Nos últimos tempos tenho lido aqui e ali gente de esquerda a proclamar em modo de palpite que no tempo do fassismo de Salazar e Caetano havia mais corrupção do que hoje em dia, só que estava oculta, pela censura e pelas circunstâncias.
Provas ou elementos de facto tendentes a sustentar tal enormidade...zero. Apenas os palpites, como o de um Pacheco Pereira que não tem pejo em o afirmar em opúsculos que vai distribuindo pelos locais onde peregrina com a sua exposição itinerante de propaganda anti-fassismo primitivo.
A última é de um advogado socialista que sempre se definiu como social-democrata, foi ministro da Justiça, acolheu no seu escritório o actual primeiro-ministro que define como manho, perdão, hábil e é filho de um juiz prestigiado do antigamente, desse tempo que vitupera como mais corrupto do que hoje.
Assim se pronuncia sobre o antigo regime depois de explicar porque está no PS, esse grande partido onde a corrupção é uma lenda:
Repare-se no critério que este advogado, filho de juiz, político e antigo ministro da Justiça, aplica para se determinar a extensão da corrupção no país, o qual duvida que esteja em rampa ascendente na corrupção e se estiver será em extensão inferior ao "antigamente".
Como este tipo de declarações se tornam vulgares, importará discorrer um pouco também sobre tal assunto, à míngua de factos, números, argumentos e provas.
Em primeiro lugar, como é que se definia o fenómeno da corrupção no antigamente? Dizia assim o Código Penal que vinha do séc. XIX e serviu muito bem para o efeito, até 1982:
Não há grandes diferenças nos conceitos fundamentais. O que varia, actualmente, é a dispersão de leis avulsas acerca do fenómeno que envolve os "empregados públicos" e o modo como estes podem obter vantagens indevidas, de particulares, em função das suas decisões e "jeitos" variados, favorecendo quem lhes oferece tais benefícios. Ou seja, o modo de os empregados públicos mercadejarem o cargo que ocupam em nome de interesses públicos.
Como é que tal gente pode saber se haveria mais corrupção no antigamente? Pela percepção nem será porque não a tinham, afinal estava abafada, como dizem. Então é com certeza uma convicção póstuma e com tinta ideológica, pintada ao longo de décadas de preconceitos reiterados contra o regime que os perseguia ideologicamente e de quem agora se vingam, em nome da frustração de não terem apurado factos que lhes sustentem tais convicções.
A corrupção, entendida como um mercadejar de um poder de decisão ou influência em nome do Estado e interesse público, para benefício particular, é hoje menor do que antigamente?
Quem é que pode ter tal percepção, se desprovida de preconceitos ideológicos? A meu ver só alguém completamente iludido por tais peias e antolhos, uma vez que a realidade, factual e contextual é de tal ordem que deveria conduzir a outra conclusão, esmagadora e evidente, mesmo sem provas de armas fumegantes, apenas com os elementos disponíveis e a experiência de vida.
Em primeiro lugar o campo onde tal fenómeno se produz é actualmente muito mais extenso do que antigamente. Muito mais, da ordem de vezes multiplicadas por vários dígitos. Um
documento governamental, mostra isto em relação ao aumento do número de empregados públicos em Portugal nas últimas décadas:
Por outro lado, os governos aumentaram exponencialmente as despesas públicas ou seja o dinheiro disponível, proveniente de impostos e outros rendimentos, para o Estado gastar nos diversos ministérios.
Nem tem comparação com o que ocorria no antigamente e por isso o campo de aplicação do critério supra aumentou também exponencialmente.
Pensar ou dizer que apesar disto a corrupção antigamente era maior do que hoje já se torna incomodativo da sanidade mental de quem o diga ou então da boa-fé em tal dizer.
Para além disso há os factos disponíveis em relatórios, estudos e documentos. Por exemplo, estes, jornalísticos e livrescos acerca do que era o antigamente neste aspecto.
Em 2018, Filipe S. Fernandes publicou um livro sobre "os empresários de Marcello Caetano", em que apontava por exemplo um deles, Jorge de Brito, contando-se a história de uma empresa que agora se celebrou com a pompa de uma condecoração presidencial, a BRISA.
A história da BRISA e do BIP torna-se interessante para saber como pode comparar-se com os casos BCP, BANIF e BES, para além de outros escandalosos que tiveram intervenção directa dos socialistas, compagnons de José Vera-Jardim.
