No início dos anos setenta surgiu outro fenómeno que ligou o rádio, a televisão mais a cantoria publicitada nos jornais: o festival anual da canção promovido pela RTP foi tomado de assalto pelos precursores da novi-língua, com destaque para uns tantos, aliás sempre os mesmos e vindos do mesmo lado.
Nessa altura tinha passado pouco tempo desde que no Zip Zip ( na RTP durante o ano de 1969) se apresentara um cantor de viola acústica com poucos acordes e baladas a tiracolo. Manuel Freire com a Pedra Filosofal do poeta António Gedeão tornara-se uma alternativa ao cançonetismo em voga que por sua vez alternava à vez com o fado das casas especializadas.
Para além deste repertório o rádio pouco mais tinha e um dos autores que tentava fugir ao paradigma era José Cid que em 1 de Maio à revista R&T dizia o que para si era a divisão entre o cançonetismo e os que faziam "música nova":
O autor da entrevista- Daniel Reis- diz a José Cid que "nos tempos de hoje, a arte pela arte não é mais possível. Música sem o conteúdo social e sem a consciência de situar onde se nasce e vive tem os dias contados..."
Pois então..."música com conteúdo social" não era bem o ideal de José Cid, como se veio a comprovar nos anos a seguir.
No entanto, o músico colocava a questão onde então se situava: nos festivais que "dava dinheiro".
Foi em 1971 que esta questão do dinheiro se colocou de modo assinalável:
Século Ilustrado de 6.2.1971:
E na semana seguinte, o resultado:
Quem explica como isto sucedeu é ainda Carlos Cruz na sua Autobiografia de 2016 ( numa das fotos aparece o mesmo José Duarte que era funcionário da TAP, do PCP e que foi esperar Álvaro Cunhal mesmo à saída da portinhola do avião que o trouxe das terras frias do Leste para espalhar a boa nova e a novi-língua adjacente):
Outro dos arautos da poesia que moldou a nova linguagem foi este grande precursor ligado às letras das cantigas. Este melro de voz aflautada e vindo da burguesia alta de Lisboa e arredores deu uma entrevista publicada na R&T de 27.1.1973.
E os noticiários da Renascença eram assim delineados, já com a participação dos jornalistas que formataram a seguir a linguagem revolucionária...e como escreve Carlos Cruz, "mais tarde juntou-se a nós o Rui Pedro".
Este indivíduo é o que aparece citado no Relatório do 25 de Novembro de 1975 como sendo um dos locutores revolucionários. Do PCP, claro. E já tinha sido despedido da Renascença, em Maio de 1974, por efeito da sua linguagem mutante, como se mostra neste artigo da revista Cinéfilo de 1 de Junho de 1974.
A R&T em Dezembro de 1971 também dava um pequeno panorama sobre esta "nova canção", a da "canção de protesto", acompanhado de opiniões e referências aos locutores do rádio, com destaque para João Paulo Guerra, um dos arautos da novi-língua que apareceria e que estava no "Tempo Zip", na Onda Média da Rádio Renascença.
Além disso aparecem todos os artistas da canção de protesto...e quanto à "preferência do público comum" era uma desgraça: "não gosto das baladas porque é uma música moderna muito estúpida" diz uma jovem de 14 anos...
Outro personagem desta saga radiofónica é o pai da artista de tv, Catarina Furtado. Também foi assalariado do Rádio Renascença da época. A linguagem já não engana ninguém. Só faltam os termos próprios que depois passou a usar, abertamente nas ondas hertzianas. Foi um dos principais precursores...este Joaquim Furtado. Em Julho de 1971, altura da entrevista, andava na tropa e provavelmente ainda não diria "guerra colonial" mas é duvidoso, atenta esta categoria de linguagem que já usa na entrevista.
Joaquim Furtado é um dos elementos do rádio mais activos em 25 de Abril de 1974 et pour cause:
Todos se conheciam entre si e conjugaram esforços para atingir o objectivo traçado e delineado por aquele Adelino Gomes, na entrevista já mencionada, após o despedimento da Renascença: tinham um trabalho a fazer, em Portugal. E fizeram-no.
A Igreja Católica e o Rádio Renascença, apesar dos esforços para domesticar e travar os ímpetos não logrou tal objectivo porque era tarde e as horas já eram más.
A seguir: o resultado...
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