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domingo, outubro 11, 2020

A propósito da morte de Johnny Nash, com memórias de 1974-75

 No início do ano de 1975 o programa musical Página Um que passava todos os dias da semana,  no Rádio Renascença, costumava apresentar alguns temas de um disco de Johnny Nash, agora falecido. 

O disco tinha saído no ano anterior, com o título de Celebrate Life e pelo menos os temas The look in your eyes e Standing in the rain faziam parte da lista de músicas que passava sempre nesses primeiros dias de Janeiro desse ano. 

Por causa dessa memória agradável de som de tal artista mais tarde comprei o disco original, em vinil, o qual se recomenda. O grande tema de sucesso de Johnny Nash, porém, tinha sido o single I can see clearly now, em 1972. 


Cerca de dez anos depois o mesmo artista publicou o disco Here Again que também comprei na versão em cassete. 


No final do ano de 1974 tinha comprado o jornal New Musical Express por causa de um artigo sobre os Led Zeppelin e uma recensão famosa ao disco Physical Grafitti,  que sairia no início de 1975. 



Nesse número do jornal de música popular, datado de 7 de Dezembro de 1974 vinha numa página a discografia mais recente do artista: 

Estes pequenos acontecimentos reportados nas publicações de música popular preenchiam-me o quotidiano cultural então muito virado para a descoberta desses sons que saíam todas as semanas em novidades importante que ainda hoje contam. 

Para mim que ainda nem fizera vinte anos recordo agora, passados estes anos todos, estes pequenos episódios, eventualmente comuns a outros como eu. 

Precisamente durante essa época decorria entre nós o PREC, feito de surpresas diárias e marcantes para o futuro do país. Por mim, como mero observador, acompanhava tais acontecimentos fulcrais para o nosso futuro, pelo rádio e televisão e um ou outro jornal, nesse caso o Expresso como semanário, uma vez que O Jornal só viria a sair em Maio de 1975. 

Esse tal PREC teve logo uma influência grande para mim: em meados de Fevereiro de 1975 o programa que então ouvia e esperava diariamente sintonizar às 7 e meia da noite, calou-se inopinadamente. Uma greve dos trabalhadores do Rádio Renascença cortou o pio à estação até 5 de Abril desse ano e o Página Um deixou de se ouvir durante quase dois meses. 

Mais ou menos por essa altura, de finais do mês de Abril desse ano, nos escaparates da livraria Bertrand local que então se chamava Internacional, apresentavam-se as revistas que vinham do estrangeiro e era local de visita obrigatória por isso mesmo, para consulta livre. 

Em cima do escaparate principal, logo à entrada estava este número desta revista que tinha papel de jornal e que tinha descoberto através de outras, nomeadamente a National Lampoon, igualmente americana e que costumava trazer publicidade a tal publicação, já minha conhecida desde meados de 1974. 

A esta Rolling Stone, nome fabuloso com um grafismo ainda mais, de Rick Griffin, já a tinha vista no mesmo local em números anteriores a esse, mas neste caso trazia a imagem de Peter Falk que era o actor de Columbo, uma série de tv que então se via religiosa e semanalmente e era tema de comentário entre amigos.  

Ao folhear deparei com uma surpresa: trazia um artigo desenvolvido e com fotos pouco nítidas mas interessantes de um filme de um tal Zapruder acerca do atentado a Kennedy, no início dos anos sessenta e cuja solução continuava a ser um mistério. O tema prometia mas o dinheiro então não chegava para tudo e a primeira Rolling Stone que me interessou lá ficou no escaparate, depois de folheada com atenção. 




Quando arranjei o dinheiro suficiente já a revista em papel de jornal tinha desaparecido do escaparate e em vez de encontrar os números seguintes, como esperava, aconteceu o mesmo que ao programa de rádio: desapareceu de repente e durante meses e meses não lhe puz a vista em cima. Coisas do PREC e das divisas que escasseavam para importar e distribuir e também das empresas que se desfaziam de um dia para o outro.

Na verdade, só em Novembro desse ano, provavelmente já depois do dia 25, apanhei o primeiro número que comprei e durante anos tornei a comprar, quinzenalmente, guardando os números todos até hoje. 

A súbita falta de tal revista à venda, como habitualmente acontecia, tornou-se aos poucos numa obsessão em encontrar um exemplar. No Porto, não havia. Em Lisboa, por esta altura do ano de 1975, em pleno Outono,  também não havia em nenhum local que afanosamente procurei como passível de os ter. Rossio, Chiado, Avenida da Liberdade, nos quiosques todos, ou nas livrarias, nada.

Durante uma curta estadia na capital, no final de Setembro ou mesmo já em Outubro desse ano, indo de boleia e dormindo em tenda de campismo,  junto ao estádio universitário, arranjou-se um lugar catita porque era um tempo em que havia sempre lugar para mais um, nos sítios mais improváveis. 

