Em Santa Comba, a imagem da campa rasa de Salazar tem uma clara leitura política: morreu pobre o homem que esteve 40 anos no centro do poder em Portugal.
Uma campa rasa no cemitério da sua terra – esta terá sido a única disposição de Salazar sobre o seu funeral. E com esta decisão criou um monumento fúnebre impressionante, com uma leitura política não só óbvia mas constante através dos tempos. Como logo repetiram os jornais portugueses aquando da sua morte, era o pobre filhos de pobres que regressava à sua terra. Quase meio século depois, aquela campa rasa continua a dizer aquilo que Salazar queria que dele se dissesse: que morreu pobre o homem que durante 40 anos esteve no centro do poder em Portugal.
Não concordo com o teor deste escrito por razões que aduzirei em seguida. No entanto, deve ficar esclarecido para tal efeito que Salazar não foi sepultado em Santa Comba. Foi sim numa pequena aldeia, a sua terra natal, Vimieiro, a poucos quilómetros da vila. É importante a precisão porque nela reside a essência do assunto que passo a expor.
Quem nunca foi ao Vimieiro deve ir porque é uma terra muito bonita em modo de paisagem e referências rurais, beirãs. A estrada que passa em frente das casas onde Salazar nasceu e viveu e também onde fica a "escola" que agora é falada para o famigerado "centro de interpretação do Estado Novo" e que me parece um susto, só por si, é agora uma avenida, com o nome de dr. Salazar.
Quem tiver a sorte de encontrar um sobrinho-neto, Rui Melo, pode contar com a benevolência dele em explicar o que está ali à vista de todos e se tiver sorte e vontade genuína, eivada de boa-fé, até poderá visitar os lugares onde Salazar viveu em períodos de visita nos intervalos do trabalho governativo.
Quem tiver a sorte de encontrar um sobrinho-neto, Rui Melo, pode contar com a benevolência dele em explicar o que está ali à vista de todos e se tiver sorte e vontade genuína, eivada de boa-fé, até poderá visitar os lugares onde Salazar viveu em períodos de visita nos intervalos do trabalho governativo.
Vale a pena e é imprescindível para se entender quem realmente foi Salazar, para além dos retratos distorcidos dos historiadores comunistas que andam por aí a dizer mal de quem os perseguiu politicamente, a fim de impedir uma verdadeira ditadura totalitária e comunista em Portugal.
Discordo do texto de Helena Matos porque acho Salazar diferente do retrato que é mostrado naquele escrito. A campa rasa em causa não me parece sinal de pobreza mas sim de nobreza genuína e involuntária.
Tudo começou com a escolha do sítio onde ficar depois da morte. Quem é que se interessa por tal coisa aos setenta anos, como foi o caso de Salaza? Muita gente, claro está. E muito mais, antigamente. Porém, normalmente o que fazem os que pensam nisso é arranjar um lugar no cemitério, normalmente na campa ou no jazigo de família.
No Vimieiro também há jazigos, como em quase todos os cemitérios de Portugal. Salazar poderia ter escolhido um? Teria que o mandar erigir mas preferiu escolher várias pedras tumulares, para colocar nas campas rasas que lhe iriam servir, juntamente com os familiares directos.
Portanto escolheu o sítio e o alinhamento das campas deixando preparadas as pedras para colocar por cima.
Quem reparar em tais pedras notará que não há outras iguais, no cemitério. Nisso são singulares, no local. E são ainda singulares por outros motivos: são de granito polido, saído de um cabeço retirado das suas terras. E para tal tarefa contratou profissionais, pedreiros e eventualmente um canteiro que conhecia por aparelhar pedra, muitos anos antes da sua morte.
Segundo diz o biógrafo Franco Nogueira, as pedras nunca lhe pareceram suficientemente polidas e de facto quem for ao sítio repara que poderiam tê-lo sido ainda mais.
Portanto, há uma questão estética, simples que merece a devida atenção.
Se o simbolismo da campa rasa é notório e eventualmente querido por quem comprou os lotes e mandou aparelhar as pedras a verdade é que o primor estético que revela é tudo menos singelo e acto de pobreza voluntária. É de uma subtileza estética e de uma riqueza espiritual sofisticada que até me embasbacou quando as vi e pensei: isto nada tem a ver com pobreza, mas sim com nobreza e da mais alta a que se pode aspirar, a espiritual.
