António Barreto escreve hoje no Público um artigo em que profetiza o apocalipse do sistema político-judiciário, por causa da decisão do juiz do TCIC, Ivo Rosa.
Assim:
Antes do mais é preciso dizer que António Barreto aqui há uns anos dizia que era contra as escutas telefónicas em qualquer processo ( foi no tempo do Casa Pia) e já chegou a dizer que Portugal corria o risco de desaparecer, ou seja, já profetizou outro apocalipse tremendo, como este que agora dá à estampa. Isso foi no tempo da "troika".
Sobre o "caso Sócrates" também já se pronunciou não pronunciando, como é timbre de quem não quer compromissos a não ser com o tremendismo analítico.
Mas vamos ao que interessas porque a opinião aboletada no jornal merece comentário.
A leitura do "monocórdico despacho instrutório" foi qualquer coisa de tremendo que só tem comparação com algumas situações ocorridas em 1975, na altura do prec da extrema-esquerda.
Foi um "suicídio da instituição", ou seja, da justiça portuguesa. "Um espectáculo indecoroso...o último acto de um folhetim". "procuradores, magistrados, juízes, conselheiros, desembargadores...todos foram afectados por estes episódios.
Obviamente faltam aqui os actores principais do "folhetim", mas já lá vamos.
A "confiança" arruinada contagia o desprestígio das instituições judiciárias. "Ninguém escapa, podem crer!" Ai escapa, escapa...
Para fundamentar esta análise de bolso de fim de semana começa por aludir ao que observa como "controvérsia e rivalidade" que no seu entender é inadmissível na justiça, porque se lhe aparenta como um confronto inadmissível e que só tem lugar na actividade parlamentar.
Provas da aleivosia? Estas:
"Ficou nítido o desequilibrado, moroso e mal fundamentado processo do Ministério Público. Toda a gente ficou com enorme desconfiança do enviesamento do despacho instrutório, cujas debilidades e incongruências estão pelo menos ao mesmo nível que as do Ministério Público. É aterradora a hipótese, até agora não convincentemente desmentida, de manipulação do sorteio dos juízes, pelos vistos com tradição na Relação de Lisboa" e por isso "seria bom que todos saibam: Rosário Teixeira, Carlos Alexandre e Ivo Rosa não ficam na fotografia melhor do que José Sócrates, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva e outros suspeitos".
E depois disso clama por "reformas" na justiça. Talvez para eliminar a possibilidade de escutas nos processos e garantir ainda mais impunidades, menos uma: a de poder depois escrever enormidades como esta que propalou do alto da cátedra moral numa entrevista ao i, em 2015 e que já comentei na qual se pronuncia sobre o caso da corrupção de José Sócrates.
Foi então previsivelmente cauteloso, mas afirmativo nas generalidades, contrariamente às ideias concretas sobre a corrupção em geral. E no entanto não poupou nas palavras duras de comentador sem responsabilidades: "Evidentemente que gostaria de acrescentar que gostaria de ver algumas pessoas presas". Quando lhe perguntam, logicamente, quais, foge com o rabo à seringa: "não digo nomes, mas são alguns banqueiros, empresários, administradores de empresas, ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex- directores-gerais...gostaria de os ver presos".
Se lhe perguntarem onde é que o MºPº andou mal, a resposta será confrangedora. Se o questionarem sobre o papel do juiz Rosa, idem, e com a ladainha de repetição de lugares comuns e se o interrogarem sobre o que é a dinâmica entre o MºPº e os juízes de instrução será pior: não sabe.
Portanto os escombros do apocalipse assentam em pó de perlimpimpim, em prestidigitação verborreica de quem não sabe do que fala mas precisa de dizer coisas para alimentar colunas de opinião pagas.
