A revista Sábado tem vindo a publicar um pequeno estudo da autoria de António José Vilela sobre o que aconteceu no TCIC nos últimos anos em que por lá passaram os juízes Carlos Alexandre e Ivo Rosa.
A segunda parte de tal estudo, (com indicação de fontes e tudo) é assim e mostra bem como funciona o sistema de justiça no que concerne ao Conselho Superior da Magistratura e não só. É ler...
Há uma frase inicial no artigo que merece comentário inicial também: "os dois juízes tinham egos enormes e formas muito diferentes de ver a justiça".
Quanto aos egos não sou especialista em psicologia para apreciar devidamente tal afirmação mas parece-me que egos há muitos...e grandes ou pequenos nem todos se revelam assim de caras. Há nuances psicológicas que explicam melhor certos comportamentos que está muito para além dos tais egos, mormente relacionadas com o carácter que é essencial na função judicial, tal como se revela nos actos em causa.
Em seguida a forma muito diferente de ver a justiça, não pode ter sentido no contexto indicado, uma vez que a Justiça tem apenas uma única forma de ser vista: segundo os preceitos da lei e do Direito. E quanto a isto é público, notório e muito importante que se afirme que um dos juízes recolhe sistematicamente anulações dos seus despachos mais questionáveis, nos tribunais superiores. Mais de 50...o que é igualmente inédito e impressionante, mas pelos vistos não impressionou ninguém, absolutamente ninguém no CSM a propósito deste assunto. A justiça neste caso não tem a ver com modos diferentes de olhar para a mesma, mas simplesmente em erros e asneiras graves de quem aparentemente não tem competência para decidir como decidiu, sistematicamente e em dezenas e dezenas de processos. E ainda por cima tem sido classificado como tendo prestação de serviço de mérito-muito bom, o que é extraordinário e igualmente impressionante. Não se entende a não ser pela obnubilação e desvalorização completa de tal facto. O que é igualmente extraordinário e impressionante, não havendo memória de coisa semelhante, com outros juízes.
Depois, o artigo é sumamente interessante porque expõe basicamente factos recolhidos em fontes mais ou menos abertas e ainda se baseia em 4 testemunhos prestados sob anonimato. Porquê? Por medo. Simplesmente. Onde há medo não há liberdade. Simplesmente também. Logo temos um problema nesse sector que nunca será resolvido mas que é necessário lidar com o mesmo.
É esta uma das características que aproxima estes problemas e estas instituições de um órgão semelhante ao do funcionamento fechado e tendencialmente assimilável aos sistemas mafiosos, como em Itália- honni soit qui mal y pense: o medo e a omertà, o silêncio de quem não quer ou não se pode comprometer em falar clara e livremente, sob pena de sofrer consequências graves pessoais ou profissionais, reais ou imaginárias.
A interpretação dos tais factos relatados podem dar um recorte primoroso do que é o sistema de justiça em Portugal nas instâncias superiores do CSM que é o órgão de gestão e disciplina dos juízes em geral. Uma função muito importante, com braços armados constituídos pelos vários inspectores que o próprio CSM recruta para tais funções e a quem atribui os processos respectivos. O medo e a omertà nasce e medra com tal fenómeno e portanto não é exagerado associar tal efeito ao do sistema mafioso, sem outra associação que não essa: a do funcionamento de um sistema. Há um secretismo associado e uma forma de proceder relativamente insindicável, no modo como se relatam factos ou tiram conclusões nos processos de inspecção ou inquéritos disciplinares e daí o medo.
Há ainda a conjugação dos factos e das personagens envolvidas, os nomes concretos.
Comecemos por um dos factos, aliás o que inicia o artigo: os desembargadores João Abrunhosa, Anabela Cardoso e Jorge Antunes, na Relação de Lisboa entenderam, provavelmente numa decisão inédita e impressionante pela violência dos termos então usados, participar ao CSM o comportamento de um dos juízes, relapso, no sentido de violar, já por diversas ocasiões, decisões tomadas pelo tribunal superior.
Numa dessas situações, o mecanismo garantístico processual anulou parcialmente o efeito ( um dos desembargadores estava impedido de conhecer o assunto...por motivos legalmente previstos). Porém, o interessante é ler o modo como se desenrolou depois o procedimento disciplinar que conduziu a um arquivamento, sem consequências.
