Mangadalpaca anda atarefado a apreciar e «digerir» as teses apresentadas no Congresso da Justiça. É que foram tantas, e tão poucas as conclusões do dito Congresso, que o Mangadalpaca teve dificuldade de perceber o porquê dessa aparente desproporção....
Pois então, não querem ver que lhe queriam impingir a peregrina ideia de o referido Congresso ter sido um «rotundo sucesso»? Um verdadeiro «êxito que excedeu todas as expectativas»? É que o Mangadalpaca ainda não vislumbrou por onde anda a concelebrada unanimidade de pontos de vista, a comunhão de preocupações, o acordo nas propostas de reforma... Ainda está a acabar de ler as teses. É que são muitas...
E, em bom rigor, dos textos que reuniu, poucos serão dignos do título de «teses». Muitos são perorações dos seus subscritores. Outros veiculam propostas inconsequentes. Outros, ainda, apenas são exercícios de vaidade dos seus autores.
Do que foi o Congresso, fica alguma sensação de vazio, não de desilusão (o Mangadalpaca nunca andou iludido quanto à natureza, propósitos e consequências do dito Congresso).
As declarações finais são de uma generalidade que podia concitar o acordo da Maçonaria e da Opus Dei. Por isso, não houve uma real discussão dos problemas.
O problema essencial do sistema judicial é um problema da sua gestão.
Neste conspectu, que se saiba, nunca nada foi feito.
Os juristas pensam-se auto-suficientes, não permitindo qualquer intrusão de «estranhos» ao sistema, com o argumento de que só eles dominam os Códigos, os conceitos e os valores do sistema. Nisso, todos estão de acordo, desde advogados a magistrados, perpetuando os tiques dos corporativismos forenses.
Assim se confirma uma preclara apreciação de Kelsen, quando nos anos 60 visitou o país, ao dizer que Portugal era uma «juristocracia». O cenário pode ter-se alterado algo, mas não o suficiente para se constatar uma mudança estrutural.
Na verdade, entidades e instituições como o Ministério da Justiça, os Conselhos Superiores das Magistraturas, o Centro de Estudos Judiciários, a Ordem dos Advogados, o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, o Conselho Consultivo da Justiça, ignoram as potencialidades que os contributos da ciência económica e de gestão de meios e recursos podem dar.
Em tempos (da permanência do ministro António Costa), foi feita uma auditoria aos Tribunais portugueses, por investigadores da Universidade Aberta, com vista à melhoria da eficiência e qualidade dos serviços prestados.
Quais foram os resultados? Serviram para alguma coisa? O que foi proposto? O que se alterou? Ficou sem consequência? Quem terá depreciado e menosprezado as propostas eventualmente formuladas?
Em Época de reconciliação e concórdia, o Mangadalpaca não quer zurzir mais... Vai continuar a ler as «teses» do Congresso da Justiça...
O que o Mangadalpaca realmente teme é que se lembrem de prosseguir com outras realizações desta iniciativa. Parece que o intitularam «I» Congresso da Justiça. Valha-nos Deus...virão mesmo outros, por aí??? Talvez então já tenha acabado de ler as «teses».
terça-feira, dezembro 30, 2003
segunda-feira, dezembro 29, 2003
A Ordem e Santiago
Excertos da entrevista do advogado Rodrigo Santiago à Visão de 23.12.03:
Visão: Considera que o juiz Rui Teixeira nunca deveria ter sido escolhido para este processo? ( da Casa Pia).
Rodrigo Santiago: “ Sempre comentei com os meus colegas o contrário. Ou seja, que a escolha do juiz Rui Teixeira dá-me garantias de erro. Entre um juiz mau e um bom, prefiro , como é evidente, um mau. Em cada despacho, o juiz Rui Teixeira comete uma asneira. Resultado disso são os cerca de 60 recursos já apresentados no processo Casa Pia.”
Comentário do copista: passando ao lado da ignorância da pergunta, ao pressupor como facto a “escolha” do juiz, quando é sabido que um juiz de Instrução não é escolhido assim como quem escolhe um cartório notarial para fazer uma escritura ou uma esquadra de polícia para apresentar queixa, a resposta do advogado é extraordinariamente reveladora do conceito que o mesmo tem: do Direito; da Justiça em geral; das relações entre magistrados e advogados e da étida profissional de alguma forma vertida nos estatutos da Ordem de que faz parte.
Basta ler os artigos que seguem, para perceber onde pára a ética destre advogado:
Estatuto da Ordem dos Advogados
Decreto Lei 84/84, de 16 de Março
ARTIGO 78.º
Deveres do advogado para a comunidade
Constituem deveres do advogado para com a comunidade:
a. Pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas;
b. Não advogar contra lei expressa, nao usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação de lei ou a descoberta da verdade.
ARTIGO 82.º
Da discussão pública de questões profissionais
l. O advogado não deve discutir, ou contribuir para a discussão, em público ou nos meios de comunicação social, questões pendentes ou a instaurar perante os tribunais ou outros órgãos do Estado, salvo se o conselho distrital concordar fundamentalmente com a necessidade de uma explicação pública, e nesse caso nos precisos termos autorizados pelo conselho distrital.
2. O advogado não deve tentar influir de forma maliciosa ou censurável na resolução de pleitos judiciais ou outras questões pendentes em órgãos do Estado.
ARTIGO 87.º
Dos deveres para com os julgadores
l. O advogado deve, sempre sem prejuízo da sua independência, tratar os juizes com o respeito devido à função que exercem e abster-se de intervir nas suas decisões, quer directamente, em conversa ou por escrito, quer por interposta pessoa, sendo como tal considerada a própria parte.
2. É especialmente vedado aos advogados enviar ou fazer enviar aos juizes quaisquer memoriais ou recorrer a processos desleais de defesa dos interesses das partes.
Para além daquela afirmação, o advogado vai mais longe, ao falar daquilo que se passou durante o interrogatório feito ao seu cliente, pelo referido juiz.
Disse por exemplo que o seu cliente Ritto, “ é acusado por três rapazes. Dois deles dizem tê-lo visto em Elvas, quando o meu cliente me diz que nunca lá esteve. Falam dum descampado, quando, ao que sei, a casa de Elvas fica numa rua muito movimentada. “
À pergunta: “ Neste interrogatório, ficou a saber as datas dos crimes?” Respondeu: “Apenas que teriam ocorrido durante a época de Páscoa, em 2000 e 2001.”
Disse ainda a seguir, outra coisa extraordinária: que sabe que os depoimentos das testemunhas são falsos, porque sabe quem os ensinou a mentir, mas nãopode revelar! Logo a seguir, porém, diz que crê, ter sido “unicamente o Dr. Pedro Strecht quem examinou e periciou as testemunhas”.
Comentário do copista:
Qualquer uma destas afirmações sobre o que se passou no interrogatório, viola o dever de sigilo imposto pelo Código de Processo Penal. Ou seja, o advogado R.Santiago incorreu na prática do crime de violação do famigerado segredo de justiça.
Tanto quanto se sabe, nem a Ordem dos Advogados tugiu; nem o Conselho Superior da Magistratura mugiu; nem a comunicação social amplificou. Talvez seja devido à época.
terça-feira, dezembro 23, 2003
O Congresso da Justiça
Terminou o Congresso da Justiça e o balanço parece não ser famoso. Isto, segundo alguns cronistas bem colocados na praça
Contudo, a julgar pelo cardápio de temas em debate e a qualidade profissional da maioria dos intervenientes, seria de esperar pelo menos maior atenção dos media a assuntos mais candentes do que as questões de processo penal levantadas pelo processo da Casa Pia.
A acreditar no discurso do Primeiro Ministro, contudo, parece ter sido esse o tema do congresso e as mudanças prometidas já estão apontadas ao processo penal: escutas telefónicas eventualmente mais selectivizadas; segredo de justiça mais criterioso e menos generalizado; critérios de prisão preventiva mais apertados. Como o foco foi apontado para aí, será também aí que incidirá a iniciativa legislativa do Governo. À boa e velha maneira do governo de A. Guterres, legisla-se e depois logo se vê.
Os problemas de fundo continuarão, por isso mesmo, a acompanhar a vivência diária nos tribunais, como se tudo não passasse de mais um alegre convívio de doutores da lei, à semelhança de outros.
Por vezes, o copista lembra-se que talvez a solução se encontre não em Congressos onde peroram sempre os mesmos, em jogos florais: advogados mais ou menos conhecidos; alguns magistrados que ensinam no CEJ, há anos; alguns inspectores das magistraturas; um ou outro mestre em Direito e que ensina nas faculdades.
Talvez não fosse má ideia, e para variar, que fossem ouvidos e tomados os devidos apontamentos, a advogados banais e de tarimba; a magistrados que se preocupam em falar de outras coisas para além do direito e que aprendem na prática do dia a dia; a funcionários que se preocupam em melhorar o sistema existente e até a polícias que sentem as dificuldades na prática diária.
Se isto não resultar, feche-se a loja e entregue-se a chave a gestores de carreira.
Estes de certeza que vão ficar espantados com o sistema informático existente; com o modo como se gerem os dinheiros recolhidos; com o modelo de organização da investigação criminal das polícias e a preparação técnicas das mesmas; com o modo espantoso como se recolhem os depoimentos prestados em audiências; com a incrível falta de preparação da maioria dos funcionários para as tarefas que lhes incumbem.
Poderiam começar por aparecer em qualquer tribunal do país, aí pelas 9h e 30m( para não dizer mais cedo) e ver como se fazem as chamadas das pessoas que são convocadas para os actos judiciais; verem quantos magistrados se encontram efectivamente a trabalhar a essa hora; verem como os funcionários desenvolvem o serviço que lhes é confiado e que condições de trabalho têm, na realidade, e não apenas o que resulta da estatística.
