domingo, setembro 18, 2022

Caixa Geral de Aposentações: abuso de poder com patrocínio do Estado

No DN de hoje, a dama de Formentera assina um artigo de quatro páginas, certamente  para justificar o que lá ganha. Não sei quanto tempo levou para alinhavar as frases dessas páginas mas tomou um caso concreto como exemplo e pediu opiniões a "todos os especialistas contactados" e que serão dois ou três. Um da Segurança Social e um ou dois juristas, do administrativo e direito constitucional. O resto é folclore para encher o artigo de indignações. Justas, aliás.

O escrito apresenta-se algo confuso e denota que a dama não percebe muito dos assuntos em que se mete, incluindo este, omitindo informações relevantes porque afinal " se não sabe, porque pergunta?" 

Ainda assim vale a pena pelo tema que aborda, embora alguém mais competente fosse capaz de explicar o assunto em causa numa página, em vez das quatro gastas a justificar o emprego, penoso depois dos episódios sobre o equívoco de Formentera e do apartamento no Chiado ( porque sou desrespeitoso para com a dama? Porque diz que durante anos andou enganada, quando toda a gente percebe que isso é uma aldrabice...).

Então aqui vai:









A CGA é isto segundo a sua própria definição:

"O estatuto da CGA foi profundamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de agosto, o qual autonomizou a CGA da CGD, definindo-a como uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e com um património próprio, com um conselho de administração e um conselho fiscal, sujeitos aos poderes de tutela do Ministério das Finanças e, simultaneamente, incorporou o MSE na CGA.

No entanto, os meios e serviços necessários ao exercício da atividade da CGA, nomeadamente as instalações e o pessoal, continuaram a ser fornecidos pela Caixa Geral de Depósitos, agora ao abrigo de convenção entre as duas instituições. Para o efeito, a CGD criou, na sua estrutura orgânica, a Direção de Apoio à CGA (DAC), nela exercendo funções cerca de 260 pessoas."

E faz isto:

"A Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA) tem a seu cargo a gestão do regime de segurança social dos funcionários públicos e trabalhadores equiparados admitidos até 2005-12-31 em matéria de pensões de aposentação, de reforma (forças armadas e GNR), de sobrevivência e de outras de natureza especial, designadamente, pensões de preço de sangue e pensões por serviços excecionais e relevantes prestados à Pátria.

Os subscritores da CGA são fundamentalmente funcionários e agentes administrativos (civis e militares) da Administração Pública Central, Local e Regional, professores do ensino particular e cooperativo e trabalhadores de algumas empresas públicas e sociedades anónimas de capitais públicos (ex-empresas públicas)."


Quanto espaço de página de jornal levaria a colocar isto? Uma coluna, mais ou menos. 
Na segunda coluna deveria a dama colocar a questão concreta que motiva o artigo. E este é simples de enunciar:

A CGA notificou uma beneficiária de uma pensão de sobrevivência, com 79 anos,  para pagar uma "dívida" no sentido de poder usufruir da pensão respectiva deixada pelo falecido cônjuge em 1991. 
A dívida reporta-se a contribuições que não foram pagas à CGA pelo "subscritor" falecido de Julho de 1963 até à sua aposentação em Agosto de 1991. 
E qual o montante da dívida? É a primeira referência do artigo: 28 513,94 euros. 
Para explicar esta dívida a dama que escreve gasta as páginas todas e enreda-se na lei, nas opiniões e nos factos. 
Resume tudo na frase sobre a circunstância de a CGA não justificar tal dívida devidamente, sendo apresentada como facto consumado e a dama apresenta logo um argumento de peso jurídico: cita um acórdão do STA ( que não diz o que a dama diz que diz, como se poderá ler...mas a dama julgou que sim por alguém lhe ter dito que era) Um acórdão que explica o que deve ser explicado é este, por exemplo, mas enfim fica o essencial:
 " 1 – Há uma questão incontornável e que se prende com o modo como a CGA lida com os seus beneficiários, através de uma linguagem cifrada e impercetível, refugiando-se em fórmulas não intuitivas nem explícitas, mantendo a mesma postura quando litiga contenciosamente.Está aqui em causa, na fixação da pensão de sobrevivência, uma suposta divida do então cônjuge da Autora, aqui recorrida, sem que se percecione a que se reporta essa divida, quem terá sido o responsável pela mesma, e quais os normativos em que assentam as operações aritméticas com vista à fixação do valor da divida e do emergente valor da pensão fixada.
Os ofícios remetidos à aqui Recorrida, pela CGA cingem-se, no essencial, a um conjunto de parcelas, datas, fórmulas e quadros, sem que se percecione o seu fio condutor, quer em termos factuais, quer em termos normativos, assemelhando-se a enigmas insuscetíveis de serem revelados."