Os testemunhos prestados e por quem; os relacionamentos pessoais de tais intervenientes, incluindo advogados ( Carlos Pinto de Abreu, Germano Marques da Silva, Paula Lourenço, Paulo Saragoça da Mata, Manuel Magalhães e Silva entre outros), estes frequentemente convidados pelas tv´s, todos os canais, ao longo dos anos, a comentar assuntos judiciários que envolviam decisões do outro juiz e sempre a "malhar" e a contestar a actuação do mesmo, aliás invariavelmente confirmada em tribunais superiores; a escolha criteriosa, aparentemente, destes advogados, pelo arguido no processo disciplinar, quase todos relacionados com processos que contendiam com decisões contestadas do outro juiz e que nesse interim foi apresentado mediaticamente (até com ajuda da própria associação sindical) como demasiado faroleiro e sempre demasiado tendencioso para as teses de uma acusação quanto é certo e sabido que a fase processual em questão, era a de instrução e não de julgamento e que viu quase sempre invariavelmente as suas decisões confirmadas pelo tribunal imediatamente superior, como foi o caso.
A movimentação mediática contra o juiz contestado foi de tal modo intensa que era penoso ver e ouvir alguns dos tais advogados e mais alguns ( Proença de Carvalho, por exemplo) a perorar frequentemente contra o dito juiz, sem qualquer intervenção da Ordem dos Advogados ou do...CSM.
É neste ponto que o nó górdio se coloca: como defender um juiz que perde sistematicamente todos os recursos, invariavelmente a favor das teses da defesa e por vezes surrealisticamente fantásticos e incompreensíveis, como foi afirmado na apreciação que a Relação de Lisboa fez do caso do Marquês? Há alguma explicação que tenha sido dada no(s) inquérito(s) disciplinare(s)? Aparentemente, não há. Há mesmo a observação de testemunhos da defesa do aludido juiz no sentido de ser alguém que "inquestionavelmente" decide com "seriedade e rigor", desconhecendo-se se a autora se riu ou não, com esta afirmação, sózinha ao espelho...mas lembrou-se de afirmar que tudo era uma manobra da comunicação social contra o aludido juiz. Uma cabala, portanto. Outro testemunho ( Juiz Salpico) pouco ou nada sabia dos factos mas sabia que o referido juiz em causa tinha fama de uma "forte tendência para absolver arguidos", mas seriam apenas boatos de quem lhe queria mal, certamente. Outros, igualmente juízes, como um certo Carlos Almeida ( Casa Pia...) atestavam a seriedade no trabalho e das decisões do juiz em causa. Até uma professora catedrática de Coimbra ( Maria João Antunes) apareceu a dizer que o dito juiz já se destacava nas suas aulas...integrando um grupo de destacáveis.
Outros causídicos mostravam-se até "admirados" com o escrutínio efectuado, por mor da incompreensão acerca de alguém que dava despachos fundamentados até à exaustão. Esqueceu-se uma de lembrar e pensar que eram invariavelmente revogados por conterem erros e asneiras.
Enfim, tudo conjugado, os argumentos de uma defesa assim construída levaram à conclusão do inspector Vítor Ribeiro de que afinal o juiz não merecia qualquer censura disciplinar e assim propunha o arquivamento do procedimento disciplinar.
Tendo "deixado de fora", segundo a revista, relativamente aos factos a analisar e avaliar, alguns dos que constavam de uma exposição do outro juiz, em 57 páginas, dirigira ao CSM, a propósito de comportamentos processuais do colega...
Espera-se por isso a terceira parte do artigo da Sábado para ver até onde isto chegou. E como.
O que fica de tudo isto? É simples e do senso comum: só não vê quem não quer, o que alguns juízes desembargadores que analisaram em concreto a justiça dos despachos de um e outro juiz...viram muito bem e anularam melhor.
A quem? Ao que se safou destas embrulhadas do modo exposto. Porquê? Não há explicação muito clara, lógica ou razoável para além da que resulta de uma dúvida: fez-se justiça, neste caso?
O porquê é apenas do domínio da especulação e nesse aspecto, as associações de ideias são fatais...
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