O que Salazar transmite nessa última mensagem é uma Mensagem verdadeira. a riqueza espiritual escondida pela mera aparência da pobreza material. É a essência da Arte, para mim e se nada mais fosse, mas é. Tenho a mesma sensação quando visito outro sítio escondido do imaginário de Portugal: os túmulos de D. Afonso Henriques e D. Sancho I, ao cimo da igreja de Santa Cruz, em Coimbra. Não foram mandados fazer por eles, segundo julgo e a pedra trabalhada nada tem a ver com a simplicidade das campas do Vimieiro, mas sinto o mesmo espírito do tempo que me limito a tentar compreender.
Depois de lá ir ver e compreender só um palerma acabado pode dizer que Salazar era um rústico ou um parolo, como há por aí imbecis a propalar.
Por outro lado Salazar não era pobre como os pobres que o são verdadeiramente. Salazar, durante o tempo que esteve ao serviço do Estado, ganhou dinheiro suficiente para comprar terras junto à sua casa de nascimento e fez uma pequena quinta, como muitos pequenos proprietários rurais da época teriam. Talvez como os Perestrellos, pequenos senhores na terra, tinham, embora herdada de antepassados.
A pobreza material de Salazar advinha da raiz familiar, sem grandes bens ao sol, igual a tantas outras da época e mesmo da aldeia. Era uma pobreza remediada e de trabalho, com a dignidade que só os rurais entendem. Obviamente não era uma pobreza de inveja e ressentimento contra quem era mais rico e terratenente, o que identifica logo o espírito comunista.
Mas não fica por aqui todo o significado daquelas pedras e de quem as mandou fazer. No livro de Franco Nogueira, consagrado à biografia algo hagiográfica de Salazar, há duas páginas que merecem estudo semiótico sobre todo o significado daqueles símbolos e referências de antanho.
Haja quem os possa e queira fazer.
Já em tempos, em 20 de Abril de 2015 aqui tratei do assunto, assim:
"Era um homem pegado à terra, à vida rural, ao fundo agrícola da sua família e da sua infância"-
Barradas de Oliveira sobre o perfil psicológico de Salazar, na revista Resistência do Verão de 1977.
"Eu sou camponês, filho de camponeses. Não posso viver sem respirar o cheiro da terra. Para trabalhar preciso de sentir em volta de mim árvores, moitas e flores". [sobre o cantar das fontes] "É o único ruído que suporto. Gostaria de ouvir a toda a hora, este canto cristalino"- Ibidem.
Sobre a rusticidade de Salazar não é preciso dizer muito mais. A não ser esta passagem que o biógrafo Franco Nogueira publicou no vol.V da respectiva biografia:
O que aqui se explica- o cuidado de Salazar em preparar a sua pedra tumular, quando tinha setenta anos, em 1959, ainda a vários anos de distância da sua morte- mostra uma realidade perfeitamente admirável mas comum, nessa época.
Salazar, que na altura considerava que "ja vivi muito, já vivi de mais", mandou arrancar um cabeço de pedra, existente no termo o seu quintal, nas traseiras da casa onde nascera, e com essa pedra recortada em mais sete pequenas lajes, "contratou o trabalho com pedreiros de Viseu que estão construindo no Caramulo uma estalagem" e encarregou-os de talharem as pedras tumulares para si e para os seus.
"Na que lhe era destinada manou lavrar somente as letras A.O.S."
Esta atitude de Salazar, já no ocaso da vida, revela que nunca se separou da memória dos seus e do sítio onde nasceu e viveu enquanto jovem, o qual conservava como raiz de identidade.
Este apego a valores perenes de identificação merece ser realçado porque constitui uma base da tradição. Esta só muda quando o tempo o permite ou impõe. Conforme o biógrafo aludido, Salazar, nessa época já tinha visto mudar "o seu mundo. as casas na vila e na aldeia são outras, e os caminhos e moradores são outros, e tudo é cada vez mais diferente."
Tudo isto constitui lição de vida sobre "o tempo que não volta para trás". E por isso apenas as memórias se repercutem no tempo posterior, sendo que algumas delas podem estar já desfasadas do tempo em que eram realidades.
Esta evocação da rusticidade e dos valores inerentes encontra imagens actuais e passadas. No início dos anos setenta do século que passou, Portugal do interior e em boa parte do litoral, ainda era um país rústico.
As pessoas nas aldeias, particularmente no Centro e Norte, cultivavam os campos que tinham e os que havia "a monte". Aparavam as matas, criavam animais e viviam de uma subsistência agrícola que era importante para atenuar a pobreza.