Por falar neste auxiliar precioso de qualquer gestor, mesmo daquele que atingiu o patamar da sua incompetência, poderiam analisar-se que estatísticas são recolhidas e como o são. E ainda verificar o destino das mesmas e se são analisadas; por quem e que preparação técnica terão esses "quem".
Por úlltimo, então, poderiam entrar nas salas de audiências e presenciarem ao vivo os espectáculos a que por vezes a justiça se dá: verem como alguns juizes se comportam nas salas perante os advogados, testemunhas, arguidos e demais intervenientes; verem como decorre o ritmo da audiência ou diligência e observar o papel de cada um dos intervenientes.
Por outro lado, no fim dessas audiências, poderiam acompanhar os magistrados , advogados, funcionários e polícias e ver como se comportam fora do meio: o que apreciam; o que lêem; como se divertem, etc. Tudo isso para fazerem uma ideia da justiça que temos e terem então um retrato real do país real que vive fora dos Congressos e passa bem sem eles, porque lhe são estranhos.
Não seria para isso que deveria servir um Observatório?!!
segunda-feira, dezembro 22, 2003
Corporações Inc.
O Conselheiro Florindo Pires Salpico e o Bastonário da Ordem dos Advogados , José Miguel Júdice, travaram-se de razões por escrito em Público e por causa de um acórdão do STJ relatado pelo primeiro, a propósito de caso da Casa Pia e do juiz de instrução criminal, R. Teixeira.
Pode ler-se o artigo do Bastonárioe também a resposta do Conselheiro
O caso destina-se, natural e inexoravelmente aos arquivos, em tempo recorde. Porém, descortinam-se aqui e ali, no arrazoado articulado por um e outro, idiossincrasias interessantes e reveladoras do fosso que separa os contendores polemistas, entricheirados que se encontram nas respectivas corporações.
Assim, o conselheiro Pires Salpico, no acórdão, e segundo o bastonário J.M. Júdice, dissertou largamento sobre o papel dos advogados e revelou alguma desconsideração e descrença do papel destes na administração da justiça penal.
Assim, o bastonário acusou o toque e sacudiu a "àgua do capote", escrevendo, além do mais o seguinte:
"4. Este resumo, que creio fiel, do que escreveu o Conselheiro Salpico é um exemplo de escola (1) do que não deve ser uma sentença judicial, (2) do que não deve ser a forma de relacionamento entre as profissões que constituem o Judiciário, (3) do que não deve ser o entendimento da função judicial, (4) do que não deve ser a explicação para os atrasos da Justiça e (5) de insensibilidade ao princípios estruturantes do Estado de Direito. O que se explica de seguida.
5. Uma sentença judicial deve ser a aplicação do direito ao caso concreto, pacificando uma situação com relevo jurídico, tomando em consideração os factos relevantes. A boa sentença é curta, incisiva, vai direita ao assunto, resolve a questão e - quando muito - tenta fazer alguma doutrina prudente sobre as questões jurídicas que sejam inovadoras. Uma sentença não é um comentário político, um desabafo, uma queixa, um grito de alma, uma reacção raivosa, um panfleto ideológico ou um acerto de contas. Andou bem, por isso, o Conselheiro Henriques Gaspar em recusar subscrever o que no Acórdão Salpico não constituia materialmente uma sentença.
6. Um Juiz Conselheiro é alguém que chegou a um Tribunal Superior depois de uma longa carreira. Espera-se que isso lhe tenha aumentado a sabedoria, a sensatez, a prudência, a cautela, o sentido das proporções. E exige-se que actue com base em alguns pressupostos evidentes: a advocacia não é inimiga da magistratura judicial, os Advogados existem para defender os Cidadãos e não para serem agradáveis ao Poder e aos poderes, é inadmissível a falta de cooperação e de diálogo entre as Profissões que compõem o Judiciário (Juizes, Procuradores e Advogados) e que por o comporem usam da palavra em pé de igualdade na abertura do ano judicial. O Conselheiro Salpico falhou nisto tudo, no que seguramente deverá ter sido um dos textos judiciais menos felizes que escreveu.
Por sua vez o conselheiro Pires Salpico leu o artigo e não se ficou, escrevendo, além do mais:
"É a primeira vez que um bastonário da Ordem dos Advogados se descompõe tão desabridamente, arrojando-se contra uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e contra os juizes conselheiros que, por maioria, votaram essa decisão.
Debalde se procurará, nos países civilizados de todo o mundo, uma atitude tão afrontosa contra juízes de um Supremo Tribunal ou contra as decisões nele proferidas.
E nesses pontos 5., 6. e 7. do seu aludido escrito, o advogado Júdice é pedagógico e, com suprema petulância - inseparável da sua maneira de actuar em público -, pretende ensinar aos juízes a forma e a substância de que devem revestir-se as sentenças e as decisões judiciais, mesmo no Supremo Tribunal de Justiça.
Outrossim, o advogado Júdice disserta com enorme jactância acerca das qualidades que devem exornar os juízes conselheiros. "
Alguns bloggers já comentaram a polémica e tomaram partido: A Grande Loja do Queijo Limiano e o Mata-Mouros, fizeram-no.
O copista não subscreve as ilações e conclusões da excelente Grande Loja( que nada liga a esta pequena porta), no sentido de o conselheiro ter batido por KO técnico o bastonário. Até porque se prevê que o combate, se continuar, acabe em empate técnico.
O que importa, no entanto, salientar é o tal fosso que separa dois profissionais do mesmo ramo, no entendimento do respectivo ofício.
O senhor Conselheiro deve julgar-se uma sumidade, por certo. O escrito revela uma vaidade e ao mesmo tempo um savoir-faire na escrita que se equivalem. Seria preferível que o mesmo subscrevesse o dito de Orlando de Carvalho, professor de Coimbra, já falecido e que em 22.10.1997 disse ao Público:" sou suficientemente inteligente para ter a modéstia necessária".
Por outro lado, o Bastonário Júdice por mais de uma vez tem dito coisas, no mínimo insensatas e que foram justamente apontadas pelo conselheiro.
Porém, do ponto de vista de um copista, terá razão no que se refere àquilo que uma decisão judicial não deve ser.
A decisão do conselheiro Pires Salpico, independentemente da bondade quanto à questão de fundo, devia ater-se a ela e não extravasar para as considerações alargadas e tendencialmente generalizadas sobre comportamentos de outros, mormente de classes profissionais que se encontram em paralelo e sempre à vista, como são os advogados.
Ao copista e provavelmente aos demais cidadãos, escapa a legitimação de um conselheiro que se arma em moralista ou doutrinador do que deve ou não ser uma classe profissional, mesmo que as razões sejam as melhores e os argumentos bem esgrimidos e em fino recorte literário.
Para isso, há os artigos de jornal e...os blogs.
Um acórdão do STJ não deve ser, como diz o bastonárioo "um comentário político, um desabafo, uma queixa, um grito de alma, uma reacção raivosa, um panfleto ideológico ou um acerto de contas".
O copista lembra uma outra sentença, proferida nos mesmos moldes substanciais, por outro juiz que provavelmente se tem em muito boa e grande conta: Fernando Negrão, actualmente comissário do Governo PSd-CDS, para as questões da toxicodependência. Logo que saiu da Judiciária, onde foi director, lavrou acórdão que ficará nos anais da jurisprudência ignominiosa para os investigadores e os que exercem a acção penal.
Que conste ninguém o apoquentou por isso; antes, foi escolhido como deputado e agora como alto funcionário dependente do Governo.
O paralelo entre estas duas situações revela-se no modo escolhido por ambos: uma sentença judicial que se destina a dizer o direito. Não se destina a panfleto político-social.
Daí que o putativo KO seja mais virtual do que real e o combate, se calhar, ainda não terminou.
Pode ler-se o artigo do Bastonárioe também a resposta do Conselheiro
O caso destina-se, natural e inexoravelmente aos arquivos, em tempo recorde. Porém, descortinam-se aqui e ali, no arrazoado articulado por um e outro, idiossincrasias interessantes e reveladoras do fosso que separa os contendores polemistas, entricheirados que se encontram nas respectivas corporações.
Assim, o conselheiro Pires Salpico, no acórdão, e segundo o bastonário J.M. Júdice, dissertou largamento sobre o papel dos advogados e revelou alguma desconsideração e descrença do papel destes na administração da justiça penal.
Assim, o bastonário acusou o toque e sacudiu a "àgua do capote", escrevendo, além do mais o seguinte:
"4. Este resumo, que creio fiel, do que escreveu o Conselheiro Salpico é um exemplo de escola (1) do que não deve ser uma sentença judicial, (2) do que não deve ser a forma de relacionamento entre as profissões que constituem o Judiciário, (3) do que não deve ser o entendimento da função judicial, (4) do que não deve ser a explicação para os atrasos da Justiça e (5) de insensibilidade ao princípios estruturantes do Estado de Direito. O que se explica de seguida.
5. Uma sentença judicial deve ser a aplicação do direito ao caso concreto, pacificando uma situação com relevo jurídico, tomando em consideração os factos relevantes. A boa sentença é curta, incisiva, vai direita ao assunto, resolve a questão e - quando muito - tenta fazer alguma doutrina prudente sobre as questões jurídicas que sejam inovadoras. Uma sentença não é um comentário político, um desabafo, uma queixa, um grito de alma, uma reacção raivosa, um panfleto ideológico ou um acerto de contas. Andou bem, por isso, o Conselheiro Henriques Gaspar em recusar subscrever o que no Acórdão Salpico não constituia materialmente uma sentença.
