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domingo, outubro 09, 2022

O Estado na Caixa Geral de Aposentações: saia mais um carioca!

 A dama de Formentera assina no DN de hoje uma revisão da matéria já dada num artigo anterior no mesmo jornal, em 18 de Setembro e aqui já comentado.




Desta vez insiste num aspecto que merece realce e daí esta transcrição e comentários: o abuso relapso e permanente de certos serviços burocráticos do Estado, no caso a CGA, em responder aos cidadãos em modo decente e próprio de um Estado civilizado, fazendo-o, pelo contrário em modo displicente, incompetente, atrasado em meses, confuso, mecanizado em disposições legais citadas num universo complexo de legislação que não explica, não simplifica nem se incomoda com tal efeito. Desprezo pelo cidadão contribuinte, para além do tolerável e sem consequências disciplinares de nenhuma espécie.

A CGA e outros serviços do Estado central e local actuam como se os cidadãos fossem súbditos de um reino de burocracia todo poderoso nas suas atribuições, em que os mangas-de-alpaca que digitam em teclas plastificadas se tornam os esbirros sem contemplações para com os mais carenciados de informação que aliás lhes compete dar, de graça e a tempo. É a lei que tal lhes impõe, mas arranjam desculpas para a não cumprir, sufragadas pelas "chefias" que partilham aliás a mesma chafurdice de indecência burocrática. 

Essa inoperância e criminosa displicência, acompanhada de um labor burocrático das nove às cinco, com intervalos para cafés, pingos ou cariocas e rotinas lentas, é o espelho real dos serviços públicos em Portugal. Quase todos. A "Segurança Social ", então, diz quem sabe que se transformou em algo inenarrável.

O artigo de hoje retoma o assunto das viúvas ( os homens morrem primeiro...)  que no momento em que podem usufruir das pensões de sobrevivência se vêem confrontadas com notas informativas, emitidas por aqueles serviços que lhes apresentam contas de dívidas antigas a cobrar agora com desconto imediato nas pensões,  tudo legalmente explicado em áridos artigos do estatuto de aposentação e sobrevivência, sem mais.

O assunto, algo complexo, é do âmbito jurídico e a burocracia desses serviços aproveita a complexidade inerente para impingir interpretações burocráticas e assim legitimar legalmente as exigências de pagamento. 

Para complementar este panorama de abuso generalizado, os próprios tribunais administrativos que deveriam aplicar o direito e a justiça em nome do povo, demitem-se de algum modo de tais funções, sempre que poderiam tomar partido legalmente imposto a favor da lei e do direito, disciplinando jurisprudencialmente tais abusos.

Para solucionar a questão que a dama de Formentera torna a abordar, bastaria ler com olhos de ver o acórdão que aliás cita sem mencionar data precisa ou proveniência concreta, insistindo em repetir que tal aresto foi confirmado pelo STA quando devia saber ler que o supremo da burocracia se limitou a lavar as mãos como um pilatos de circunstância. 

O acórdão em causa é este que fica assim mostrado aqui, em imagem:


O que diz este acórdão de substancial para o caso em concreto? Que a CGA não tem pejo nem vergonha em fornecer informação aos cidadãos que é necessária e exigível para prestar ...  “esclarecimentos dos termos em que a pensão de sobrevivência é atribuída, qual a causa da dívida, a razão do respetivo montante, como foi calculada a taxa mensal em dívida, com indicação do regime legal.

É que, se assim se não fizer, o beneficiário não fica a saber o que paga, porque paga e para que paga.”

A CGA não fez tal coisa em modo claro e perceptível para qualquer pessoa ou sequer alguém mesmo informado porque se limitou a usar uma " linguagem cifrada e imperceptível, refugiando-se em fórmulas não intuitivas nem explícitas, mantendo a mesma postura quando litiga contenciosamente.", no dizer do acórdão em causa. O anátema é de tal ordem que deveria originar uma auditoria ( o termo é  delícia para as cariocas da gestão...) ou inquéritos de natureza disciplinar, às "chefias". Devia, era dívida, mas neste caso prescreveu. Em poucos meses...

Assim...e continuando a citar:

“Despiciendo se torna estar a repetir a necessidade da fundamentação e os termos em que a mesma deve transparecer. Sublinharemos, contudo, a exigência que a jurisprudência vem recorrentemente fazendo de que quanto mais complexo, intrincado ou inextricável for o assunto subjacente mais clara, transparente e explicativa terá de ser a decisão. O que bem se compreende. Se o assunto for facilmente apreensível pelo comum dos mortais óbvio é que a fundamentação, sempre exigível e dentro dos requisitos claro, poderá ser menos densa. Mas se o assunto for complexo, for de difícil perceção ou apreensão, mister é que a fundamentação se espraie clara e explicativamente de modo a que o homem médio se aperceba do que se decidiu.No caso a atribuição da pensão de sobrevivência com a concomitante exigência de quotas não pagas pelo falecido marido mostra-se de grande complexidade. Que precisa de ser desmontada com esclarecimentos dos termos em que a pensão de sobrevivência é atribuída, qual a causa da dívida, a razão do respetivo montante, como foi calculada a taxa mensal em dívida, com indicação do regime legal.
É que, se assim se não fizer, o beneficiário não fica a saber o que paga, porque paga e para que paga."

