Parece ser consensual, pelo menos segundo a Wikipedia, que a palavra "negacionista" é neologismo referente a um fenómeno bem preciso: o da negação de factos históricos, geralmente assumidos e relacionados com o extermínio em massa de judeus, pelos nazis.
A palavra, neologismo recente dos últimos vinte anos, não migrou para outros domínios até agora. Por fenómeno curioso e com efeito mediático também já generalizado, passou agora a designar os que contestam a validade das medidas sanitárias e as vacinas relativas aos novos vírus a combater. De um campo estritamente político-social e com reverberação precisa nesse domínio, invadiu outro terreno socialmente mais extenso e que se tornou politicamente relevante, ultrapassando a fronteira científica e sanitária.
Parece óbvio o mecanismo de assimilação do conceito a outros temas que contendem com a contestação de aparentes verdades mediatica e socialmente estabelecidas e a sinestesia operada com a noção de contestação do Holocausto. Negacionista passou a ser um termo mais abrangente e conotado igualmente com minorias contestatárias de verdades maioritariamente estabelecidas.
Os fenómenos de contestação de verdades tidas como evidentes ou incontestáveis pela maioria podem ser observados de vários pontos de vista e os que se juntam para organizar defesas contrárias às perspectivas maioritárias são fatalmente catalogados de "negacionistas", mesmo sendo apenas cépticos.
O fenómeno de radicalização e cerco ao "negacionista" assume deste modo o mesmo contorno que ocorreu com a palavra "fascista", em Portugal e por isso a semelhança do fenómeno, a meu ver.
A sociedade portuguesa, antes de 25 de Abril de 1974 era um tanto ou quanto monocromática por opção do poder político, declaradamente avesso a uma democracia parlamentar como a que surgiria depois.
Pegando num exemplo concreto, o do lugar de representação do poder legislativo a Assembleia Nacional de 1972 tinha este aspecto:
Dali a quatro anos, o ambiente alterou-se radicalmente e mudou-se o nome para Assembleia da República:
Passados 40 anos alguns dos que lá estiveram foram comemorar o feito:
Quem se atrever a mencionar actualmente a Assembleia como "nacional" recebe provavelmente o epíteto de fascista ou fassista, como diz o comunista Domingos Abrantes. Fascista porque se remete a um passado que combatia ideologicamente tal democracia alargada ao comunismo e com representação na Assembleia.
No tempo da Assembleia Nacional quem defendesse a ideia comunista era relegado para o olvido democrático e impedido de se manifestar publicamente. Era ipso facto um negacionista da realidade vigente que entendia o comunismo como diabólico e atentatório do modo de vida ocidental e cristão, de carácter subversivo e potencialmente destruidor da liberdade tal como a entendiam aqueles.
Passados quatro anos inverteu-se completamente o termo e negacionista da nova realidade social passou a ser o fascista que impediu o comunista de se representar na mesma Assembleia.
Há porém, uma contradição nesta aparente simetria: o comunista e o democrata ao modo ocidental deveria aceitar no seu seio aqueles que o contestam, porque é essa a essência da referida noção democrática.
Porém, não o fazem e tornam-se radicalmente mais intolerantes do que os aludidos fascistas relativamente ao tempo em que eram maioria na mesmíssima Assembleia de representação popular.
Como é que tal ocorre?
No tempo da Assembleia Nacional os comunistas tinham liberdade de expressão às escondidas e publicitavam a sua ideologia através de meios clandestinos por lhes ser vedada a liberdade de expressão pública e em representação eleitoral. Mas faziam-no, publicando textos em jornais, revistas e livros, nos quais escreviam em entrelinhas acerca do seu desiderato: transformar a sociedade radicalmente, eliminando a "burguesia", ou seja, os fascistas a quem assimilavam todos os que combatiam o comunismo.
O discurso oficial contra tal negacionismo era claro mas de tal modo empolado que por força da censura era também desvalorizado e bastaram algumas, poucas, semanas após o 25 de Abril de 1974 para se transformar tal negacionismo no discurso oficial e exclusivo, ainda mais do que fora aquele anterior.
O radicalismo comunista ( do PCP e extrema-esquerda) a que se associaram outras forças influenciadas pelo marxismo, como o PS e o PPD/PSD, tornou-se avassalador e determinante para se conseguir aprovar uma Constituição que tornou tal discurso o oposto ao que existira antes, com a famigerada expressão de que Portugal era um país em via de se transformar em sociedade sem classes.
Quem não vê este fenómeno como um dos mais extraordinários da segunda metade do séc. XX português, tenderá a falhar a perspectiva deste novo negacionismo agora instalado em Portugal, abrangendo já outros domínios político-sociais.
O que se passou em Portugal durante o PREC de 1974-75 é ilustrativo da mutação político-social operada.
