A imagem da esquerda dá conta da entrevista de um juiz de instrução criminal, no caso Carlos Alexandre que funciona no Tribunal Central de Instrução Criminal ( junto do DCIAP de Cândida de Almeida) e que o Correio da Manhã considerou como a figura do ano que passa hoje.
A entrevista de Carlos Alexandre não é muito reveladora de coisas concretas e é preciso saber ler nas entrelinhas do não-dito aquilo que verdadeiramente o juiz de instrução quer dizer.
Essencialmente, a entrevista resume-se a esta passagem:
(...) Eu não mando nos processos, os senhores magistrados do MP não mandam nos processos, a PJ ou os restantes órgãos de polícia criminal não mandam nos processos. O Código de processo Penal fixa em cada fase processual que é a entidade responsável: o MP no inquérito; o juiz na instrução; e outro juiz no julgamento. Os processos são um trabalho quotidiano de investigação, de recolha de prova, de actos sequenciais destinados a conseguir obter conclusões e não são propriedade de ninguém. Não são uma quinta de qualquer dos magistrados neles intervenientes. Não os vou buscar e os que me apresentam e eu decido são so que resultam da legislação vigente. Aliás, o actual estado das coisas, nesta III República, o exercício da magistratura ou da actividade policial na vertente investigatória é um exercício arrojado e de grande tenacidade perante os condicionalismos presentes. Por isso, a visibilidade, por definição, é má. Concita um conjunto de atenções as mais das vezes não benévolas...Por isso é que esta entrevista é um acto de excepcionalidade absoluta."
E pronto. O que Carlos Alexandre diz na entrevista não tem grande relevo. Não pode falar do que os jornalistas gostariam que falasse e do que fala, revela opiniões que podem dispensar-se.
Mas deixa perpassar uma outra coisa: o receio de infringir regras disciplinares e o maior receio de cair nas bocas do mundo e passar a maldito nos media. Foi isso que sucedeu a Rui Teixeira, aliás, referido por Carlos Alexandre na entrevista.
No outro lado da imagem, o Sol de hoje, traz a notícia de que o juiz de instrução no processo Face Oculta, de Aveiro, disse ao jornal ( depois de o PGR ter dido que era esse magistrado quem teria de "cumprir a ordem do senhor presidente do STJ") que não falaria. E disse ainda mais: que interpretava muito restritivamente o seu dever de reserva e por isso " não posso responder à sua pergunta" .
E que pergunta era essa? Saber se as escutas já tinham sido destruídas!
O juiz de instrução não pode dizer isso porquê? Em primeiro lugar está em segredo de justiça. Mas nem todas as revelações de segredos de justiça, muito menos este, prejudicam investigações ou atentam contra direitos subjectivos de interessados. Este segredo não tem razão de ser neste momento e o CPP permite a revelação do mesmo para informar a opinião pública. É ao abrigo dessa disposição legal que têm sido divulgados comunicados pela PGR, por exemplo.
O que é muito perturbador neste como noutros casos e a entrevista de Carlos Alexandre não ilude, embora de modo implícito apenas, é o medo profundo em que os magistrados vivem no meio destes processos com poderosos à espreita.
É um medo de serem trucidados pelos media, como foram Souto Moura e Rui Teixeira, por exemplo e outros o serão, como é o caso deste juiz de instrução de Aveiro, cujo processo de desacreditação já começou.
Em primeiro lugar, apaniguados de um ou outro arguido, já disseram em público na tv que o juiz é muito novo. O próprio Bastonário dos Advogados, o impagável defensor do vínculo, Marinho e Pinto ( que tem andado muito calado nesta quadra), já disse o mesmo.
Agora, na SIC e no Expresso e noutros media, a ideia que passa para a opinião pública é a de que "o juiz de Aveiro errou".