6. Um Juiz Conselheiro é alguém que chegou a um Tribunal Superior depois de uma longa carreira. Espera-se que isso lhe tenha aumentado a sabedoria, a sensatez, a prudência, a cautela, o sentido das proporções. E exige-se que actue com base em alguns pressupostos evidentes: a advocacia não é inimiga da magistratura judicial, os Advogados existem para defender os Cidadãos e não para serem agradáveis ao Poder e aos poderes, é inadmissível a falta de cooperação e de diálogo entre as Profissões que compõem o Judiciário (Juizes, Procuradores e Advogados) e que por o comporem usam da palavra em pé de igualdade na abertura do ano judicial. O Conselheiro Salpico falhou nisto tudo, no que seguramente deverá ter sido um dos textos judiciais menos felizes que escreveu.
Por sua vez o conselheiro Pires Salpico leu o artigo e não se ficou, escrevendo, além do mais:
"É a primeira vez que um bastonário da Ordem dos Advogados se descompõe tão desabridamente, arrojando-se contra uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e contra os juizes conselheiros que, por maioria, votaram essa decisão.
Debalde se procurará, nos países civilizados de todo o mundo, uma atitude tão afrontosa contra juízes de um Supremo Tribunal ou contra as decisões nele proferidas.
E nesses pontos 5., 6. e 7. do seu aludido escrito, o advogado Júdice é pedagógico e, com suprema petulância - inseparável da sua maneira de actuar em público -, pretende ensinar aos juízes a forma e a substância de que devem revestir-se as sentenças e as decisões judiciais, mesmo no Supremo Tribunal de Justiça.
Outrossim, o advogado Júdice disserta com enorme jactância acerca das qualidades que devem exornar os juízes conselheiros. "
Alguns bloggers já comentaram a polémica e tomaram partido: A Grande Loja do Queijo Limiano e o Mata-Mouros, fizeram-no.
O copista não subscreve as ilações e conclusões da excelente Grande Loja( que nada liga a esta pequena porta), no sentido de o conselheiro ter batido por KO técnico o bastonário. Até porque se prevê que o combate, se continuar, acabe em empate técnico.
O que importa, no entanto, salientar é o tal fosso que separa dois profissionais do mesmo ramo, no entendimento do respectivo ofício.
O senhor Conselheiro deve julgar-se uma sumidade, por certo. O escrito revela uma vaidade e ao mesmo tempo um savoir-faire na escrita que se equivalem. Seria preferível que o mesmo subscrevesse o dito de Orlando de Carvalho, professor de Coimbra, já falecido e que em 22.10.1997 disse ao Público:" sou suficientemente inteligente para ter a modéstia necessária".
Por outro lado, o Bastonário Júdice por mais de uma vez tem dito coisas, no mínimo insensatas e que foram justamente apontadas pelo conselheiro.
Porém, do ponto de vista de um copista, terá razão no que se refere àquilo que uma decisão judicial não deve ser.
A decisão do conselheiro Pires Salpico, independentemente da bondade quanto à questão de fundo, devia ater-se a ela e não extravasar para as considerações alargadas e tendencialmente generalizadas sobre comportamentos de outros, mormente de classes profissionais que se encontram em paralelo e sempre à vista, como são os advogados.
Ao copista e provavelmente aos demais cidadãos, escapa a legitimação de um conselheiro que se arma em moralista ou doutrinador do que deve ou não ser uma classe profissional, mesmo que as razões sejam as melhores e os argumentos bem esgrimidos e em fino recorte literário.
Para isso, há os artigos de jornal e...os blogs.
Um acórdão do STJ não deve ser, como diz o bastonárioo "um comentário político, um desabafo, uma queixa, um grito de alma, uma reacção raivosa, um panfleto ideológico ou um acerto de contas".
O copista lembra uma outra sentença, proferida nos mesmos moldes substanciais, por outro juiz que provavelmente se tem em muito boa e grande conta: Fernando Negrão, actualmente comissário do Governo PSd-CDS, para as questões da toxicodependência. Logo que saiu da Judiciária, onde foi director, lavrou acórdão que ficará nos anais da jurisprudência ignominiosa para os investigadores e os que exercem a acção penal.
Que conste ninguém o apoquentou por isso; antes, foi escolhido como deputado e agora como alto funcionário dependente do Governo.
O paralelo entre estas duas situações revela-se no modo escolhido por ambos: uma sentença judicial que se destina a dizer o direito. Não se destina a panfleto político-social.
Daí que o putativo KO seja mais virtual do que real e o combate, se calhar, ainda não terminou.
quinta-feira, dezembro 18, 2003
As Escutas de conversas alheias, ao telefone. O que dizem os juizes do STJ
O copista abre finalmente a porta ao que dizem os juizes conselheiros do STJ, particularmente a secção criminal, sobre o problema das escutas telefónicas.
Como já foi referido, o documento da secção criminal do STJ, não sendo público, foi remetido a várias instâncias, incluindo as do poder político, sem aparentemente ter sido apreciado pelo poder legislativo e/ou executivo.
Hoje, 18.12.2003, o Jornal de Notícias publica uma entrevista com o Conselheiro Aragão Seia, presidente do STJ e membro do Conselho Superior da Magistratura.
A entrevista, como se diz no jornal, concedida por escrito, é publicada sem edição. Por isso, o que lá vem foi necessariamente ponderado e daí a sua relevância.
Em primeiro lugar, sobre essa tema concreto, copia-se parte dessa entrevista:
J.N. As escutas telefónicas e o seu controlo são outros dos temas abordados continuamente. Partilha da visão de José Miguel Júdice que propunha retirá-las da alçada da PJ?
A.S. A intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz. Dessa intercepção ou gravação é lavrado um auto, que é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado as ditas operações, juntamente com o respectivo CD-Rom, e com indicação das passagens dessas gravações ou elementos análogos que se considerem relevantes. Se o juiz considerar relevantes os elementos recolhidos, ou alguns deles, ordena a sua transcrição em auto, que manda juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
É isto o que a lei prescreve. É, no entanto, necessário não esquecer nunca que, nalguns casos, antes de escutar, não se pode saber se o resultado a obter tem ou não interesse para a transcrição, embora se reconheça que a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, a ela se deverá recorrer quando não seja possível alcançar a verdade através de outros meios de prova.
No entanto, não será despiciendo referir que os avanços tecnológicos permitem, nos nossos dias, que a efectivação das escutas telefónicas esteja ao alcance de qualquer cidadão. A este respeito, merece referência a deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social que recomenda a determinado órgão de Comunicação Social que adeque o seu código de conduta à legislação em vigor, designadamente em matéria de intercepção de conversas telefónicas por jornalistas.
De momento, os meios técnicos para a execução das escutas estão colocados na Polícia Judiciária e não nos repugna que esta solução se mantenha. O que é importante é que sejam rigorosamente aplicados os mecanismos de controlo judicial da execução dessas escutas.
J.N. - Fátima Mata-Mouros, do Tribunal Central de Instrução Criminal, publicou um livro onde afirmou que os juízes só têm acesso ao que os investigadores querem transcrever. Que fazer para tornar o processo mais transparente?
A.S. - Se o que a lei prescreve em matéria de intercepção e gravação de conversações das comunicações telefónicas for honradamente cumprido, o processo é suficientemente transparente. A situação que menciona só será favorecida se não houver um rigoroso controlo judicial, isto é, se não houver da parte do juiz um efectivo controlo sobre o âmbito da escuta e sobre a selecção do material recolhido para a eventual transcrição.
J.N.- Na altura da polémica à volta das escutas telefónicas, lembrou que cabia aos políticos alterarem a lei. O bastonário dos advogados disse, entretanto, que quem aplica as leis é que devia fazê-las. Em que é que ficamos?
A.S.Os poderes do Estado estão bem definidos na Constituição da República: o Legislativo legisla, o Executivo governa e o Judicial administra a justiça, para o que aplica as leis em vigor, em cada momento, no ordenamento jurídico. A separação de poderes e o equilíbrio entre eles, e a transparência do seu funcionamento exigem que as leis que à Justiça cabe aplicar sejam produto da vontade dos cidadãos, manifestada através dos órgãos que eles elegeram, pois, a ser de outro modo, correr-se-ia o risco de regresso a formaslarvares de absolutismo. O que, no entanto, é conveniente é que o legislador tenha sempre presente a exequibilidade das leis que aprovar. Para isso, é prudente não só ouvir os que têm o dever de as aplicar, como proceder a uma criteriosa avaliação dos meios ex
istentes e dos que, para o efeito, poderão ser efectivamente disponibilizados, pois assim evitará que as leis publicadas sejam letra morta.
E agora o Estudo da secção criminal do Supremo
I - Regime das escutas telefónicas
1. Artigos implicados: 187º, 188.º e 189º
Artigo 187º (Admissibilidade):
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes: a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos; b) Relativos ao tráfico de estupefacientes; c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas; d) De contrabando; ou) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes: a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada; b) Associações criminosas previstas no artigo 299.º do Código Penal; c) Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código Penal; d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II do Código Penal; e) Produção e tráfico de estupefacientes; f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal; g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
Artigo 188º (Formalidades das operações)
1 - Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
2 - O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
3 - Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.
5 - O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos.
Artigo 189.º(Nulidade)
"Todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade".
2. Matérias Problemáticas
2.1. Dúvidas têm incidido sobre a interpretação a dar ao termo "imediatamente", mencionado no n.º 1 do artigo 188º.
Disse-se no ac. do STJ, de 30.03.00- P.º 1145/98- 5.ª:
"O sentido a dar a este advérbio "imediatamente", não tem conhecido na Jurisprudência um entendimento unívoco ( cfr. a título de exemplo, o Ac. da RL de 16/03/96, CJ, Ano XXI, Tomo 4, p. 155)....