Salazar era desse tempo que entretanto desapareceu e é apenas uma memória em muitos lugares, como o é o assunto desta notícia do Século Ilustrado de 6 de Março de 1971.
É por isso admirável este panorama do Vimieiro que retrata aquela história publicada acima:
As traseiras das casas da família de Salazar. onde se nota a antiga existência dessa cultura rural. Foi nestes lugares que se produziu este vinho assim engarrafado em 1970, ano da morte daquele. Só a garrafa já é um artefacto digno de nota.
A capela perto do cemitério, mais acima na imagem e na actualidade de alguns meses.
E as pedras tumulares que Salazar mandou preparar, alisar e gravar.
Relativamente a tal trabalho já escrevi aqui o seguinte:
(...)descobri o autor da mesma em pleno labor de execução. A semiótica destas imagens dão-me uma noção desse tempo que dificilmente se explica em textos, tal como a imagem de 1965 da minha aldeia não se entende sem se ter vivido.
Quem está a gravar o nome AOS seguido da data 1970 é um cantoneiro anónimo.
A figura de cantoneiro, no regime do Estado Novo, parece-me lendária e digna de história. Porém, no caso, afigura-se lapso a menção a cantoneiro que era o funcionário da JAE que lidava com a limpeza das bermas das estradas e aquedutos.
A figura de chapéu a que só falta o cigarro pendurado nos lábios é a de canteiro, o artista da cantaria, o mestre que antigamente sabia mais da pedra do que os arquitectos de hoje. É esse mestre que a figura mostra e agora já não há. Parece que há escultores...tipo Cutileiro e afins.
Nestas imagens pode concentrar-se uma glosa sobre o que foi a ruralidade de Portugal e a essência do que lhe está subjacente. E Salazar era herdeiro desse património que preservou, acima de tudo.
E todos nós deveríamos tentar compreender tal mentalidade que não era arcaica nem retrógrada como tentam fazer crer. Era outra coisa mais interessante.
Sobre esse assunto, porém, não poderia estar mais de acordo com o que Helena Matos escreve:
Ps. A propósito de museus e Salazar, quando termina a censura aos espólios do antigo Museu de Arte Popular? Recordo que a este museu nunca faltaram visitantes mas num daqueles delírios dos governos Sócrates, a ministra Isabel Pires de Lima ditou-lhe o fim em nome de um Museu da Língua e dos Descobrimentos, coisa magnificente dada como pronta para o ano de 2008. Como se sabe não houve Museu da Língua e dos Descobrimentos (agora nem se sabe se existiram Descobrimentos!) mas sim o fim do Museu de Arte Popular cujo espólio foi encafuado nas caves do Museu de Etnologia. Milhares de peças em que se contam arados, cabanas de pastores, teares, barros, linhos, bonecos de Estremoz, as estranhas figuras saídas das mãos de Rosa Ramalho, cestos, carros chorriões do Alentejo… estão desde então oficialmente expostos “em reservas visitáveis”, na prática inacessíveis. A explicação para este absurdo é espantosa: ao observarem aquelas peças os visitantes podem ficar com uma apreciação positiva do Estado Novo, pois a maior parte destes objectos foram reunidos para a Exposição do Mundo Português.
Barradas de Oliveira sobre o perfil psicológico de Salazar, na revista Resistência do Verão de 1977.
"Eu sou camponês, filho de camponeses. Não posso viver sem respirar o cheiro da terra. Para trabalhar preciso de sentir em volta de mim árvores, moitas e flores". [sobre o cantar das fontes] "É o único ruído que suporto. Gostaria de ouvir a toda a hora, este canto cristalino"- Ibidem.
Sobre a rusticidade de Salazar não é preciso dizer muito mais. A não ser esta passagem que o biógrafo Franco Nogueira publicou no vol.V da respectiva biografia:
O que aqui se explica- o cuidado de Salazar em preparar a sua pedra tumular, quando tinha setenta anos, em 1959, ainda a vários anos de distância da sua morte- mostra uma realidade perfeitamente admirável mas comum, nessa época.
Salazar, que na altura considerava que "ja vivi muito, já vivi de mais", mandou arrancar um cabeço de pedra, existente no termo o seu quintal, nas traseiras da casa onde nascera, e com essa pedra recortada em mais sete pequenas lajes, "contratou o trabalho com pedreiros de Viseu que estão construindo no Caramulo uma estalagem" e encarregou-os de talharem as pedras tumulares para si e para os seus.
"Na que lhe era destinada manou lavrar somente as letras A.O.S."
