Lusa/ Sol:
O recurso da Bragaparques, baseia-se, entre outros, num parecer do penalista Costa Andrade para quem, «no direito positivo português vigente não é permitido o recurso a agente encoberto para investigar o crime de corrupção activa para acto lícito, dirigida a um titular de cargo político».
Isto porque - sublinha - «a investigação deste crime não legitima as escutas telefónicas, medida menos invasiva e danosa que só é válida para crimes superiores a três anos».
Observa que «entendimento diferente determinaria a inconstitucionalidade da norma, por violação do princípio da proporcionalidade».
Para Costa Andrade «a ilegalidade da acção encoberta determina a ilegalidade e proibição de valoração das provas que ela tornou possíveis, nomeadamente o teor das gravações das conversas de 24 e 27 de Janeiro de 2006», que Ricardo Sá Fernandes manteve com Domingos Névoa.
Afirma que foram feitas em violação frontal do Código Processo Penal e da Lei n.º 5/2002 e que sofrem, ainda, de «falta de fundamentação do despacho de autorização e das exigências de acompanhamento e controlo judicial».
«As provas ilícitas são inadmissíveis no processo» , afirma, frisando que Ricardo Sá Fernandes terá incorrido na prática de um crime ao gravar uma conversa privada, em 22 de Janeiro de 2006, sem autorização do interlocutor."
O problema principal do nosso processo penal é este que está à vista de todos: as exigências e requisitos para recolha e validação das provas de crimes, são tão apertadas e rigorosas que fatalmente acabam no que se tem visto: a absolvição dos poucos corruptos e suspeitos que ainda vão sendo encontrados.
O poder legislativo que engloba pessoas como o professor Costa Andrade, a escola de Direito Penald e Coimbra e agora também a de Lisboa, com a professora Fernanda Palma, durante anos a fio, teceram uma teia de renda jurídica cujos fios são tão juntinhos que nada deixam escoar para a condenação. Fica tudo filtrado na fase de investigação - quando e se tal acontece, o que aliás se vai tornando cada vez mais raro. O que passa, ficará depois retido em recurso e sucessivas aclarações de acórdãos que duram anos e anos a transitar em julgado.
As regras de processo penal, facilitam, incentivam e cerceiam a Justiça, em Portugal, sempre com as melhores razões teóricas, geralmente associadas aos direitos, liberdades e garantias de bandidos e trafulhas. O direito penal português, tem-se transformado num verdadeiro direito penal dos inimigos da sociedade, sempre com o apoio e aplauso daqueles teóricos que assim devem ser denunciados como inimigos da mínimo ético para uma ordem social decente. Inverteram a prioridade de valores, elevando à categoria máxima, os direitos e garantias que impossibilitam a Justiça.
As ideias jurídicas de Costa Andrade e das escolas de Direito Penal português, fixadas em letra de lei, não permitem o combate à corrupção, em Portugal, neste nível da corrupção activa, em caso de acto lícito ou da passiva para acto lícito, também. As molduras penais destes crimes, são meramente simbólicas e o CPP proíbe a utilização de escutas telefónicas em investigação de crimes com pena inferior a três anos de prisão, no geral.
Logo, nestes crimes, é proibido escutar. E como é proibido, se por acaso se escutou por causa de crime de moldura superior, como foi no caso Bragaparques em que o arguido foi pronunciado por corrupção activa para acto ilícito e agora, em julgamento, se mudou para acto lícito, com pena manifestamente inferior, a doutrina de direito penal, agora assente até pelo Tribunal Constitucional ( caso da "fruta" do dirigente do FCPorto), proíbe o uso dessa prova.
Obviamente, os advogados dos arguidos agradecem. Artur Marques, neste caso Bragaparques em que a condenação foi meramente simbólica mas perfeitamente razoável segundo as leis penais que temos, aproveita e como é dever de qualquer advogado, defenderá o seu cliente.
Não adianta mais andar com paliativos jurídicos porque é esta a verdade que todos têm que ver e denunciar: as leis penais protegem estes corruptos e os teóricos do Direito penal aplaudem e emitem pareceres nesse sentido. Há que denunciar isto e tentar mudar este estado de coisas, começando em primeiro lugar por inquirir os teóricos sobre os fundamentos daquilo em que acreditam e nos valores que verdadeiramente defendem e que nos conduzem a estes escândalos evidentes e que só eles parecem não querer ver.
Vejamos as normas aplicáveis. O crime do patrão da Bragaparques, insere-se no artº 374º nº 2 do CP ( que não permite o uso de escutas). Na pronúncia, tinha sido incluído no artº 374º nº 1 ( que permitia a utilização de escutas):
Artigo 374.º do C. Penal:
Corrupção activa 1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º
Por outro lado, as escutas telefónicas, só podem fazer-se nos casos seguintes. Atente-se na verdadeira teia de renda jurídica, tecida para impedir o funcionamento da Justiça:
Artigo 187.ºdo CPP:
Admissibilidade 1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.
4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
5 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.
E nem sequer entramos noutro problema levantado na decisão em causa: a admissibilidade de uso de agente encoberto para descobrir o corrupto ou outro criminoso. É matéria demasiado delicada para os direitos, liberdades e garantias de...corruptos.