Em ordem a fixar-se a sua exacta significação, torna-se prioritário concatená-lo na perspectiva teleológica e sistemática do próprio preceito.
Como já ficou enunciado no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/11/1996, proferido no processo n.º 48588, o auto a que se refere o n.º 1 do art.º 188 do CPP, destina-se, tão somente, a dar fé à operação de intercepção enquanto tal (no mesmo sentido, conferir o Ac do STJ de 29/10/1998, proferido no processo n.º 525/98).
Significa isto, que deverá mencionar, inter alia, o despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa a que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado e os circunstancialismos de tempo, modo e lugar da intercepção.
Mas pergunta-se - e neste ponto se situa o fulcro da questão colocada - deverá esse auto referir o conteúdo das gravações, ou de uma forma mais incisiva, conter a transcrição das gravações?
A resposta tem que ser necessariamente negativa.
Na economia dos princípios acima enunciados e até como contraponto da relativa abertura conferida pelo nosso legislador no que respeita às escutas telefónicas, não é constitucionalmente pensável, ou admissível, um quadro do tipo do que deixamos esboçado, sem um verdadeiro controlo jurisdicional desse meio de obtenção de prova, garantindo a salvaguarda de direitos e liberdades e obstando a que eventuais situações perversas ou de atropelo possam ser geradas ou cometidas.
Foi o que expressamente veio a consagrar o Ac n.º 407/97, do TConstitucional, de 21 de Maio de 1997, publicado no DR - II S, n.º 164 de 13.07.1997, onde a determinado passo se poderá ler:
"Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional.
O actuar dessa imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das escutas telefónicas ocorrerá em diversos planos (..) "
Porque assim é, a essencialidade dessa garantia não pode ficar dependente da existência ou não de meios humanos ou técnicos susceptíveis de num dado momento assegurar a imediatividade das transcrições, quer porque a esse nível a regra é a da insuficiência, quer porque na normalidade dos casos, o material a processar será relativamente extenso não podendo ser essa a interpretação a dar ao referido termo.
(...) O que de uma forma textual e expressa a redacção do mencionado n.º 1 do art.º 188 manda que seja entregue ao Juiz de Instrução (o seu primeiro destinatário) com o auto, não são as transcrições mas as próprias fitas gravadas.
A este propósito, aliás, e como o referem Simas Santos e Leal-HenriquesX, na linha do que vimos propugnando, a inclusão no referido auto do conteúdo da matéria interceptada seria um acto inútil, "uma vez que o juiz, por lei, tem imediato acesso às gravações através dos respectivos instrumentos de registo".
Porque as escutas telefónicas só foram presentes ao juiz alguns meses depois de terminadas, considerou-se não haver supervisão judicial atempada, e verificada uma situação de proibição de prova, com anulação de todo o processado a partir da pronúncia.
Naquele citado ac. do TConstitucional julgou-se inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32º da CRP, a norma do n.º 1 do artigo 188º do CPP quando interpretada em termos de não impor que pelo autor da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado auto e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente o que se mostrar conveniente.
O TConstitucional preconiza uma "exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente".
"Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional".
"De forma alguma "imediatamente" poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulta do processo (...)".
No intuito de "salvar" elementos probatórios que se revelam essenciais na perspectiva acusatória, a interpretação do advérbio "imediatamente" é alvo de variadas acepções, uma delas por exemplo a entender que será ainda uma apresentação imediata ao juiz aquela em que não haja entre a escuta e tal apresentação (do auto e das fitas gravadas ou elementos análogos) a prática de qualquer acto processual. Interpretação esta logo arredada pelo Supremo Tribunal.
2. Nulidade/Irregularidade
Também a caracterização dos vícios a que se refere o artigo 189º vem sendo objecto de soluções divergentes: uma delas, no sentido de uma apertada interpretação do preceito de modo a abranger todas as formalidades; outras, fazendo distinções.
2.1. Tendência forte da jurisprudência vai no sentido de que existe nulidade insanável se não for colhido despacho judicial de autorização das escutas telefónicas ou se estas se prolongarem para além do período fixado ou depois de conhecido o despacho que ordene o seu término.
Tratar-se-á mesmo de um método proibido de prova - artigo 126.º, n.º 3, do CPPenal:" são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada ...ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".
Mas quanto ao incumprimento de outras formalidades, nomeadamente a não apresentação imediata ao juiz, do auto lavrado junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, parece minoritária a posição que considera linearmente que a violação de "todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade", entendendo o termo nulidade como nulidade insanável.
Diz-se no acórdão do STJ, de 30.03.00 - P.º n.º 1145/98:
"O auto a que se refere o n.° 1 do art.º 188.º, destina-se a dar fé à operação de intercepção enquanto tal, devendo mencionar, inter alia, o despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa a que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado e os circunstancialismos de tempo, modo e lugar da intercepção. Dado que as escutas telefónicas "são portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional", não é constitucionalmente admissível que as mesmas possam ser realizadas fora de um quadro de verdadeiro controlo jurisdicional que garanta a salvaguarda de direitos e liberdades, e que obste a que eventuais situações perversas, ou de atropelo, possam ser geradas ou cometidas. Porque assim é, a essencialidade dessa garantia não pode ficar dependente da existência ou não de meios humanos ou técnicos susceptíveis de num dado momento assegurar a "imediatividade" das transcrições, quer pelas insuficiências existentes a esse nível, quer porque na normalidade dos casos, o material a processar ser relativamente extenso. Aliás, não são as transcrições, mas as próprias "fitas gravadas", que com o auto de intercepção e gravação, deverão ser entregues ao Juiz de Instrução.
No acórdão da RPorto, de 8.03.2000, afirma-se (sumário):
"3 - A proibição de escutar as conversas telefónicas do arguido com o seu defensor não se aplica apenas a partir do momento em que aquele junta aos autos a respectiva procuração forense; tal proibição abrange também o período em que o advogado, embora sem representação, exerce o mandato de o defender.
4 - O juiz, embora não tenha que proceder pessoalmente às escutas telefónicas, tem que acompanhar as mesmas, temporal e materialmente, de forma contínua e próxima, a fim de, em função do decurso das mesmas, manter ou alterar a autorização que deu para a elas se proceder.
5 - É o juiz - e só ele - quem, de entre os elementos probatórios recolhidos através das escutas telefónicas, há-de decidir quais é que, por serem relevantes para a investigação, devem ser transcritos em auto, a juntar ao processo.
6 - As provas obtidas mediante escutas telefónicas com violação dos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 3, e 188.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, designadamente por estas terem sido feitas depois de o juiz ter revogado a autorização dada, são nulas, porque proibidas".
Não será de surpreender que uma interpretação mais próxima da letra do preceito do artigo 189º, em consonância com o n.º 1 do artigo 118º e o artigo 119º, se venha a tornar maioritária.
2.2. Entretanto, porém, vários espécimes jurisprudenciais apontam no sentido de que a violação de certas regras a observar no domínio das escutas telefónicas acomoda-se na categoria das irregularidades sanáveis pela oportuna falta de arguição.
Disse-se no ac. do STJ, de 15.03.00:
"Não resulta pois dos autos qualquer incumprimento dos requisitos e condições referidos nos citados arts. 187° e l88°, designadamente daqueles cuja falta foi arguida e que estamos apreciando, relativos à garantia da possibilidade de contraditório por parte do ora recorrente.
E mesmo que algum destes pressupostos formais tivesse porventura sido desrespeitado, ....a nulidade que daí derivaria (art. 189° do C.P.P.) não seria de conhecimento oficioso, por não ser insanável (arts. 119° e 120° do C.P.P.), já que não se trataria de omissão de pressupostos materiais exigidos pelo art. 187° como indispensáveis à produção do meio de prova das escutas telefónicas, designadamente o terem sido autorizadas por despacho do Juiz, e cuja falta implicaria a nulidade da prova, por força do art. 126°, n° 1, de aplicação ressalvada pelo art. 118°, n° 3, todos do C.P.P.x 3. Ora, tratando-se de nulidade sanável, seria de concluir que não tinha sido atempadamente arguida (art. 120° do C.P.P.),
E no ac. de 17.01.01:
"(...) Reparemos na redacção originária do artigo 188º para melhor compreender as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.(...)
"Na interpretação de tal sistema sublinhava-se a influência que as leis e a jurisprudência estrangeiras haviam tido nos textos nacionais.
Em França, entendia-se que o funcionário de polícia judiciária controlava "o registo das conversações telefónicas em banda magnética ou cassete, tal como a sua transcrição se ele próprio a não realizar, e que na escolha dos extractos a submeter a exame de jurisdição lhe cabe determiná-los, com sujeição a sanções penais, e que ele realiza todas essas tarefas sob a responsabilidade e controlo do juiz de instrução".
A doutrina italiana salientava que só os documentos fónicos e os autos assumem relevo probatório, visando-se com a transcrição permitir o controlo das operações de escuta telefónica pela defesa....
De qualquer modo, a junção ao processo ou a guarda nos termos do artigo 101º, n.º 3, do CPPenal, das "cassetes" ou das bandas magnéticas cujo conteúdo haja sido transcrito permite aos intervenientes, ao arguido e assistente, fazer o controlo da sua conformidade com a transcrição efectuada (e também da própria conformidade com as regras de recolha da prova).
A indicação desta posição doutrinária assume relevo na medida em que se diz ter sido tomada em conta na actual redacção do preceito** ".