É uma ideia muito simples, em que os simplórios embarcam e os sabidolas aplaudem freneticamente, porque lhes convém. Nem se questionam sobre o significado do despacho que supostamente o afirma. Nem se perguntam qual o valor de um despacho jurisdicional do presidente do STJ que actua como juiz de instrução em relação a outro juiz de instrução que não lhe está subordinado e tem um poder soberano de valor equivalente. A ignorância dos princípios, valores e estrutura do Estado de Direito, para o jornalismo caseiro, faz o resto.
O que não lhes convém mesmo nada é a existência de juizes, mesmo de instrução, independentes. E o medo que estes têm do CSM que lhes apara as carreiras e os classifica, depois de inspeccionar, é demasiado evidente para não ser um factor que tolhe de modo inadmissível essa liberdade mínima que a independência precisa para se afirmar. E cujo exemplo mais flagrante de pressão foi o caso do juiz Rui Teixeira no mesmo CSM, recentemente. Um caso que deveria fazer reflectir quem tem o dever de o fazer, mas que passou ao lado e aparentemente de modo displicente ou mesmo condescendente.
E se isto acontece com os juízes- e parece-me um facto indesmentível- muito mais acontece com os magistrados do MP. Num instantinho, qualquer magistrado do MP isolado e que se proponha prestar algum esclarecimento não solicitado hierarquicamente, vê um requerimento no CSMP para apreciação da sua conduta processual e não só, pelo colectivo que gere de igual modo a carreira e os estatuto disciplinar.
Neste contexto, mesmo em dessintonia aparente, apetece citar Brecht: toda a gente fala na violência do rio tempestuoso, mas ninguém repara na violência das margens que o comprimem.
Estes assuntos lidam com a essência da democracia que temos, do valor que lhe queremos atribuir e da qualidade da vida democrática que andam por aí a apregoar, em discursos de circunstância, por vezes.
No entanto, o essencial é muito mais prosaico e simples: os magistrados têm medo do poder político que está. E os respectivos conselhos superiores pouco ou nada fazem para lhes assegurar as condições de independência que lhes retire esse medo atávico. Não lhes convém, provavelmente. E obviamente não convém mesmo nada ao poder político e principalmente aos poderes de facto. Mesmo os ocultos.
A entrevista de Carlos Alexandre não é muito reveladora de coisas concretas e é preciso saber ler nas entrelinhas do não-dito aquilo que verdadeiramente o juiz de instrução quer dizer.
Essencialmente, a entrevista resume-se a esta passagem:
(...) Eu não mando nos processos, os senhores magistrados do MP não mandam nos processos, a PJ ou os restantes órgãos de polícia criminal não mandam nos processos. O Código de processo Penal fixa em cada fase processual que é a entidade responsável: o MP no inquérito; o juiz na instrução; e outro juiz no julgamento. Os processos são um trabalho quotidiano de investigação, de recolha de prova, de actos sequenciais destinados a conseguir obter conclusões e não são propriedade de ninguém. Não são uma quinta de qualquer dos magistrados neles intervenientes. Não os vou buscar e os que me apresentam e eu decido são so que resultam da legislação vigente. Aliás, o actual estado das coisas, nesta III República, o exercício da magistratura ou da actividade policial na vertente investigatória é um exercício arrojado e de grande tenacidade perante os condicionalismos presentes. Por isso, a visibilidade, por definição, é má. Concita um conjunto de atenções as mais das vezes não benévolas...Por isso é que esta entrevista é um acto de excepcionalidade absoluta."
E pronto. O que Carlos Alexandre diz na entrevista não tem grande relevo. Não pode falar do que os jornalistas gostariam que falasse e do que fala, revela opiniões que podem dispensar-se.
Mas deixa perpassar uma outra coisa: o receio de infringir regras disciplinares e o maior receio de cair nas bocas do mundo e passar a maldito nos media. Foi isso que sucedeu a Rui Teixeira, aliás, referido por Carlos Alexandre na entrevista.
