atraso em relação
à Espanha e que não tínhamos em 1974 de modo tão acentuado quando hoje.
Culpa? Da esquerda, obviamente. Haja quem desminta com pés e cabeça fundamentadas...