No dia seguinte ao 25 de Abril de 1974 tornou-se importante seguir os acontecimentos pela televisão, embora o rádio fosse o meio de informação privilegiada, em cima do acontecimento.
A televisão, na sua programação habitual e diária de desenhos animados, filmes e séries, pouco ou nada mudou de substancial de 24 para 25 de Abril de 1974, ou Maio e Junho do mesmo ano, mas um aspecto relevou de modo assinalável: antes era impensável apresentar as notícias sem fato e gravata. Depois, a começar no próprio dia, o locutor Fialho Gouveia ( já falecido) apareceu de camisa e sem gravata. Informal, como se diria, por contraposição ao formalismo rígido do dia anterior.
Se há semiótica que explique o fenómeno social ocorrido com o dia 25 de Abril, é esse: a descompressão social, mesmo na televisão do Estado, única. Sinal importante de mudança.
Como se pode ver pela revista
Rádio & Televisão da época, a mais conhecida do meio de então, a programação anterior ao 25 de Abril de 1974, ocorrido numa quinta-feira, nada mudou , em termos de programa ou organização dos tempos televisivos, dois meses depois, nessa mesma quinta feira.
O que mudou, substancialmente, foram os noticiários. A liberdade de expressão era supostamente completa e sem restrições. O que aconteceu, no entanto, nesses meses? As pessoas passaram a estar melhor informadas, esclarecidas, atentas aos fenómenos e acontecimentos reais e a ocorrer em catadupa? Nem por isso. O que sucedeu em larga escala nos media, foi apenas isto:
Em vez da Censura do antigamente, passou a existir uma linguagem por vezes codificada e semântica prè-determinada em que certas palavras e expressões passaram a chavões, reduzindo significados e cortando significantes. "
Fascismo" passou a designar o regime anterior. "
Reaccionário", termo completamente desconhecido anteriormente, passou ao léxico comum e elementar. "
Longa noite", em vez de se referir aos facas longas dos filmes e livros , passou a designar um período histórico português, como sendo a "longa noite do fascismo". Ainda hoje tem largo curso nos media e paleio parlamentar à Esquerda.
Em vez de António Victorino de Almeida ( este por pouco tempo) ou José Hermano Saraiva, passamos a ouvir falar de Lopes Graça ou Fernando Rosas ( apareceu anos depois mas já existia nesse tempo, como sectário insuportável).
A "
langue de bois" do antigo regime passou a novas fórmulas e conceitos , eventualmente antagónicos mas muito coincidentes no espírito, continuando por isso, mas ainda pior do que já era.
O conhecimento da realidade prática e das instituições e pessoas, fechou-se ainda mais do que já era, pelo simples facto de entrarem no jogo social, mais nomes, mais grupos e mais instituições. Os media de então não esclareciam quem era quem porque lhes bastava a eles mesmo saberem.
Para além disso, afinavam quase unanimemente pelo mesmo diapasão: afinados todos à Esquerda, sem excepção relevante durante anos a fio. O Expresso, por exemplo, chegou a ser o jornal "reaccionário" por excelência, imagine-se! ( e foi dito publicamente na tv, por Vasco Gonçalves, durante o PREC de 75, incluindo no lote um jornal entretanto aparecido, Jornal Novo e ainda o jornal do PS, a Luta).
O povo continuou por isso na ignorância e atavismo e a própria palavra "democracia" começou a ter significados díspares e dissonantes. A simples palavra "popular" deixou de ter o significado corrente e passou a critério político preciso e determinado. "Socialismo," palavra antes proibida, continuou sem significado preciso, até hoje. O próprio José Afonso, em cantiga de 1978, chamada
Viva o poder popular ( do disco Enquanto há força) , anunciava inequivocamente que
" a palavra socialismo, como está hoje mudada! De colarinhos à Texas/sueca, sempre muito aperaltada..."Inúmeras palavras e expressões, conceitos ou afirmações foram passando de mão em mão nos jornais e revistas, sem verdadeira compreensão do seu real significado e importância.
Com uma agravante: as explicações passaram a ser piores, infinitamente piores de modo que os enganados foram às centenas de milhar, porventura milhões.
I
magem da R&T de 5 de Janeiro de 1974 ( página da esquerda) e de 1 de Junho de 1974 ( página com imagem à direita)
Censura, depois do 25 de Abril? Nem pensar. Afirmar tal seria blasfemar contra a religião democrática que nos impingiram durante estes 35 anos. Mas...que lhas hay, las hay. E começaram bem cedo. Menos de dois meses depois do 25 de Abril de 1974.
O que já se espelha na revista
R&T de 1 de Junho de 1974.
Um caso anódino relativo ao despedimento de um jornalista chamado Ançã Regala ( onde estará hoje este indivíduo notoriamente afectado pela
doença infantil do comunismo de então?- pelos
vistos, já desaparecido, o que causa um breve calafrio por causa da noção do tempo e do que é importante)mostra bem que o problema que nos meses seguintes se agudizaria, estava ali mesmo em embrião: a censura e a repressão política não acabaram no dia 25 de Abril de 1974, como se verifica. Mudaram apenas de critério.
No caso, um jornalista comunista , de extrema-esquerda e notoriamente em comissariado político, fora despedido da Emissora Nacional.
Quem o despediu e por que razão? Uma comissão administrativa da tropa. E Jaime Gama, o indivíduo que actualmente preside à AR , na altura chefiava os serviços de noticiários da EN, justificava o despedimento, com ...censura por motivos estritamente políticos. Em nome de quê e de quem? "Critérios de informação". Censura, obviamente.
Causa cincreta de despedimento? Vale a pena ler ( clicar na imagem) o que dizia então Jaime Gama...e verificar a coerência entre os critérios da censura anterior ao 25 de Abril e os da nova censura e repressão...
Basta clicar na imagem e ler os novos critérios de censura: antes abrangiam os "subversivos" que incluiam indivíduos como Jaime Gama, socialista e iniciado. Agora restringiam-se aos "extremistas". Semântica democrática? Sem dúvida. Foi sempre assim, depois disso.