O Público de hoje, destaca cinco páginas de escrita sobre as cadeias e fatalmente refere uma palavra e um conceito caro a certas elites: ressocialização!
Perante uma estatística que contabiliza em mais de 50% o número de reincidentes, o incómodo de quem pensa e manda é notório e é assim que deve ser.
Uma tese de doutoramento de Fernando Barbosa, da Fac. De Psicologia da Universidade do Porto, investigou o assunto e o autor propõe soluções, mostra algumas incoerências sistemáticas e apita para quem deve ouvir os recados: “a cadeia não está a cumprir o seu papel ressocializador”.
Indo um pouco mais além, qual Buzz Lightyear, em vista do horizonte deste écran, o copista pergunta:
faz sentido a filosofia ressocializadora do Código Penal actual e que temos há vinte anos?
Se alguma coisa ou alguém, em Portugal, pode simbolizar a ideia de elite, essa coisa é o Código Penal de 1982 e esse alguém, as pessoas que o pensaram e o elaboraram.Quanto ao pensamento, não há mistério: a Introdução do diploma diz quem foi e quando foi. Eduardo Correia, de Coimbra, é o seu nome e as ideias são dos anos sessenta. A ideia do Código na parte geral, designa-se como ”correspondendo a uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista e em muitos aspectos profundamente inovadora.” Não envergonham ninguém, estes desígnios.
O projecto foi devidamente mastigado e ruminado durante anos de governos e comissões- e disso dá conta essa Introdução. Não foi mais uma lei experimental lançada às feras dos diários da república que se alimentam de papel como como as locomotivas a carvão: em fornalha intensiva, como tem acontecido nos últimos anos de fona legislativa.
Nos anos oitenta, uma nova Comissão presidida por Figueiredo Dias lançou a obra mestra do nosso direito penal, seguindo os ensinamentos daquele mestre , com ajuda de outros, entre os quais Cunha Rodrigues, personagem incontornável nestas coisas da justiça das últimas décadas.
Quem se der ao trabalho de ler essa Introdução ao Código Penal, há-de reparar que entre “mediações axiológicas”, menções explícitas a votações no Parlamento alemão(!), referências à culpa como medida da pena e a uma prevenção geral e especial, a peregrinação chega à ideia de que os delinquentes devem ser para recuperar! “ A prevenção especial só pode ganhar sentido e eficácia se houver uma participação real, dialogante e efectiva do delinquente. E esta só se consegue fazendo apelo à sua total autonomia, liberdade e responsabilidade” .
Até para um copista, esta leitura é penosa, mas a verdade é que esta filosofia de vida não se fica por aqui: “Verifica-se a assunção conscienciosa daquilo a que a nova sociologia do comportamento designa por desdramatização do ritual e obrigam-se as instâncias de execução da pena privativa de liberdade a serem co-responsáveis do êxito ou do fracasso reeducativo ou ressocializador. Pensa-se ser esta uma das formas que mais eficazmente pode levar à reintegração do delinquente na sociedade.”
Mesmo contando com a aparência elíptica deste escrito, com um pequeno esforço interpretativo toda a gente lhe capta a semântica, a sua origem e destino.
E melhor ainda se percebe quando o Prof. Faria Costa, recentemente e sem elipses, disse com um sentido muito chão das realidades que a ideia de ressocialização do Código Penal tinha falhado, provavelmente adivinhando estas investigações e lendo estatísticas recentes.
Antes, já o próprio Figueiredo Dias tinha confessado publicamente a sua ingenuidade madura, a propósito das soluções inovadoras vindas directamente da tecnologia do pensamento alemão. E muito antes também, já tinha amargurado a incompreensão da plebe perante ideias tão avançadas. E acha o copista que ainda vai amargar mais, designadamente quando a plebe se aperceber duma solução tão engenhosa como perfeita, conseguida por outra Comissão dirigida pela mesma elite e que se pode ler no artigo 355º do Código de Processo Penal. Em poucas palavrinhas, mandam-se às malvas muitos actos do Inquérito, obrigando a que toda a prova se faça na audiência de julgamento! As consequências, particularmente em processos penais onde a prova assenta em testemunhos, ainda se irão ver de forma mais nítida, agora, nesta vertigem processualística.
Assim, resumindo e na línguagem tradicionalmente campónia, aquela elite coimbrã deu pérolas a...portugueses executivos!
Porém, aqueles dois eméritos professores fazem parte do gotha do Direito de Coimbra que nos impingiu aquelas ideias que agora denunciam como falhadas, com a agravante de atribuirem a desgraça a outros, particularmente os aplicadores dessas brilhantes ideias.
Essa escola de Direito de Coimbra, é uma verdadeira elite no sentido tradicional do termo. É um escol, de grupo reservado e atencioso aos mestres das lentes. É coerente nos escritos e age em conformidade quando lhes pedem pareceres ou opinião.
Os lentes são um punhado fechado que não larga mão das cadeiras mestras. Não saiem dali, encafuados que estão em gabinetes de tectos altos e janelas que já foram medievais e a bem dizer fazem bem, porque o ambiente, sendo de catacumba, tem bons respiradouros nas bibliotecas. Quem se respalda nos sofás de couro dos corredores, sente o saber fluir dos cartazes que anunciam cursos de pós-graduação, à semelhança das pancartas anunciadoras da última novidade da Colgate-Palmolive num qualquer supermercado de pingo doce. Aliás, pressente-se que o objectivo marketinesco é o mesmo: vender um produto e isso eles aprenderam depressa!
Os catedráticos em Direito não abundam, em Coimbra ou em qualquer outro lado, por razões misteriosas e já em tempos analisadas por Vasco Pulido Valente, num escrito de Junho de 1989! Uma frase resume todo um programa elitista: “A Faculdade , ou seja, de facto, o pequeno grupo que tradicionalmente a explora e dirige, tem um só propósito: o de se perpetuar.”
Curiosamente, como copista, lembro agora que um dos catedrático da dita cuja é Vital Moreira e nunca se viu um escrito seu ,singelo que fosse, sobre o assunto. Sobra-lhe tempo para descascar o corporativismo de juizes; ferve-lhe o sangue se lhe cheira a sotaina por perto ou em grupo; contudo, sobre esta elite a que pertence e dá corpo, nunca lhe foi detectada a publicação de escrito esclarecedor...particularmente sobre esse fenómeno estatístico da carência de titulares de cátedra em Direito. Se o lente ler isto, o copista sugere que rebata e adocique afirmação amarga daquele Valente, Pulido, no mesmo artigo e que dizia que “...os académicos portugueses pretende, na sua maioria, apenas tomar de assalto uma prateleira do orçamento e arrumar-se e arrumar os parentes e protegidos. O ideal de professor continua a ser o Padrinho e a troca de serviços, curriculares e outros, o principal critério científico.”
Perante o exposto, será o escol de Coimbra uma das poucas elites existentes e resistentes que ainda temos?!
A resposta será tentada numa próxima ocasião.
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