O que esse acórdão diz de facto, é o essencial: a CGA lida com  os seus clientes, ou seja, o público em geral, como uma burocracia do Estado, cega, robotizada e desumana, com um total desprezo pela consideração que lhe deveriam merecer as pessoas em nome das quais labora.
Isto é uma vergonha para o Estado e para os responsáveis por esta miséria que têm assento no Ministério respectivo, da Segurança Social que neste momento tem como chefe uma ministra coisa qualquer.

Dito isto que se dizia numa frase, resta o seguinte: o que a dama quer explicar a propósito do cálculo da pensão de sobrevivência à beneficiária em causa e a dívida que lhe apresentou para pagar se dela quiser beneficiar, enreda-se nos labirintos de leis que a dama não domina minimamente e se espelha na seguinte frase: " a taxa de desconto aplicada àqueles 28 anos- no email a CGA diz apenas que aplicou "a taxa vigente à data do óbito", sem especificar qual. "

Se a dama fosse ver ao sítio da CGA poderia reparar que a lei actual sobre aposentações é clara num ponto e esclarece a mencionada dúvida que a mesma tenta esplanar em várias linhas do escrito: 
"Tempo de serviço sem descontos X taxa contributiva em vigor na data de atribuição da pensão de sobrevivência (3%) X valor mensal ilíquido da pensão de aposentação à data do óbito."

O sítio da CGA até explica bem o que a dama não entendeu e passou minutos ou horas ou até dias ( aposto mais nesta hipótese) a escrever...mas lá está: se não sabe...porque perguntaria?

E se fosse um pouco mais esclarecida ( enfim...) poderia ler que o pagamento de quotas em atraso ou consideradas em dívida pela CGA e como tal apresentadas ao beneficiário, faz-se de um modo perverso: segundo os padrões de desconto actual, com as taxas actuais ( ou seja de 3% para pensão de sobrevivência e 8% para as quotas de aposentação, como é claro)  e não do tempo em que a dívida poderá ter ocorrido...pois é isso que diz aqui e apenas reflecte o que a lei de agora diz, no artigo 13º.

Três páginas do artigo dedicam-se a tentar perceber esta questão que acaba por não ser entendida e embrulhada em pareceres de juristas perguntados a propósito e ad hoc e que esclarecem sem esclarecer, uma vez que dizem algo diferente do que aparece escrito. 
A "lesão da confiança" não se compadece com o disposto no artº 13º do actual Estatuto da Aposentação em vigor e certamente não é a isso que se refere o "especialista em Direito Administrativo". 
Porém, será a outra coisa que a dama não compreende: actualmente a lei exige 3% como taxa relativa à pensão de sobrevivência para pagamento de quotas em atraso ou não pagas ( a tal dívida). 
Porém ao tempo em que a mesma falta de pagamento ocorreu, a taxa era de 1% e houve quem a pagasse. 
Ora o que mina a confiança é a circunstância de actualmente se exigir o pagamento de tais "dívidas" à taxa de 3% enquanto quem as pagou permite que o beneficiário da pensão usufrua da mesma tendo sido paga à taxa de 1%, o que obviamente é injusto e eventualmente inconstitucional.

Porém a questão principal que nem chega sequer a ser aflorada no artigo da dama é outra ainda que tem a ver com o aspecto mais geral desta problemática e que envolve a aposentação e a pensão de sobrevivência: a distinção entre quem foi subscritor e quem, mesmo temporariamente não foi ou não podia ser, apesar de ter prestado serviço ao Estado. 
Essa é que é a grande questão que se coloca neste como noutros casos e que contende com a natureza da dívida e do seu vencimento e que evidentemente permite que se coloque o problema da prescrição e caducidade de eventual liquidação, nos termos de direito tributário e é preciso não esquecer, como a dama nem entende, que estes assuntos assumem natureza tributária...ou não,  porque já há decisões jurisprudenciais para ambos os gostos. 