E já em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, acrescentava-se, a propósito das formalidades a que se refere o artigo 188º:
"Para além de a intercepção e gravação da comunicação telefónica estar sujeita a ordem ou autorização judicial, sob pena de nulidade insanável, como é geralmente entendido - o que bem se compreende pela delicadeza desta recolha de meio de prova -, as restantes operações de audição, eventual transcrição, e destruição de elementos desnecessários, correm igualmente sob estrito controlo do magistrado judicial.
Por razões de eficiência e dos necessários meios técnicos e humanos disponíveis, as operações materiais de intercepção e gravação correrão normalmente a cargo da Polícia Judiciária como entidade competente para a investigação criminal - n.º 2 do artigo 187º do CPP e artigo 18º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho. Daí não se recolhe, porém, a ideia de que lhe cabe seleccionar os elementos a juntar aos autos. Tal poder reside na esfera de competência do magistrado judicial.
No entanto, as alterações levadas a efeito pela Revisão de 98 do CPPenal espelham com suficiente clareza o objectivo de ultrapassar dificuldades práticas provenientes da necessidade de audição, pelo magistrado judicial, de todo o "material gravado", da selecção e ordem de transcrição dos excertos com interesse probatório a juntar aos autos.
Parece-nos ter ficado claro que o texto resultante da Revisão de 98 pretendeu evitar transcrições de gravações que se revelassem inúteis para efeitos probatórios; que é o juiz quem ordena a transcrição, quando necessária, o que supõe, obviamente, que alguém deve proceder à audição dos elementos gravados para efeito de aquilatar da sua relevância processual*.
Ora, o novo preceito do n.º 4 do artigo 188º confere ao magistrado judicial, quando o entender conveniente, que seja coadjuvado por funcionários do órgão de polícia criminal, o que lhe concede uma ampla margem de manobra funcional. Isto em busca da praticabilidade do sistema, o que também implica subtrair o magistrado à audição intensiva de gravações sem o menor interesse probatório, salvaguardadas as garantias essenciais do cidadão suspeito de actividades criminosas.
A nosso ver, podia o juiz proceder à audição ou decifração directa das fitas gravadas ou material análogo ou pedir a coadjuvação do OPC para esse efeito a fim de, sob seu controlo, efectuar essas operações, dando-lhe este conta, pela forma que entendesse mais ajustada (o que inclusivamente poderia ser fixado em despacho constante dos autos), do resultado dessa audição. Nada obstava, pois, a que o juiz ordenasse a audição da gravação pelo funcionário do OPC, sugerindo-lhe este, depois, as passagens relevantes para efeito probatório.
Embora se reconheça que a interpretação mais linear do regime legal, apesar da coadjuvação que o magistrado judicial pode solicitar ao órgão de polícia criminal, seja a da audição das fitas gravadas, quando é o caso, pelo próprio magistrado***, eventualmente em conjunto com o funcionário, ordenando de imediato a transcrição dos excertos que considere de interesse probatório.
No fundo, uma interpretação que se mostra agora mais clarificada pela alteração do n.º 1 do citado artigo 188º do CPPenal levada a efeito através do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, evidentemente não aplicável de forma directa ao caso, onde se diz:
"Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova **** ".
O que supõe, declaradamente, a audição prévia pelo funcionário do OPC.
Não se pode esquecer que para além das normas relativas ao sigilo (artigo 383º do CPenal), sobre o funcionário recaem outros deveres derivados do seu ofício cuja violação pode implicar igualmente responsabilidade não só disciplinar como criminal - especialmente pela prática dos crimes, de falsificação a que se refere o artigo 256º, n.ºs 1 e 4 do CPenal, ou de abuso de poderes ou violação de deveres inerentes às suas funções (artigo 382º).
Por outro lado, dúvidas que se suscitem ao juiz quer perante a sugestão quer pelo texto da transcrição tem sempre a possibilidade de confrontar a gravação e ordenar o que se mostrar adequado. O próprio funcionário pode ter dificuldades na transcrição, a superar segundo a instrução judicial.
Para além de tais garantias, a última das faculdades de controlo cabe ao arguido e ao assistente, bem como às pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, examinando o auto de transcrição para se inteirarem da sua conformidade com as gravações e da própria fidedignidade destas, designadamente quando na transcrição se faz a atribuição do conteúdo de uma determinada comunicação a certa pessoa.
O que importa é que as gravações estejam disponíveis quando os intervenientes têm a faculdade de proceder à verificação da sua regularidade e que a qualidade da gravação/audição seja suficiente para os fins em vista".
E já sobre a aplicação dos princípios ao caso concreto:
"Em verdade, não há uma rigorosa observância das disposições legais, na medida em que as gravações não são presentes oportunamente ao juiz de instrução para que ele as aprecie e ordene a junção aos autos, com transcrição dos excertos que considerar relevantes.
Não se ignora as flutuações de entendimento que ao tempo corriam no que concerne às transcrições, procurando os magistrados que elas fossem feitas pelos OPC e estes que o fossem junto dos magistrados pelos respectivos funcionários.
Porém, no caso dos autos, o juiz de instrução, mais do que uma posição activa de selecção dos excertos probatoriamente relevantes - o que implicava a audição directa ou uma audição sob o seu directo controlo - limitou-se a aceitar e "ratificar", certamente por não se lhe oferecer dúvida, as transcrições já efectuadas e a aceitar a desmagnetização de outras, conforme lhe foi proposto pelo Ministério Público.
O procedimento mais correcto, nessa altura, como o será hoje, já que estamos em face da aplicação de dois regimes, o anterior e o posterior a 1998, vai no sentido de não haver transcrições que não sejam ordenadas pelo magistrado judicial (hoje podem sê-lo, sob sugestão do OPC). (...)
Assim, os despachos de junção..., proferidos a posteriori das transcrições, não transportam uma correcta observância da lei, enfermando por isso de nulidade.
Só que, ..., a nulidade verificada, prevista nos artigos 188º e 189º é sanável, sujeita ao regime de arguição a que se referem os artigos 120º e 121º do CPPenal, como aliás preconiza a generalidade dos anotadores do Código de Processo Penal".
Numa posição ainda mais flexível seguia o acórdão de 16.08.96:
A exigência, estabelecida no n.º 1 do art. 188º do CPP, de que o auto e as fitas gravadas, ou elementos análogos, devem ser "imediatamente" levadas ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado, ou autorizado, as operações, deve ser entendida no sentido de "no tempo mais rápido possível" e o seu desrespeito poderá, eventualmente, dar lugar a um pedido de aceleração ou a procedimento disciplinar, mas nunca a uma nulidade.
Aspectos menores não deixam de subir à apreciação em recurso:
"O CPP não exige a transcrição das gravações em discurso directo; a circunstância de a transcrição ter sido feita no discurso indirecto não constitui a prática de uma nulidade e não se traduz numa diminuição das garantias de defesa dos arguidos".
3. Do que se deixa exposto, ficará suficientemente explícito que o sistema de escuta e gravação necessita de ser revisto e pormenorizado em alguns pontos, conferindo-lhe salvaguardas que tenham em conta a sua natureza excepcional de meio de investigação.
Por certo que urge a adopção de normas mais precisas sobre o disposto no artigo 190.º do CPPenal, nomeadamente sobre "comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática", tendo mesmo em conta toda a problemática que decorrerá da ratificação da Convenção do Conselho da Europa sobre a Cibercriminalidade, assinada em Budapeste, em 23.11.01, também por Portugal, na qual as medidas de processo penal constituem o leit motiv da Convenção.
Medidas que serão aplicáveis não só às infracções penais previstas na Convenção ( a dita cibercriminalidade), como a toda a infracção cometida por meio de um sistema informático e à colheita de provas electrónicas de qualquer infracção.
Como já foi referido, o documento da secção criminal do STJ, não sendo público, foi remetido a várias instâncias, incluindo as do poder político, sem aparentemente ter sido apreciado pelo poder legislativo e/ou executivo.
Hoje, 18.12.2003, o Jornal de Notícias publica uma entrevista com o Conselheiro Aragão Seia, presidente do STJ e membro do Conselho Superior da Magistratura.
A entrevista, como se diz no jornal, concedida por escrito, é publicada sem edição. Por isso, o que lá vem foi necessariamente ponderado e daí a sua relevância.
Em primeiro lugar, sobre essa tema concreto, copia-se parte dessa entrevista:
J.N. As escutas telefónicas e o seu controlo são outros dos temas abordados continuamente. Partilha da visão de José Miguel Júdice que propunha retirá-las da alçada da PJ?
A.S. A intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz. Dessa intercepção ou gravação é lavrado um auto, que é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado as ditas operações, juntamente com o respectivo CD-Rom, e com indicação das passagens dessas gravações ou elementos análogos que se considerem relevantes. Se o juiz considerar relevantes os elementos recolhidos, ou alguns deles, ordena a sua transcrição em auto, que manda juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
É isto o que a lei prescreve. É, no entanto, necessário não esquecer nunca que, nalguns casos, antes de escutar, não se pode saber se o resultado a obter tem ou não interesse para a transcrição, embora se reconheça que a escuta deve ser um meio subsidiário de prova e, como tal, a ela se deverá recorrer quando não seja possível alcançar a verdade através de outros meios de prova.
No entanto, não será despiciendo referir que os avanços tecnológicos permitem, nos nossos dias, que a efectivação das escutas telefónicas esteja ao alcance de qualquer cidadão. A este respeito, merece referência a deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social que recomenda a determinado órgão de Comunicação Social que adeque o seu código de conduta à legislação em vigor, designadamente em matéria de intercepção de conversas telefónicas por jornalistas.