No outro lado da imagem, o Sol de hoje, traz a notícia de que o juiz de instrução no processo Face Oculta, de Aveiro, disse ao jornal ( depois de o PGR ter dido que era esse magistrado quem teria de "cumprir a ordem do senhor presidente do STJ") que não falaria. E disse ainda mais: que interpretava muito restritivamente o seu dever de reserva e por isso " não posso responder à sua pergunta" .
E que pergunta era essa? Saber se as escutas já tinham sido destruídas!
O juiz de instrução não pode dizer isso porquê? Em primeiro lugar está em segredo de justiça. Mas nem todas as revelações de segredos de justiça, muito menos este, prejudicam investigações ou atentam contra direitos subjectivos de interessados. Este segredo não tem razão de ser neste momento e o CPP permite a revelação do mesmo para informar a opinião pública. É ao abrigo dessa disposição legal que têm sido divulgados comunicados pela PGR, por exemplo.
O que é muito perturbador neste como noutros casos e a entrevista de Carlos Alexandre não ilude, embora de modo implícito apenas, é o medo profundo em que os magistrados vivem no meio destes processos com poderosos à espreita.
É um medo de serem trucidados pelos media, como foram Souto Moura e Rui Teixeira, por exemplo e outros o serão, como é o caso deste juiz de instrução de Aveiro, cujo processo de desacreditação já começou.
Em primeiro lugar, apaniguados de um ou outro arguido, já disseram em público na tv que o juiz é muito novo. O próprio Bastonário dos Advogados, o impagável defensor do vínculo, Marinho e Pinto ( que tem andado muito calado nesta quadra), já disse o mesmo.
Agora, na SIC e no Expresso e noutros media, a ideia que passa para a opinião pública é a de que "o juiz de Aveiro errou".
É uma ideia muito simples, em que os simplórios embarcam e os sabidolas aplaudem freneticamente, porque lhes convém. Nem se questionam sobre o significado do despacho que supostamente o afirma. Nem se perguntam qual o valor de um despacho jurisdicional do presidente do STJ que actua como juiz de instrução em relação a outro juiz de instrução que não lhe está subordinado e tem um poder soberano de valor equivalente. A ignorância dos princípios, valores e estrutura do Estado de Direito, para o jornalismo caseiro, faz o resto.
O que não lhes convém mesmo nada é a existência de juizes, mesmo de instrução, independentes. E o medo que estes têm do CSM que lhes apara as carreiras e os classifica, depois de inspeccionar, é demasiado evidente para não ser um factor que tolhe de modo inadmissível essa liberdade mínima que a independência precisa para se afirmar. E cujo exemplo mais flagrante de pressão foi o caso do juiz Rui Teixeira no mesmo CSM, recentemente. Um caso que deveria fazer reflectir quem tem o dever de o fazer, mas que passou ao lado e aparentemente de modo displicente ou mesmo condescendente.
E se isto acontece com os juízes- e parece-me um facto indesmentível- muito mais acontece com os magistrados do MP. Num instantinho, qualquer magistrado do MP isolado e que se proponha prestar algum esclarecimento não solicitado hierarquicamente, vê um requerimento no CSMP para apreciação da sua conduta processual e não só, pelo colectivo que gere de igual modo a carreira e os estatuto disciplinar.
Neste contexto, mesmo em dessintonia aparente, apetece citar Brecht: toda a gente fala na violência do rio tempestuoso, mas ninguém repara na violência das margens que o comprimem.
Estes assuntos lidam com a essência da democracia que temos, do valor que lhe queremos atribuir e da qualidade da vida democrática que andam por aí a apregoar, em discursos de circunstância, por vezes.
No entanto, o essencial é muito mais prosaico e simples: os magistrados têm medo do poder político que está. E os respectivos conselhos superiores pouco ou nada fazem para lhes assegurar as condições de independência que lhes retire esse medo atávico. Não lhes convém, provavelmente. E obviamente não convém mesmo nada ao poder político e principalmente aos poderes de facto. Mesmo os ocultos.