Ontem o Sol publicou uma espécie de notícia sobre a BRISA que apareceu há 50 anos para concorrer a obras públicas de construção de vias estradais que estavam em preparação, pagas pelo erário público e não pelas ajudas comunitárias como actualmente acontece:
A história da BRISA poderia ser diferente, como contava a revista Observador de 4.8.1972 e 25.8.1972, numa história cuja transparência hoje em dia duvido que pudesse ocorrer do mesmo modo:
São esses os terrenos onde a corrupção de Estado que temos poderia suceder e parece-me indubitável que existiu naqueles casos concretos, recentes, apesar de ainda não ter sido apreciada em modo judiciário e muito menos em tribunal. O jogo político que dantes não existia com as regras que agora vemos, vai abafar esta corrupção e relegar o assunto para o campo político que é o pântano habitual.
E tal sucede por causa de outro fenómeno que dantes não ocorria com tanta desfaçatez como agora: a pesporrência de quem governa e de quem o mesmo Vera-Jardim diz assim:
E como é que se resolve o fenómeno da corrupção que afinal poderá aumentar? Fácil, para este antigo ministro da Justiça que palpita ser antigamente muito pior que hoje...
Para exemplificar melhor como se tratam os assuntos da governação e agora se escolhem governantes que têm o perfil apontado, basta atender a um contraste com o antigamente.
Nada melhor para tal que reproduzir algumas páginas de alguém que foi governante antes, no antigamente e depois se reconverteu a esta gente de agora...como é o caso de Joaquim Silva Pinto que no livro "Portugal Desalento e Esperança", de 2015:
Agora atente-se no contraste quando Silva Pinto fala de Mário Soares e do PS...com a maior condescendência possível e a mais perfeita cegueira voluntária. Tudo se perdoa em nome de algo indefinível e que nunca seria perdoado àqueles.
Mais: dá-se de barato e a preço de saldo que a boa vida de Soares advém da excelente gestão de um colégio privado, bem de família, quando se sabe que antes de 25 de Abril de 1974 Soares passava dificuldades em França só minoradas pela ajuda de milionários de cá ou de lá que lhe deram emprego a preceito. Isso se reflecte nas cartas que a mulher escrevia e que são públicas nesse aspecto. Quando veio para cá, Soares tinha um automóvel Mini, um super-utilitário de classe média baixa, como se dizia.
Ao morrer Soares deixou uma pequena fortuna em móveis e imóveis, incompatível com o rendimento que sempre auferiu enquanto empregado do Estado, como sempre foi. De algum lado lhe veio...sendo obrigatório neste caso comparar com Salazar e Marcello Caetano e o pecúlio que deixaram aos seus. Nem comparação tem! Será que Joaquim Silva Pinto, aliás já falecido e José Vera Jardim não repararam nisto e ajustaram à sua inteligência os factos conhecidos?
No antigamente os detentores do grande poder económico, no regime, do lado privado, eram estes, conforme o livro Os Burgueses, da tripla do BE, em 2014:
Em 2009, um jornalista Pedro Jorge Castro escreveu um livro sobre Salazar e os milionários, com esta contra-capa:
Por muito esforçados que fossem não foram capazes de detectar e apontar casos concretos de grande corrupção no Estado como se verificou depois, em democracia, em determinados assuntos que ainda hoje se falam a propósito de temas polémicos. Diz-se mesmo que um ministro e um primeiro-ministro morreram num acidente de aviação, tendo como pano de fundo suspeitas de corrupção nas Forças Armadas e com o Fundo do Ultramar.
Quanto aos militares e à corrupção nem vale a pena comparar o que se passava dantes, com os pindéricos das batatas que foram promovidos a majores e o que se passou depois, no tempo do MFA, nos altos estados com os contratos avulsos que nunca foram escrutinados, envolvendo figuras de proa, do género rosas coutinhos. Não havia desses casos no antigamente, parece-me inquestionável. E passou a haver.
Falou-se depois em corrupção nos contratos com aquisição de submarinos, com o aeroporto de Macau. etc etc, incluindo diversos fripós e quejandas situações que antigamente não existiam.
Tendo isto em atenção basta ler isto que foi escrito nos anos oitenta, em 18.4.1984, nos dez anos após o golpe de 25 de Abril:
Para terminar há uma prova que é como a do algodão sujo: comparar o nível de vida dos que mandavam antigamente e tinham acesso ao poder do Estado ou a quem estavam entregues empresas importantes do mesmo Estado e os de agora, na mesma posição.
Dos ministros de Salazar ou directores-gerais, bem como aqueles que foram do tempo de Marcello Caetano sabe-se que os que não tinham bens de família ao saírem da governação continuavam pobres ou remediados como dantes eram, ao contrário de hoje em que o fenómeno mágicos da multiplicação dos bens é generalizado para os mesmos e os seus.
Esta parece-me aliás a prova dos nove: tanto Salazar como Marcello Caetano não aproveitaram os cargos para enriquecer ou sequer adquirirem algo a que não tinham direito, nem aceitaram ofertas desinteressadas de admiradores avulsos como outros, incluindo Mário Soares.
É isso que essa gente devia aprender para se calar, por um módico de vergonha na cara, se a tiverem.
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