A morte do guitarrista e compositor Tom Verlaine suscitou um interesse inaudito em certos media nacionais, com os obituários.
No Observador, João Bonifácio desencantou uma introdução bizarra à história que contou acerca do falecido, com um putativo jogo de setas com Scott Walker, também já desaparecido. Não percebo onde foi buscar a inspiração nem o sentido da fábula. Não é Nick Kent quem quer.
O crítico escreve depois esta coisa extraordinária, sobre o disco Marquee Moon e Tom Verlaine: "Mas grande disco não chega para definir Marquee Moon, a obra de estreia dos Television, banda que Verlaine liderou e que por si só definiu todo o indie-rock que se seguiu e a forma de usar a guitarra elétrica no rock. E se duvidam da ideia perguntem-se: quantas pessoas no rock tocam hoje como Clapton ou Jeff Beck. Exato: nenhuma. Porque tentam todas tocar como Verlaine – e não conseguem."
E não poupa nos ditirambos ao disco saído em Fevereiro de 1977: " simultamente complexo e melódico, sofisticadíssimo e conhecedor do passado, revolucionário e cantarolável, improvisado e revisto até à obsessão, a obra de um perfeccionista".
Será que acha mesmo o estilo guitarrístico de Tom Verlaine fundamental para o futuro do rock, contado a partir do ano de 1977 e desse disco em particular?
Enfim, nem sequer vou perder tempo a rebater porque o fundamental é outra coisa que Bonifácio não menciona porque era novo para entender e a internet não ensina tudo.
Aliás, esse "universo" não "começou nos Ramones e dois acordes". Começou muito antes e durou pouco tempo, depois disso.
A vantagem de Bonifácio porém é inegável face à concorrência: é original na escrita, cita fontes onde vai saber os factos e não se limita a escrever como se fosse provido de inteligência artifical, como este artigo no Público de hoje, que poderia ter sido escrito por um robot:
Assim, o que aconteceu com Tom Verlaine em 1977 e a génese do disco Marquee Moon é que interessa saber e escrever porque foi um fenómeno circunscrito ao aparecimento do movimento punk/new wave, na segunda metade da década de setenta.
Onde é que fui aprender tal coisa? Na imprensa estrangeira, claro. Da época, entenda-se. Por cá, não havia quem fosse ouvir in loco as novidades e um ou outro radialista, como António Sérgio, passava discos que recebia por vias paralelas.
Era nesses programas de rádio, quase clandestinos e a horas mortas que passavam as novidades, aliás com muito atraso, como sempre aconteceu em Portugal. O resto lia-se na Rock & Folk, eventualmente na Rolling Stone e na Crawdaddy e talvez nos jornais semanais ingleses dedicados ao assunto musical como o Melody Maker e particularmente o NME que começou a passar a perna àquele decano e a escrever em modo inovador, com escribas como Nick Kent.
Em 1976/77, quando me deliciava a ouvir New kid in town dos Eagles e outros Gentle Giant, Van der Graaf Generator ou mesmo Stevie Wonder, surgiram notícias nessa imprensa especializada de que esses sons eram estranhos à onda que surgia do outro lado do Atlântico, em clubes com acrónimos como CBGB e onde tocavam músicos e grupos que tinham gostado muito de ouvir os Velvet Underground de Lou Reed, no início dos anos setenta e estavam fartos de ouvir os Eagles que no ano anterior tinham publicado um Greatest Hits que rapidamente se tornou o disco mais vendido de sempre da música popular.
A importância dos clubes de Nova Iorque neste género de música, vinha contada na Rock & Folk de Fevereiro de 1977, assim a propósito de discos com músicas dos grupos que por aí passavam:
Esses grupos que começaram a surgir na Inglaterra, com nomes como Stranglers ou Damned e mais tarde Sex Pistols; na América tinham também nomes estranhos como Père Ubu, New York Dolls, Dictators ou Heartbreakers e soube que existiam por causa de artigos como este, publicado em Março de 1977 na Rock & Folk:
Foi aí que vi referido o nome Television e Tom Verlaine que era associado a Patti Smith que no ano anterior tinha publicado um belíssimo disco chamado Horses que aliás figurava no meu hit parade desse ano de 1976.
O autor do artigo, Philippe Manoeuvre era um crítico ainda novo que sabia que se fartava de música popular e escrevia como ninguém que então conhecia. Em Portugal, foi nessa altura que surgia Miguel Esteves Cardoso a escrever sobre música pop em modo inovador e estilo próprio que se tornou único e intransmissível. Porém, não chegava ao núcleo de entendimento destes que lia com o proveito de ficar a conhecer o que não conhecia e na maior parte dos casos ainda nem sequer ouvira. Assim, esta escrita sobre música popular tornava-se em sucedâneo da "real thing" que afinal era a música propriamente dita que não chegava cá a tempo e horas e quando chegava era já muito filtrada.
Não obstante foi possível ouvir no rádio as novidades do "punk" que vinham de Inglaterra, incluindo a "new wave" onde se inseria a música de Tom Verlaine e o seu primeiro e único disco relevante, Marquee Moon, saído em Fevereiro de 1977 nos EUA e por cá, meses depois disso.
Philippe Manoeuvre tinha no entanto dois amores, título de uma canção de grande sucesso de Marco Paulo que só sairia dali a três anos, em 1980.
Manoeuvre apreciava as novidades do punk vindo de Nova Iorque porque tinha acesso a tal ( vivia em Paris...) e por isso escrevia com propriedade. Apreciava grupos como os Stooges ou MC5, cuja sonoridade nada me dizia, mas teve influência nos punks que surgiram depois. Manoeuvre apreciava a novidade de serem os novos grupos a marcarem o ritmo musical e mesmo comercial, porque eram quem produzia os próprios discos. Tal como outros, ainda mais blasés, Manoeuvre estava farto da música corrente de então e queria a novidade que o punk e a new wave trariam.
No artigo, ao mencionar os dois principais membros dos Television do começo, Tom Verlaine e Richard Hell, ambos pseudonimizados com referências literatas a poetas e infortúnios, mostrava preferência notória pelo infernizado Richard que então publicou a sua magnum opus, "Blank Generation", com sucesso muito mitigado relativamente a Tom Verlaine.
A história de ambos é contada por Manoeuvre que entrevistou o músico preferido em Dezembro de 1977, na Rock & Folk. Antes, em Abril desse ano fora publicada a recensão crítica ao disco Marquee Moon, com grandes encómios do crítico Alain Dister:
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