Quanto à controvérsia e rivalidade judiciária:
Bastar-lhe-ia ir ao google e escrever "acórdãos corrupção" para entender instantaneamente que as questões jurídicas quando chegam aos tribunais, colocadas pelas "partes" ou suscitadas pelo MºPº são quase sempre "vexatas", complexas e juridicamente tortuosas, por vezes. Não há volta a dar com o sistema jurídico-penal que temos e isso não é responsabilidade daqueles a quem aponta a culpa pelo desmoronamento e os escombros à vista, mas daqueles que omitiu na equação: o poder político, o sistema jurídico e a democracia.
Onde é que isto não existe? Que leia um livro publicado na Alma dos Livros, em 2018, intitulado O Executor, da autoria de Helmut Otner e que relata a actividade de um juiz chamado Roland Freisler e o sistema judiciário imanente, totalmente isento de controvérsia jurídica. Foi no nazismo...
Portanto a alegação de António Barreto a este respeito é simplesmente patética. Poderia ter ido por outro lado, certamente mais interessante e analisar porque razão um juiz decide uma certa maneira e outros de outra completamente diferente.
Não foi porque isso dar-lhe-ia a visão de escombros pessoalizados na personalidade do juiz e não no sistema em si, necessariamente. Um juiz que decide sistematicamente contra a justiça que acusa os tais banqueiros, empresários, administradores de empresas, ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex- directores-gerais que A.Barreto gostaria de ver presos, merecerá um pouco mais de atenção porque nisto como em tudo há o trigo e há o joio...
Por isso será bom mostrar o seguinte com dois recortes do jornal Sol de hoje:
Como se pode ler, a questão neste caso concreto não é de escombros do sistema, mas de ruína profissional e no fim de contas moral de quem decide um caso concreto, em modo singular e atentatória do mais elementar senso comum. É esse o problema que entronca noutros, esses sim sistemáticos e que se podem exemplificar na capa do Expresso de ontem:
O que é que faz o jornal? Por ignorância ou pura manhosice e má-fé compara os dois juízes do TCIC deixando a mensagem subliminar que são vinho da mesma pipa.
Ora a questão é muito mais subtil e que o Expresso eventualmente também não captou e aparece exposta no artigo interior sobre o assunto:
O que é que escrevem os jornalistas sobre as classificações de serviço dos dois juízes? Que são idênticas. Porquê? Ora, por causa do que vem explicado pelo inspector que foi ver o trabalho do juiz Rosa: "todas as decisões obedecem a uma estrutura formal correcta. A fundamentação é clara, exposta em linguagem culta e rigorosa também do ponto de vista jurídico- com um discurso argumentativo lógico e racional, algumas vezes apoiado em referências jurisprudenciais e doutrinárias atinentes ao caso".
Esta linguagem do inspector é a chamada "chapa 5", ou 6 ou 7 ou a que queiram porque dá para tudo.
O Expresso diz que várias decisões do referido juiz foram analisadas pelo tal inspector e que aliás não aparece identificado ( e deveria), o que pressupõe que foram lidas pelo mesmo. E para se dizer que obedecem a um discurso argumentativo lógico e racional obviamente careceram de análise relativamente ao conteúdo, expondo a hipocrisia do sistema de inspecções.
Pode um inspector judicial sindicar o conteúdo de uma decisão de um juiz? Ou seja, como diz o STJ num recurso de uma inspecção em 2012:
As inspecções aos juízes visam apurar “a sua prestação…e o seu mérito” – art. 1º, nº1[4], do R.I.J.
Se a inspecção judicial aos Magistrados se limitasse a um mero controlo burocrático, estatístico, da actividade do Juiz, alheando-se do valor ou desvalor das decisões e do seu comportamento, enquanto exercente de um órgão de soberania, correria o risco de nada inspeccionar e não cumprir o fim pedagógico e formativo que se surpreende, desde logo, no nº2 do art. 1º do Regulamento das Inspecções (R.I.J.).
As inspecções judiciais visam, além do mais, detectar procedimentos entorpecentes da fluida administração da justiça e actuações não compagináveis com a prestação de um serviço público que se pretende célere, eficaz e prestigiado aos olhos da comunidade – “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do Povo.” – art. 202º, nº1, da Constituição da República.
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