Isto que devia ser uma vergonha para os serviços burocráticos da CGA, caiu em saco roto e previsivelmente cairá sempre porque quem manda nos "serviços" não compreende que os mesmos têm que funcionar de outro modo mais consentâneo com as atribuições que têm, legalmente.

A actual dirigente do serviço burocrático da CGA é uma senhora, chamada Maria João Carioca que tem este currículo nos cargos que exerce actualmente ( tirando os que exerceu por onde passou): 

A senhora formada em economia e gestão modernas, não tem vergonha das figuras que a CGA faz perante aqueles que lhe justificam a existência laboral? 

Por outro lado, a argumentação jurídica da CGA perante o problema concreto apresentado pela dama de Formentera é este que fica explanado nas primeiras linhas do acórdão em causa:

(...) 

E- Decorre claramente do artigo 61.º e 62.º do EPS que o tempo de inscrição no Decreto-Lei n.º 24.046, de 21 de junho de 1934, cuja retroação não foi requerida será contado oficiosamente em sede de pensão de sobrevivência.
F- No presente caso, J. nunca requereu à CGA a retroação da inscrição e de contagem de tempo nos termos do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, razão pela qual nunca lhe foi solicitado a regularização das quotizações em falta.
G- Ou seja, o marido da Autora optou por exercer um direito cujo exercício estava na sua disponibilidade. Assim, não foram pagas quotas à CGA, pelo que não se formou tempo de serviço a que corresponda direito à pensão.
H- Nessa medida, e de acordo com o estabelecido nos dos artigos 61.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 142/73 de 31 de março, a Autora ao requerer a pensão de sobrevivência, acionou a retroação da contagem do tempo que o seu marido beneficiou do regime do Decreto-Lei n.º 24.046, de 21 de junho de 1934, razão pela qual, para a Autora beneficiar da pensão de sobrevivência é necessário a liquidação das quotas em dívida que ascendem ao valor global de € 22.339,85.
I- É que, a não liquidação da dívida importará o recálculo da pensão sem a consideração desse tempo, dado que, a lei impõe que apenas releve no cálculo da pensão de sobrevivência o tempo de serviço em relação ao qual tenham sido ou venham a ser pagas quotas – cfr. artigo 11.º do EPS, razão pela qual não existe prescrição de quotas.
J- Acresce que nos termos do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, a retroação da contagem de tempo de serviço pode ser requerida a todo o tempo, gerando assim a obrigação de liquidação de valores em dívida. Assim, a dívida de quotas está corretamente calculada não padecendo o despacho impugnado de qualquer vício."

Qual a primeira ideia que sobressai da argumentação da CGA?  A que existe uma dívida quando um subscritor não paga quotas. Dívida e não outra coisa qualquer, como um acórdão peregrino de 2020, do mesmo TCAN decidiu ao qualificar de modo diverso, chamando-lhe "valor que permite que um interessado migre de um sistema previsional par outro". Ou seja valor que não foi pago e que poderia sê-lo ou deve sê-lo. O que é um valor que deve ou pode ser pago?! 

A ideia a seguir da CGA é que o pagamento de tal dívida torna o tempo de serviço na função passível de contagem para a atribuição da pensão.

E ainda outra, porventura a mais importante: que tal dívida, mesmo podendo ser antiga de décadas, não prescreve porque só se vence quando é pedida a contagem do tempo de serviço ( o que obviamente só acontece quando o beneficiário se torna como tal pelo decesso do cônjuge ou subscritor)...

Assim, como a beneficiária da pensão, ao requerer a mesma, "accionou a contagem do tempo de serviço" foi nessa altura que tal dívida foi contabilizada e portanto não prescreveu, segundo a CGA. Isso apesar de se ter constituído há décadas...o que é uma interpretação fantástica e que atenta contra o sentido legal do direito tributário e do regime legal das prescrições, porque é disso que se trata.

É esta a questão a que o "administrativista e constitucionalista" Paulo Otero se refere ao dizer que a interpretação da CGA é errada. 

E será, mas a CGA não se interessa em esclarecer devidamente, porque enquanto o pau ( decisões dos tribunais que não aparecem...)  vai e vem folgam as costas e podem tomar-se os cariocas de café ou cevada que forem precisos para alimentar a burocracia da mangadealpacas de sempre. Mesmo com sumidades da gestão moderna das escolas portuguesas que só falam inglês...

O artigo da citada dama ainda se abalança a procurar uma solução para quem não tem meios suficientes para accionar tribunais, contratar advogados etc, para resolver estas questões que não são tão poucas nem tão pequenas como isso.

Há uma solução que esqueceu, no entanto e que me parece a mais adequada a uma primeira tentativa de resolver o problema que aliás pode atingir centenas ou mesmo milhares de pessoas: o recurso aos serviços da PGR e ao seu Conselho Consultivo que pode efectivamente dar uma ajuda preciosa no estudo da questão que se afigura simples de equacionar e algo confusa de articular e decidir.

O Conselho Consultivo da PGR pode ser chamado a intervir por acção do próprio Procurador-Geral da República, como aqui se diz

De que estão à espera?


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