Assim quem se atrevesse a questionar ou contestar a legitimidade, mesmo democrática de partidos marxistas-leninistas ou maoistas, como o PCP, o MRPP ou toda a extrema-esquerda, era catalogado de fascista e ostracizado, perseguido, "saneado" e mesmo preso, como aconteceu em 28 de Setembro de 1974.
Se o regime que tal comunismo pretendia instaurar em Portugal fosse avante, teríamos como classe inteira de negacionistas, todos os que não aceitassem de bom grado e bico calado o novo sistema. Não é profecia, apenas a lembrança do que ocorreu nos países de Leste após a Segunda Guerra Mundial que caíram sob o jugo do comunismo, como aconteceu por exemplo na Alemanha de Leste.
Não me parece despropositado fazer o paralelo com os negacionistas actuais, igualmente desprezados pelo mainstram mediático e ostracizados, tal como aconteceu com uma figura como Trump ou Bolsonaro ou mesmo Victo Orbán.
Sendo figuras que não encaixam na ideologia dominante, esquerdista e reflexo de tal esquerdismo enquistado durante décadas na mentalidade dominante, principamente mediática, são catalogados frequentemente como "negacionistas" tout court.
Não se trata apenas de denunciar erros ou catalogar disparates ou dislates dos ditos "negacionistas" o que é coisa diversa de perseguir, processando, mesmo criminalmente ou censurando, votando a um ostracismo activista quem pensa de modo diverso. É portanto o grau de "reacção" e violência contra tal dissidência que permite o paralelo aqui exposto e nada mais. Esse fenómeno de reacção agressiva a quem pode estar errado e afinal atenta mesmo e apenas contra um senso comum é que se afigura perigoso porque revela a natureza do radicalismo subjacente e paralelo a outros já verificados anteriormente, em Portugal. É uma ultra-reacção contra quem permanecerá sempre minoritário e por isso inócuo e revela apenas a insegurança de quem a protagoniza ou o carácter radical de quem a defende.
Portanto, nada que seja substancialmente diferente do que ocorreu em Portugal durante o PREC e continuou anos a fio, até hoje.
A perseguição à Igreja Católica nesse tempo teve o mesmíssimo reflexo, porque a Igreja negava ao comunismo o direito de cidadania ditatorial, tal como era óbvio ser pretensão de tal ideologia. E por esse motivo a Igreja Católica assumia o papel de negacionista de tal realidade, sendo apontada como tal, ou seja reaccionária e fascista, como o arcebispo de Braga, D. Francisco Dias da Silva, ultrajado publicamente, como se mostrou.
O aparecimento do Chega como partido é um dos fenómenos que permite equacionar melhor a distorção operada durante estas décadas em função daqueles factos e acontecimentos.
O CHEGA é entendido pelos mesmíssimos representantes do marxismo-leninismo e por todos os novos inquilinos do palácio de S. Bento como o representante máximo do negacionismo da democracia tal como a entendem, restrita e afinal capada como era o regime anterior.
A democracia para as forças políticas que se acantonam à esquerda do PS e incluem franjas importantes de um PSD actual, é digna apenas de quem não tolera o que designam como fascismo, no qual incluem o tal CHEGA.
Tal como o regime anterior não tolerava o comunismo...
Se isto é democracia tal como deve ser entendida é discussão que fica para outra ocasião, se calhar.
O papel dos media, como as revistas citadas, na denúncia dos "negacionistas" das vacinas e outras temáticas actuais ( clima...feminismo...racismo...etc. etc.) é reflexo da educação ideológica dos seus directores de então e de agora, formados essencialmente no marxismo-leninismo de pacotilha, com base nas ideias feitas de luta de classes singela e simplisticamente assumidas.
Os cursos de comunicação social actuais com os frutos visíveis nos profissionais do jornalismo nacional, parecem-me eivados de tais preconceitos ideológicos, susceptíveis de conduzirem directamente aos fenómenos de intolerância activista, relativamente a movimentos como os aludidos, em nome de um politicamente correcto que se afigura pernicioso da autêntica profissão de jornalista, observador de realidades e capaz de isenção no respectivo relato.
Para encontrar alguém com características assim, no panorama jornalístico nacional será ainda mais difícil do que no tempo de Diógenes que se servia de candeia num dia de sol para tentar encontrar um...homem verdadeiro.
É este o paralelo que encontro entre as noções de negacionista e os comportamentos do passado e do presente.
No fundo o que pretendo dizer é simples: os negacionistas merecem atenção e quando não concordamos com os mesmos, o melhor é combatermos as ideias e deixar as pessoas em paz. E se foram mesmo insensatos nem sequer devem merecer atenção. Como costuma dizer uma sabedoria antiga ( da minha mãe e que já vinha da minha avó) : a um maluco, dá-se o caminho todo...
E se alguém tem dúvidas na identificação destes novíssimos torquemadas, aqui fica o retrato de uma, directora da revista Visão ( propriedade de uma empresa fantástica, a Trust in news do ainda mais fantástico Luís Delgado que herdou o negócio da revista de alguém na sombra da Lapa) em escrito desta semana :
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