No caso, um parque de campismo improvisado e destinado a albergar pessoas que tinham vindo de África, retornadas por causa da nossa aventura descolonizadora. Comia-se ovos cozidos, salsichas e frango de churrasco das churrasqueiras ali perto, perto da casa de um futuro inquilino de S. Bento e Belém, tudo regado com boas imperiais ou finos como nós lhes chamávamos que éramos do Norte. 

Um dia, ao entrar no campo improvisado, num dos cestos de lixo havia papéis à solta e alguns, amarrotados deixaram-me estupefacto pelo que entrevia: uma capa e contra-capa da revista que andava à procura em todo o lado estava ali, à mãe de semear e eu colhi os restos de uma edição recente, datada de  11 de Setembro desse ano de 1975. 

Trouxe-a religiosamente acondicionada para casa, dias depois, onde a passei literalmente a ferro e acabei por emoldurar, colando-a a uma prancha de contraplacado. O resto da contra-capa, único vestígio do salvado, está arquivado. Assim ficou estes anos todos, até arranjar o número original que se mostra na fotografia. 
Afinal, acabei por descobrir que tal edição nem era a original, americana, mas sim a inglesa que então se publicava simultaneamente. 

Tinha sido certamente um turista estrangeiro que a trouxera, à tal revista que ansiava em ver já em modo obsessivo. 

Ontem, ao ler no Diário de Notícias uma reportagem sobre este indivíduo e ao perceber que veio para Portugal precisamente nessa altura e que ficou também albergado em parques de campismo como eu estava, ocorreu-me se não seria esse o indivíduo que comprara tal edição inglesa, ainda no país de origem e a deitara fora, logo que por cá arribou, dando-me o ensejo de a recolher como objecto de culto que assim permaneceu.  

O artigo em causa é este e bem gostava de saber se este indivíduo poderia mesmo ser o detentor original de tal edição da revista que apanhei já em frangalhos no lixo do campo improvisado para campismo de quem não tinha lugar nos campos oficiais, como Monsanto, aliás todos cheios, nessa época. 

Se alguém lhe fizer chegar o recado, agradecia...



Quanto à Rolling Stone inseria-se num lote de revistas americanas que a partir de 1974 me despertaram a atenção que me impelia a comprar algumas delas de vez em quando. 

Tudo começou com uma capa de uma delas que vi no mesmo escaparate. Esta, de Junho de 1974 cujo nome, temática e aspecto gráfico nem conhecia: 


Bastou-me folhear um pouco para ficar apanhado num interesse duradouro e permanente. A revista era humorística e sobre temas americanos que nem me interessavam por aí além. Nem me lembra de ter lido nenhum artigo sobre tais matérias idiossincráticas. O que eu adorava na revista era o aspecto gráfico e as publicidades, mais os desenhos de artistas americanos que ia então descobrindo por outros lados, mormente através das revistas francesas da especialidade ( Pilote e Rock&Folk, por exemplo). 

Havia assuntos que então me seduziam particularmente, como a alta-fidelidade. Os gravadores de cassetes eram um must que tinham este aspecto nas edições que via e fazia contas à vida para perceber se alguma vez poderia ter um:


O número seguinte de Julho tinha outra capa irresistível e o tema humorístico era a "sobremesa", depois da "comida" do número anterior: 


Por mim preferia a comida para o espírito e estas páginas alimentavam-me muito bem tal desejo:




A primeira imagem apresentava-me logo um grafismo de luxo, numa revista como não existia alguma em Portugal. 

A seguinte mostrava o contraste entre as páginas lustrosas de uma publicidade a um disco da época, ainda por cima com imagem censurada do cão, ( ilustração de Guy Pellaert, agora com direito a exposição no Moma) e as rugosas do papel pardo dedicado aos "comix" de tendência americana, neste caso Gahan Wilson.

A última mostra o último objecto de desejo de então ( e de agora...): um gravador de bobines que custava uma pequena fortuna para os nossos ordenados de então ( mais de dez contos de réis, ao câmbio da época). Estava fora de questão mas nada impedia de sonhar que talvez um dia...com outro tipo de governo, com outra economia e com outro desenvolvimento económico poderíamos chegar lá. Ainda não chegamos, passados mais de 45 anos. E o sonho fica para outra geração que esta que preparou este falhou e ensinou os filhos a serem ainda mais estúpidos, como demonstra o actual manhoso que governa.

O mês de Agosto de 1975, de PREC em brasa tinha esta apresentação na capa da revista, igualmente irresistível, sobre o "isolacionismo": 

E foi assim que logo em Junho de 1974 deparei com este anúncio estranho, nessa revista:  


O que estranhei foi o grafismo do título, arrevezado qb. O autor do lettering ( estrangeirismo porque sim...) era artista que ainda não conhecia: Rick Griffin, nascido mais de uma década antes da minha e contemporâneo dos músicos que então ( e agora) gostava de ouvir. Griffin morreu em 1991, com 47 anos. 