Assim, partindo do pressuposto que aliás perfilho na esteira do entendimento de conselheiros do STA, estas "dívidas" assumem natureza de tributos e portanto terão que ser analisadas à luz do direito tributário que fixa um prazo de prescrição destas dívidas relativamente curto, de cinco anos ( ver aqui a fundamentação deste acórdão de F. Condesso).

Assim, importa dilucidar o que é um subscritor da CGA e é a mesma entidade que o diz: "Até 31 de dezembro de 2005, eram obrigatoriamente inscritos na CGA os trabalhadores da Administração Pública Central, Local (autarquias locais) e Regional (regiões autónomas) e de outras entidades públicas, que tivessem a qualidade de funcionários ou agentes administrativos e recebessem ordenado, salário ou remuneração suscetível, pela sua natureza, de pagamento de quota."  
E tal qualidade mantém-se enquanto se mantiver a ligação, o vínculo à função pública ou à entidade que permitiu a inscrição na CGA. 
Isto é importante porque há tempo de serviço que se conta como subscritor e tempo de serviço que se conta como acrescendo ao de subscritor, não o sendo. 
E é nestes casos estritos que surge muitas vezes o problema das "dívidas". A lei determina que quem está inscrito e é subscritor tem que descontar, ou seja, a entidade empregadora tem a obrigação de fazer os devidos descontos para a CGA ( 11% ou seja, 8% da quota para a aposentação mais 3% da quota para a pensão de sobrevivência).
E se tal entidade empregadora o não fizer, ou seja por qualquer motivo não tiver feito esses descontos, como é que se conta o serviço para a reforma?
Pois conta-se o serviço em que houve descontos e dá-se a possibilidade ao beneficiário de "comprar" o tempo de serviço em que não fez tais descontos. A lei chama a isso "Tempo por acréscimo ao de subscritor é o tempo de serviço em relação ao qual não são ou não foram devidas quotas para a CGA , mas que a lei permite contar, posteriormente, se o subscritor o requerer e pagar as quotas correspondentes."
Mas...se a responsabilidade por não se terem feitos tais descontos impender sobre a entidade empregadora e não sobre o beneficiário? 
Pois é aqui que a porca torce o rabo e a CGA abusa do poder de entidade do Estado que faz o que quer segundo os tempos que tem para resolver as questões e são dilatados em meses ou anos. 

A dívida decorrente de um subscritor que apesar disso não fez descontos deve impender sobre quem e principalmente quando é que ocorreu o seu vencimento?

Se for como a CGA entende e lhe chamar "tempo por acréscimo ao de subscritor" então é da responsabilidade do beneficiário e conta-se a partir do momento em que é requerido a contagem e a passagem à aposentação, sendo computada segundo os cálculos à taxa actual. Daí a importância citada no início do artigo. 
Porém, se for da responsabilidade da entidade empregadora é óbvio que a dívida se venceu desde o momento em que não foram entregues as quotas ( e até segundo a lei actual seria crime de abuso de confiança fiscal imputável a tal entidade...) e como tal pode muito bem estar prescrita, como se escreve no artigo sem explicar isto que aqui fica.
E daí o abuso de poder da CGA e vergonha para o Ministério da tutela. Que não tem nenhuma e até se está nas tintas para que os beneficiários sejam devidamente informados disto que acima fica escrito. 

Também como está escrito alguns tribunais, mesmo superiores, quando tiveram ocasião para se pronunciarem acerca disto fizeram como Pilatos e decidiram por questões formais, como aliás foi o caso do acórdão que a dama diz ser do STA e não é ) o STA disse apenas que o TCA tinha decidido bem e nada mais havia a dizer, ao contrário do que a abusadora CGA queria), mas sim do TCA e do Norte já agora, que a dama também não quis referir. É caso para perguntar porquê...

E já agora perguntar também porque razão o sítio da CGA está desatualizado em nem se consegue saber quem é o/a responsável máximo/a por estas poucas-vergonhas. Para poder ser demitido com justa causa, voilà!

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