De momento, os meios técnicos para a execução das escutas estão colocados na Polícia Judiciária e não nos repugna que esta solução se mantenha. O que é importante é que sejam rigorosamente aplicados os mecanismos de controlo judicial da execução dessas escutas.
J.N. - Fátima Mata-Mouros, do Tribunal Central de Instrução Criminal, publicou um livro onde afirmou que os juízes só têm acesso ao que os investigadores querem transcrever. Que fazer para tornar o processo mais transparente?
A.S. - Se o que a lei prescreve em matéria de intercepção e gravação de conversações das comunicações telefónicas for honradamente cumprido, o processo é suficientemente transparente. A situação que menciona só será favorecida se não houver um rigoroso controlo judicial, isto é, se não houver da parte do juiz um efectivo controlo sobre o âmbito da escuta e sobre a selecção do material recolhido para a eventual transcrição.
J.N.- Na altura da polémica à volta das escutas telefónicas, lembrou que cabia aos políticos alterarem a lei. O bastonário dos advogados disse, entretanto, que quem aplica as leis é que devia fazê-las. Em que é que ficamos?
A.S.Os poderes do Estado estão bem definidos na Constituição da República: o Legislativo legisla, o Executivo governa e o Judicial administra a justiça, para o que aplica as leis em vigor, em cada momento, no ordenamento jurídico. A separação de poderes e o equilíbrio entre eles, e a transparência do seu funcionamento exigem que as leis que à Justiça cabe aplicar sejam produto da vontade dos cidadãos, manifestada através dos órgãos que eles elegeram, pois, a ser de outro modo, correr-se-ia o risco de regresso a formaslarvares de absolutismo. O que, no entanto, é conveniente é que o legislador tenha sempre presente a exequibilidade das leis que aprovar. Para isso, é prudente não só ouvir os que têm o dever de as aplicar, como proceder a uma criteriosa avaliação dos meios ex
istentes e dos que, para o efeito, poderão ser efectivamente disponibilizados, pois assim evitará que as leis publicadas sejam letra morta.
E agora o Estudo da secção criminal do Supremo
I - Regime das escutas telefónicas
1. Artigos implicados: 187º, 188.º e 189º
Artigo 187º (Admissibilidade):
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes: a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos; b) Relativos ao tráfico de estupefacientes; c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas; d) De contrabando; ou) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes: a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada; b) Associações criminosas previstas no artigo 299.º do Código Penal; c) Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código Penal; d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II do Código Penal; e) Produção e tráfico de estupefacientes; f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal; g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
Artigo 188º (Formalidades das operações)
1 - Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
2 - O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
3 - Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.
5 - O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos.
Artigo 189.º(Nulidade)
"Todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade".
2. Matérias Problemáticas
2.1. Dúvidas têm incidido sobre a interpretação a dar ao termo "imediatamente", mencionado no n.º 1 do artigo 188º.
Disse-se no ac. do STJ, de 30.03.00- P.º 1145/98- 5.ª:
"O sentido a dar a este advérbio "imediatamente", não tem conhecido na Jurisprudência um entendimento unívoco ( cfr. a título de exemplo, o Ac. da RL de 16/03/96, CJ, Ano XXI, Tomo 4, p. 155)....
Em ordem a fixar-se a sua exacta significação, torna-se prioritário concatená-lo na perspectiva teleológica e sistemática do próprio preceito.
Como já ficou enunciado no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/11/1996, proferido no processo n.º 48588, o auto a que se refere o n.º 1 do art.º 188 do CPP, destina-se, tão somente, a dar fé à operação de intercepção enquanto tal (no mesmo sentido, conferir o Ac do STJ de 29/10/1998, proferido no processo n.º 525/98).
Significa isto, que deverá mencionar, inter alia, o despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa a que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado e os circunstancialismos de tempo, modo e lugar da intercepção.
Mas pergunta-se - e neste ponto se situa o fulcro da questão colocada - deverá esse auto referir o conteúdo das gravações, ou de uma forma mais incisiva, conter a transcrição das gravações?
A resposta tem que ser necessariamente negativa.
Na economia dos princípios acima enunciados e até como contraponto da relativa abertura conferida pelo nosso legislador no que respeita às escutas telefónicas, não é constitucionalmente pensável, ou admissível, um quadro do tipo do que deixamos esboçado, sem um verdadeiro controlo jurisdicional desse meio de obtenção de prova, garantindo a salvaguarda de direitos e liberdades e obstando a que eventuais situações perversas ou de atropelo possam ser geradas ou cometidas.
Foi o que expressamente veio a consagrar o Ac n.º 407/97, do TConstitucional, de 21 de Maio de 1997, publicado no DR - II S, n.º 164 de 13.07.1997, onde a determinado passo se poderá ler:
"Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional.
O actuar dessa imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das escutas telefónicas ocorrerá em diversos planos (..) "
Porque assim é, a essencialidade dessa garantia não pode ficar dependente da existência ou não de meios humanos ou técnicos susceptíveis de num dado momento assegurar a imediatividade das transcrições, quer porque a esse nível a regra é a da insuficiência, quer porque na normalidade dos casos, o material a processar será relativamente extenso não podendo ser essa a interpretação a dar ao referido termo.
(...) O que de uma forma textual e expressa a redacção do mencionado n.º 1 do art.º 188 manda que seja entregue ao Juiz de Instrução (o seu primeiro destinatário) com o auto, não são as transcrições mas as próprias fitas gravadas.
A este propósito, aliás, e como o referem Simas Santos e Leal-HenriquesX, na linha do que vimos propugnando, a inclusão no referido auto do conteúdo da matéria interceptada seria um acto inútil, "uma vez que o juiz, por lei, tem imediato acesso às gravações através dos respectivos instrumentos de registo".
Porque as escutas telefónicas só foram presentes ao juiz alguns meses depois de terminadas, considerou-se não haver supervisão judicial atempada, e verificada uma situação de proibição de prova, com anulação de todo o processado a partir da pronúncia.
Naquele citado ac. do TConstitucional julgou-se inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32º da CRP, a norma do n.º 1 do artigo 188º do CPP quando interpretada em termos de não impor que pelo autor da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado auto e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente o que se mostrar conveniente.
O TConstitucional preconiza uma "exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente".
"Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional".
"De forma alguma "imediatamente" poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulta do processo (...)".
No intuito de "salvar" elementos probatórios que se revelam essenciais na perspectiva acusatória, a interpretação do advérbio "imediatamente" é alvo de variadas acepções, uma delas por exemplo a entender que será ainda uma apresentação imediata ao juiz aquela em que não haja entre a escuta e tal apresentação (do auto e das fitas gravadas ou elementos análogos) a prática de qualquer acto processual. Interpretação esta logo arredada pelo Supremo Tribunal.
2. Nulidade/Irregularidade
Também a caracterização dos vícios a que se refere o artigo 189º vem sendo objecto de soluções divergentes: uma delas, no sentido de uma apertada interpretação do preceito de modo a abranger todas as formalidades; outras, fazendo distinções.
2.1. Tendência forte da jurisprudência vai no sentido de que existe nulidade insanável se não for colhido despacho judicial de autorização das escutas telefónicas ou se estas se prolongarem para além do período fixado ou depois de conhecido o despacho que ordene o seu término.
Tratar-se-á mesmo de um método proibido de prova - artigo 126.º, n.º 3, do CPPenal:" são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada ...ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".
Mas quanto ao incumprimento de outras formalidades, nomeadamente a não apresentação imediata ao juiz, do auto lavrado junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, parece minoritária a posição que considera linearmente que a violação de "todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade", entendendo o termo nulidade como nulidade insanável.
Diz-se no acórdão do STJ, de 30.03.00 - P.º n.º 1145/98:
"O auto a que se refere o n.° 1 do art.º 188.º, destina-se a dar fé à operação de intercepção enquanto tal, devendo mencionar, inter alia, o despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa a que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado e os circunstancialismos de tempo, modo e lugar da intercepção. Dado que as escutas telefónicas "são portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional", não é constitucionalmente admissível que as mesmas possam ser realizadas fora de um quadro de verdadeiro controlo jurisdicional que garanta a salvaguarda de direitos e liberdades, e que obste a que eventuais situações perversas, ou de atropelo, possam ser geradas ou cometidas. Porque assim é, a essencialidade dessa garantia não pode ficar dependente da existência ou não de meios humanos ou técnicos susceptíveis de num dado momento assegurar a "imediatividade" das transcrições, quer pelas insuficiências existentes a esse nível, quer porque na normalidade dos casos, o material a processar ser relativamente extenso. Aliás, não são as transcrições, mas as próprias "fitas gravadas", que com o auto de intercepção e gravação, deverão ser entregues ao Juiz de Instrução.
No acórdão da RPorto, de 8.03.2000, afirma-se (sumário):
"3 - A proibição de escutar as conversas telefónicas do arguido com o seu defensor não se aplica apenas a partir do momento em que aquele junta aos autos a respectiva procuração forense; tal proibição abrange também o período em que o advogado, embora sem representação, exerce o mandato de o defender.
4 - O juiz, embora não tenha que proceder pessoalmente às escutas telefónicas, tem que acompanhar as mesmas, temporal e materialmente, de forma contínua e próxima, a fim de, em função do decurso das mesmas, manter ou alterar a autorização que deu para a elas se proceder.
5 - É o juiz - e só ele - quem, de entre os elementos probatórios recolhidos através das escutas telefónicas, há-de decidir quais é que, por serem relevantes para a investigação, devem ser transcritos em auto, a juntar ao processo.