Esta atitude de Salazar, já no ocaso da vida, revela que nunca se separou da memória dos seus e do sítio onde nasceu e viveu enquanto jovem, o qual conservava como raiz de identidade.
Este apego a valores perenes de identificação merece ser realçado porque constitui uma base da tradição. Esta só muda quando o tempo o permite ou impõe. Conforme o biógrafo aludido, Salazar, nessa época já tinha visto mudar "o seu mundo. as casas na vila e na aldeia são outras, e os caminhos e moradores são outros, e tudo é cada vez mais diferente."
Tudo isto constitui lição de vida sobre "o tempo que não volta para trás". E por isso apenas as memórias se repercutem no tempo posterior, sendo que algumas delas podem estar já desfasadas do tempo em que eram realidades.
Esta evocação da rusticidade e dos valores inerentes encontra imagens actuais e passadas. No início dos anos setenta do século que passou, Portugal do interior e em boa parte do litoral, ainda era um país rústico.
As pessoas nas aldeias, particularmente no Centro e Norte, cultivavam os campos que tinham e os que havia "a monte". Aparavam as matas, criavam animais e viviam de uma subsistência agrícola que era importante para atenuar a pobreza.
Salazar era desse tempo que entretanto desapareceu e é apenas uma memória em muitos lugares, como o é o assunto desta notícia do Século Ilustrado de 6 de Março de 1971.
É por isso admirável este panorama do Vimieiro que retrata aquela história publicada acima:
As traseiras das casas da família de Salazar. onde se nota a antiga existência dessa cultura rural. Foi nestes lugares que se produziu este vinho assim engarrafado em 1970, ano da morte daquele. Só a garrafa já é um artefacto digno de nota.
A capela perto do cemitério, mais acima na imagem e na actualidade de alguns meses.
E as pedras tumulares que Salazar mandou preparar, alisar e gravar.
Relativamente a tal trabalho já escrevi aqui o seguinte:
(...)descobri o autor da mesma em pleno labor de execução. A semiótica destas imagens dão-me uma noção desse tempo que dificilmente se explica em textos, tal como a imagem de 1965 da minha aldeia não se entende sem se ter vivido.
Quem está a gravar o nome AOS seguido da data 1970 é um cantoneiro anónimo.
A figura de cantoneiro, no regime do Estado Novo, parece-me lendária e digna de história. Porém, no caso, afigura-se lapso a menção a cantoneiro que era o funcionário da JAE que lidava com a limpeza das bermas das estradas e aquedutos.
A figura de chapéu a que só falta o cigarro pendurado nos lábios é a de canteiro, o artista da cantaria, o mestre que antigamente sabia mais da pedra do que os arquitectos de hoje. É esse mestre que a figura mostra e agora já não há. Parece que há escultores...tipo Cutileiro e afins.
Nestas imagens pode concentrar-se uma glosa sobre o que foi a ruralidade de Portugal e a essência do que lhe está subjacente. E Salazar era herdeiro desse património que preservou, acima de tudo.
E todos nós deveríamos tentar compreender tal mentalidade que não era arcaica nem retrógrada como tentam fazer crer. Era outra coisa mais interessante.
Sobre esse assunto, porém, não poderia estar mais de acordo com o que Helena Matos escreve:
Ps. A propósito de museus e Salazar, quando termina a censura aos espólios do antigo Museu de Arte Popular? Recordo que a este museu nunca faltaram visitantes mas num daqueles delírios dos governos Sócrates, a ministra Isabel Pires de Lima ditou-lhe o fim em nome de um Museu da Língua e dos Descobrimentos, coisa magnificente dada como pronta para o ano de 2008. Como se sabe não houve Museu da Língua e dos Descobrimentos (agora nem se sabe se existiram Descobrimentos!) mas sim o fim do Museu de Arte Popular cujo espólio foi encafuado nas caves do Museu de Etnologia. Milhares de peças em que se contam arados, cabanas de pastores, teares, barros, linhos, bonecos de Estremoz, as estranhas figuras saídas das mãos de Rosa Ramalho, cestos, carros chorriões do Alentejo… estão desde então oficialmente expostos “em reservas visitáveis”, na prática inacessíveis. A explicação para este absurdo é espantosa: ao observarem aquelas peças os visitantes podem ficar com uma apreciação positiva do Estado Novo, pois a maior parte destes objectos foram reunidos para a Exposição do Mundo Português.
O pinderiquismo deste PS, verdadeiramente pobre e miserável mas com tiques de novo rico é o que fica retratado. Isabel Pires de Lima? Enfim...
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