A Rolling Stone surgira em Novembro de 1967 e como se explica aqui, nesta ilustração do livro Rolling Stone, de 1998, o título, sendo da autoria de Rick Griffin era apenas um esboço não acabado. Assim ficou durante vários anos. Inspirava-se aliás, na primeira letra do título da revista Ramparts, de S. Francisco e que era de primitiva inspiração católica.


O "lettering" do título, assim esboçado por Griffin ficou a figurar no frontespício da revista durante vários anos. Só em 26 de Abril de 1973, no nº 133 se modificou um pouco. Apenas um pouco mas o suficiente para se tornar mais "slick", subtilmente mais aperfeiçoado nas linhas e cor. Um número de Agosto de 1973 mostra como ficou então: um primor.


  Em 1975, no número 180, de 13 de Fevereiro, mais um retoque, com uma cor uniforme, para lhe podar a aragem ainda um pouco psicadélica, intenção original. 


A partir de então a letra do título passou a apresentar o preenchimento do sombreado a cheio, o que durou quatro números ou em tracinhos, tal como a conheci, em Abril de 1975. 

Tal experiência estética durou até ao X aniversário da revista, em Dezembro de 1977,  em que a direcção artística ( Roger Black e Bea Feitler que assumiu depois de 1980 a direcção) decidiu mudar outra vez, simplificando ainda mais o aspecto psicadélico, já fora de moda, extirpando-lhe os rebiques ondulados do desenho primitivo de Griffin. 


Passou assim o resto da década e no primeiro número do ano de 1980 operou-se a síntese entre o antigo e o novo. Uma síntese perfeita e que tem durado até hoje, com pequenas alterações ( eliminaram os sombreados tracejados nos anos noventa e depois os próprios sombreados). 
Esta capa, célebre, apareceu precisamente quando John Lennon foi assassinado. Dias depois de tal ocorrência e publicava uma última entrevista do artista à revista que o tinha colocado na capa no primeiro número. 
Inaugurava também um novo grafismo sob a direcção gráfica da brasileira Bea Feitler e fotografia de Annie Leibowitz. 
O interesse renovou-se durante meia dúzia de meses ( até à capa sobre o filme Os salteadores da arca perdida) e depois perdeu-se, definitivamente e só ocasionalmente se renovou, sempre por muito pouco tempo. 


Por exemplo, no nº 426 de 2 de Agosto de 1984, a prè-publicação do livro que viria a sair, de Tom Wolfe, A Fogueira das vaidades, foi uma dessas ocasiões. 



Tal como nas paixões da vida real, o fascínio pela revista durou, para mim, pouco mais de três anos, de 1975 a 78, com projecção para os anos anteriores, ainda mais fascinantes. Depois estiolou e acabou, permanecendo estas memórias agradáveis. Tal memória agradável levou-me a ler recentemente a biografia do director de sempre da revista, Jann Wenner ( actualmente delegado num filho), chamada Sticky Fingers, da autoria de Joe Hagan e publicada em 2017 e também a coleccionar livros sobre a revista, como R.S. magazine, the uncensored history, de Robert Draper, de 1990 e ainda 20 Years of R.S, mais o livro R. S. Géneration Rock de 1998, comemorativo dos 30 anos, com as capas todas da revista, mais a colecção de cd´s com todas as revistas em scanner até 2007, Cover to Cover. 

Actualmente, a revista tornou-se um ícone da cultura popular americana e não só. Deixou de me interessar há longos anos e nos anos noventa deixei de comprar regularmente como fazia até então. 

Em 1974 os discos, posters e demais parafernália da cultura pop de S. Francisco e arredores, de finais dos anos sessenta,  ainda não chegara cá em todo o esplendor de um disco dos Grateful Dead, por exemplo, cuja capa de um dos discos, o terceiro, Aoxomoxoa, de 1969,  também foi ilustrada pelo mesmo Griffin. 

A imagem é do livro Album Cover album. da Paper Tiger de 1985:


Em 1974, porém, sairam dois discos com "lettering" de Rick Griffin e são dois dos melhores discos de música popular que conheço. Neil Young e Jackson Browne,


Em Portugal mais ou menos por essa altura havia quem conhecesse Griffin. Por cá,  um artista gráfico  chamado Carlos Zíngaro desenhava então nesse ano de 1974 a capa do primeiro disco da Banda do Casaco, Dos benefícios de um vendido no reino dos bonifácios que era assim: 


Zíngaro colaborava com o principal mentor desse grupo, António Pinho e no ano seguinte ambos assinavam esta banda desenhada publicada numa revista em papel pardo e temas ainda mais, chamada Evaristo, aqui no nº 4 de 2 de Abril de 1975.


Esta banda desenhada não ficaria nada mal na revista National Lampoon, ao lado deste artista que aliás morria nesse ano e também se assemelhava no estilo: Vaughn Bodé, aqui na edição de Outubro de 1975: 


E era assim que na altura passava de uns temas para os outros, porque foi um tempo de intensa descoberta que agora relembro. 




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