6 - As provas obtidas mediante escutas telefónicas com violação dos art.ºs 187.º, n.ºs 1 e 3, e 188.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, designadamente por estas terem sido feitas depois de o juiz ter revogado a autorização dada, são nulas, porque proibidas".
Não será de surpreender que uma interpretação mais próxima da letra do preceito do artigo 189º, em consonância com o n.º 1 do artigo 118º e o artigo 119º, se venha a tornar maioritária.
2.2. Entretanto, porém, vários espécimes jurisprudenciais apontam no sentido de que a violação de certas regras a observar no domínio das escutas telefónicas acomoda-se na categoria das irregularidades sanáveis pela oportuna falta de arguição.
Disse-se no ac. do STJ, de 15.03.00:
"Não resulta pois dos autos qualquer incumprimento dos requisitos e condições referidos nos citados arts. 187° e l88°, designadamente daqueles cuja falta foi arguida e que estamos apreciando, relativos à garantia da possibilidade de contraditório por parte do ora recorrente.
E mesmo que algum destes pressupostos formais tivesse porventura sido desrespeitado, ....a nulidade que daí derivaria (art. 189° do C.P.P.) não seria de conhecimento oficioso, por não ser insanável (arts. 119° e 120° do C.P.P.), já que não se trataria de omissão de pressupostos materiais exigidos pelo art. 187° como indispensáveis à produção do meio de prova das escutas telefónicas, designadamente o terem sido autorizadas por despacho do Juiz, e cuja falta implicaria a nulidade da prova, por força do art. 126°, n° 1, de aplicação ressalvada pelo art. 118°, n° 3, todos do C.P.P.x 3. Ora, tratando-se de nulidade sanável, seria de concluir que não tinha sido atempadamente arguida (art. 120° do C.P.P.),
E no ac. de 17.01.01:
"(...) Reparemos na redacção originária do artigo 188º para melhor compreender as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.(...)
"Na interpretação de tal sistema sublinhava-se a influência que as leis e a jurisprudência estrangeiras haviam tido nos textos nacionais.
Em França, entendia-se que o funcionário de polícia judiciária controlava "o registo das conversações telefónicas em banda magnética ou cassete, tal como a sua transcrição se ele próprio a não realizar, e que na escolha dos extractos a submeter a exame de jurisdição lhe cabe determiná-los, com sujeição a sanções penais, e que ele realiza todas essas tarefas sob a responsabilidade e controlo do juiz de instrução".
A doutrina italiana salientava que só os documentos fónicos e os autos assumem relevo probatório, visando-se com a transcrição permitir o controlo das operações de escuta telefónica pela defesa....
De qualquer modo, a junção ao processo ou a guarda nos termos do artigo 101º, n.º 3, do CPPenal, das "cassetes" ou das bandas magnéticas cujo conteúdo haja sido transcrito permite aos intervenientes, ao arguido e assistente, fazer o controlo da sua conformidade com a transcrição efectuada (e também da própria conformidade com as regras de recolha da prova).
A indicação desta posição doutrinária assume relevo na medida em que se diz ter sido tomada em conta na actual redacção do preceito** ".
E já em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, acrescentava-se, a propósito das formalidades a que se refere o artigo 188º:
"Para além de a intercepção e gravação da comunicação telefónica estar sujeita a ordem ou autorização judicial, sob pena de nulidade insanável, como é geralmente entendido - o que bem se compreende pela delicadeza desta recolha de meio de prova -, as restantes operações de audição, eventual transcrição, e destruição de elementos desnecessários, correm igualmente sob estrito controlo do magistrado judicial.
Por razões de eficiência e dos necessários meios técnicos e humanos disponíveis, as operações materiais de intercepção e gravação correrão normalmente a cargo da Polícia Judiciária como entidade competente para a investigação criminal - n.º 2 do artigo 187º do CPP e artigo 18º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho. Daí não se recolhe, porém, a ideia de que lhe cabe seleccionar os elementos a juntar aos autos. Tal poder reside na esfera de competência do magistrado judicial.
No entanto, as alterações levadas a efeito pela Revisão de 98 do CPPenal espelham com suficiente clareza o objectivo de ultrapassar dificuldades práticas provenientes da necessidade de audição, pelo magistrado judicial, de todo o "material gravado", da selecção e ordem de transcrição dos excertos com interesse probatório a juntar aos autos.
Parece-nos ter ficado claro que o texto resultante da Revisão de 98 pretendeu evitar transcrições de gravações que se revelassem inúteis para efeitos probatórios; que é o juiz quem ordena a transcrição, quando necessária, o que supõe, obviamente, que alguém deve proceder à audição dos elementos gravados para efeito de aquilatar da sua relevância processual*.
Ora, o novo preceito do n.º 4 do artigo 188º confere ao magistrado judicial, quando o entender conveniente, que seja coadjuvado por funcionários do órgão de polícia criminal, o que lhe concede uma ampla margem de manobra funcional. Isto em busca da praticabilidade do sistema, o que também implica subtrair o magistrado à audição intensiva de gravações sem o menor interesse probatório, salvaguardadas as garantias essenciais do cidadão suspeito de actividades criminosas.
A nosso ver, podia o juiz proceder à audição ou decifração directa das fitas gravadas ou material análogo ou pedir a coadjuvação do OPC para esse efeito a fim de, sob seu controlo, efectuar essas operações, dando-lhe este conta, pela forma que entendesse mais ajustada (o que inclusivamente poderia ser fixado em despacho constante dos autos), do resultado dessa audição. Nada obstava, pois, a que o juiz ordenasse a audição da gravação pelo funcionário do OPC, sugerindo-lhe este, depois, as passagens relevantes para efeito probatório.
Embora se reconheça que a interpretação mais linear do regime legal, apesar da coadjuvação que o magistrado judicial pode solicitar ao órgão de polícia criminal, seja a da audição das fitas gravadas, quando é o caso, pelo próprio magistrado***, eventualmente em conjunto com o funcionário, ordenando de imediato a transcrição dos excertos que considere de interesse probatório.
No fundo, uma interpretação que se mostra agora mais clarificada pela alteração do n.º 1 do citado artigo 188º do CPPenal levada a efeito através do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, evidentemente não aplicável de forma directa ao caso, onde se diz:
"Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova **** ".
O que supõe, declaradamente, a audição prévia pelo funcionário do OPC.
Não se pode esquecer que para além das normas relativas ao sigilo (artigo 383º do CPenal), sobre o funcionário recaem outros deveres derivados do seu ofício cuja violação pode implicar igualmente responsabilidade não só disciplinar como criminal - especialmente pela prática dos crimes, de falsificação a que se refere o artigo 256º, n.ºs 1 e 4 do CPenal, ou de abuso de poderes ou violação de deveres inerentes às suas funções (artigo 382º).
Por outro lado, dúvidas que se suscitem ao juiz quer perante a sugestão quer pelo texto da transcrição tem sempre a possibilidade de confrontar a gravação e ordenar o que se mostrar adequado. O próprio funcionário pode ter dificuldades na transcrição, a superar segundo a instrução judicial.
Para além de tais garantias, a última das faculdades de controlo cabe ao arguido e ao assistente, bem como às pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, examinando o auto de transcrição para se inteirarem da sua conformidade com as gravações e da própria fidedignidade destas, designadamente quando na transcrição se faz a atribuição do conteúdo de uma determinada comunicação a certa pessoa.
O que importa é que as gravações estejam disponíveis quando os intervenientes têm a faculdade de proceder à verificação da sua regularidade e que a qualidade da gravação/audição seja suficiente para os fins em vista".
E já sobre a aplicação dos princípios ao caso concreto:
"Em verdade, não há uma rigorosa observância das disposições legais, na medida em que as gravações não são presentes oportunamente ao juiz de instrução para que ele as aprecie e ordene a junção aos autos, com transcrição dos excertos que considerar relevantes.
Não se ignora as flutuações de entendimento que ao tempo corriam no que concerne às transcrições, procurando os magistrados que elas fossem feitas pelos OPC e estes que o fossem junto dos magistrados pelos respectivos funcionários.
Porém, no caso dos autos, o juiz de instrução, mais do que uma posição activa de selecção dos excertos probatoriamente relevantes - o que implicava a audição directa ou uma audição sob o seu directo controlo - limitou-se a aceitar e "ratificar", certamente por não se lhe oferecer dúvida, as transcrições já efectuadas e a aceitar a desmagnetização de outras, conforme lhe foi proposto pelo Ministério Público.
O procedimento mais correcto, nessa altura, como o será hoje, já que estamos em face da aplicação de dois regimes, o anterior e o posterior a 1998, vai no sentido de não haver transcrições que não sejam ordenadas pelo magistrado judicial (hoje podem sê-lo, sob sugestão do OPC). (...)
Assim, os despachos de junção..., proferidos a posteriori das transcrições, não transportam uma correcta observância da lei, enfermando por isso de nulidade.
Só que, ..., a nulidade verificada, prevista nos artigos 188º e 189º é sanável, sujeita ao regime de arguição a que se referem os artigos 120º e 121º do CPPenal, como aliás preconiza a generalidade dos anotadores do Código de Processo Penal".
Numa posição ainda mais flexível seguia o acórdão de 16.08.96:
A exigência, estabelecida no n.º 1 do art. 188º do CPP, de que o auto e as fitas gravadas, ou elementos análogos, devem ser "imediatamente" levadas ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado, ou autorizado, as operações, deve ser entendida no sentido de "no tempo mais rápido possível" e o seu desrespeito poderá, eventualmente, dar lugar a um pedido de aceleração ou a procedimento disciplinar, mas nunca a uma nulidade.
Aspectos menores não deixam de subir à apreciação em recurso:
"O CPP não exige a transcrição das gravações em discurso directo; a circunstância de a transcrição ter sido feita no discurso indirecto não constitui a prática de uma nulidade e não se traduz numa diminuição das garantias de defesa dos arguidos".
3. Do que se deixa exposto, ficará suficientemente explícito que o sistema de escuta e gravação necessita de ser revisto e pormenorizado em alguns pontos, conferindo-lhe salvaguardas que tenham em conta a sua natureza excepcional de meio de investigação.
Por certo que urge a adopção de normas mais precisas sobre o disposto no artigo 190.º do CPPenal, nomeadamente sobre "comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática", tendo mesmo em conta toda a problemática que decorrerá da ratificação da Convenção do Conselho da Europa sobre a Cibercriminalidade, assinada em Budapeste, em 23.11.01, também por Portugal, na qual as medidas de processo penal constituem o leit motiv da Convenção.
Medidas que serão aplicáveis não só às infracções penais previstas na Convenção ( a dita cibercriminalidade), como a toda a infracção cometida por meio de um sistema informático e à colheita de provas electrónicas de qualquer infracção.
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Um Tempo e um Modo
O Tempo e o Modo foi uma revista de "pensamento e acção", lançada há 40 anos e dirigida por António Alçada Batista, Pedro Tamen e João Bénard da Costa. De 63 a 69, aí escreveram alguns portugueses ilustres e depois desses anos a revista derivou para o comunismo pró-chinês, dos agregados ao MRPP clandestino e que durou para além do 25 de Abril.
Na revista, nos anos setenta e durante o PREC escreveram, por exemplo, Pacheco Pereira, Fernando Rosas, Jorge Almeida Fernandes, João Ferreira de Almeida , João Martins Pereira e Arnaldo Matos. Acolhia também a visão da sociedade sem classes que o MRPP queria impor cá pelo burgo e por isso deu destaque a um nome emblemático do movimento, cujo perfil actual, o copista passa a escrito.
Maria José Morgado é nome de magistrada que o copista admira. Admite-se também a apreciação positiva do Mangadalpaca, entidade abstracta, mas de recorte concreto.
Porém, essas apreciações subjectivas de uma das personagens mais emblemáticas do MP em Portugal, não chegam para concitar a apoteose geral, nem sequer o consenso de qualidades que sem esforço parece ser devido, porque merecido.
Aquela magistrada do topo hierárquico do MP, ganhou notoriedade na passagem pela Polícia Judiciária e particularmente pela Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, vulgo DCICCEF, de Novembro de 2000 a Agosto de 2002.
Confessadamente, essa experiência afectou a autora do recente livrinho “O Inimigo sem rosto”, publicado pela D. Quixote e prefaciado pela autora em 27 de Agosto de 2003.
Aí se diz que “...é necessário definir estratégias adequadas de investigação criminal, acertar o passo entre polícias, MP e juizes, obter as condenações justas num tempo razoável. É preciso manter o vidro quebrado para obter resultados razoáveis no desmantelamento do crime económico organizado.” O mote de todo o livro e a lição que transmite é este: “A invisibilidade da grande corrupção foi das primeiras lições que me foram dadas pelos operacionais do combate ao crime económico, na minha breve comissão da PJ/DCICCEF.”
Esta capacidade de encantamento de alguém que já conta cerca de 25 anos de profissão e pouco mais de cinquenta de idade, é pouco vulgar no MP. A leitura do livrinho é refrescante e reveladora: é a primeira vez que alguém de “dentro” escreve para os de “fora” e o que se descreve é um sistema abafado pela “rotina soporífera do papel” no que se refere à investigação das entranhas da criminalidade económico financeira, em contraponto à necessidade estrita de inovação da investigação.
Até agora, poucos se atreveram a dizer, como ela o diz, que é preciso mudar e inovar. Nenhum escreveu um livro a denunciar o marasmo e a tentar mudar o panorama cinzento.
É óbvio pela leitura do livrinho e sabendo da vontade da autora em querer fazer coisas, que a mesma se encontra subaproveitada e, pior do que isso, colocada, malgré elle, numa prateleira dourada do Tribunal da Relação de Lisboa, como procuradora geral-adjunta, a dar pareceres nos processos submetidos à sindicância da Relação.
E no entanto, se recuarmos aí uns trinta anos, onde iríamos encontrar a Morgado?!
Pois...na prisão! Isso mesmo, na prisão das Mónicas, em 9.12.1974 , por onde já passara em 1973l e de onde a mesma escreveu uma carta, publicada na revista o Tempo e o Modo, de Novembro/Dezembro de 1974, com capa a verde e branco e fotografia a preto e branco de um desgraçado antifascista baleado "gravemente pelas balas da polícia de choque que protegia o comício fascista do C "D" S no dia 4 de Novembro", enquadradas pelo título “Morte ao fascismo” e “O povo vencerá”.
Essa carta, publicada na pág. 19 da revista, é acompanhada por um artigo de página dupla de “comunicado à imprensa”, do Tempo e o Modo, onde se menciona o “partido social fascista P”C”P , partido do traidor revisionista Barreirinhas Cunhal.
Perante esta linguagem idiossincrática, não espanta a referência à”têmpera revolucionária da camarada Maria José Morgado”.
CARTA DA CAMARADA MARIA JOSÉ MORGADO AO COPCON:
Mónicas, 9..12.74
A reclusa comunista Maria José Morgado, tem a informar ao COPCON e restantes reaccionários responsáveis pela sua prisão que, se estes julgam que conseguirão com estas prisões impedir que o povo leve até ai fim a sua luta contra o fascismo, e destruir a vanguarda revolucionária que o guia nessa justa e invencível luta, o glorioso MRPP, estão bastante enganados; tais prisões mostram claramente qual é a classe que o Governo Provisório serve e onde está a contra-revolução. Por isso esta reclusa informa ainda que a luta continua nos cárceres fascistas e social-fascistas, e como tal, tomou a seguinte decisão:
1 – Iniciar a partir de hoje dia 9, 2ª feira, uma greve de fome por tempo indeterminado.
2- O Governo Provisório só tem a escolher: entre deixar que a reclusa morra a fome ou colocá-la em liberdade, sem quaisquer condições.
Em caso da 1ª hipótese os únicos responsáveis são a Junta, O Governo Provisório e todos os partidos da coligação e a quem estes encobrem, tal como o já foram pelo assassinato de Vítor Bernardes, pelo estado grave de José Abrantes, pela repressão criminosa que abatem sobre os operários, os soldados e sobre o seu Partido. E tal como o são por todos os crimes cometidos e demais assassinos que defendem e encobrem.
3- A greve está iniciada.
Nada poderá deter aqueles que lutam por uma causa justa e que têm o Povo consigo; ao passo que todos os contra-revolucionários estão sozinhos, desesperados e condenados.
Abaixo a Nova-Pide!
Abaixo a repressão social-fascista do PCP!
Viva a revolução democrática e popular!
O MRPP vencerá porque o povo vencerá!
Morte ao Fascismo e aos seus colaboradores!
Maria José Morgado.
Hoje em dia, esta carta não pode deixar de provocar um sorriso condescendente sobre a aventura da juventude, como a própria Morgado já teve o fair play em reconhecer publicamente, num acto de arrependimento serôdio mas relevante para a consideração merecida.
Porém, o que de importante revela é a coragem, determinação, clareza nos objectivos ( mesmo os revolucionários e da época) e uma grande dose de voluntarismo .
Apesar disso, é provável que sejam essas mesmas qualidades que a tornaram e tornam persona non grata a quem tem a incumbência estrita de orientar o combate à criminalidade relevante que busca sempre o melhor meio de encher os bolsos à custa e com prejuizo da comunidade geral.
Não se percebe como alguém que na Polícia Judiciária foi capaz de obter sucesso onde alguns outros falharam, seja afastado e substiuído por alguém de perfil baixo e propício à calmaria e às águas paradas da burocracia.
Esta escolha deliberada do poder político não pode deixar de se considerar como uma clara opção política e mostra “claramente qual é a classe que o Governo” serve, no dizer da antiga e brava guerrilheira.
É por isso que o copista abre a portadaloja a ideias e conceitos de pessas com carácter e personalidade, certo de que é sabendo de onde alguém vem que se pode adivinhar para onde vai.
Porém, corrige-se essa trajectória de análise realçando a fundamentalidade do carácter. Um cobarde, um traidor ou um corrupto, são-no independentemente de qualquer ideologia. E é a esses que a Morgado deu caça. E por isso continua a ser imprescindível nessa tarefa.
E assim se dá um toque moralista a um artigo que não tinha essa pretensão.
quinta-feira, dezembro 11, 2003
Intermezzo: uma história de maçãs - revista e alterada
O LP Let it Be dos Beatles saiu em Inglaterra no mês de Maio de 1970. Foi reeditado ao longo destes anos e tenho uma versão do Lp original, prensada na Alemanha, em 1970, com o nº 1C 062-04 433, cheia de riscos, pops e clicks. Porém, adquirido no ano passado em feira de vinil antigo...
A Portugal, o disco chegou uns meses mais tarde, incluindo a versão de luxo, numa caixa cartonada, contendo ainda um livrito de fotografias das sessões de gravação. Lembro-me de ter essa caixa entre mãos, na loja comercial Sonolar, radicada em Braga e com sucursais noutros sítios e de a apreciar com vontade de ter, mas sem poder. Talvez por isso, o álbum mitificou-se.
A capa era uma composição quadriculada dos quatro elementos, em fotografias coloridas sobrepostas a fundo negro e sem a menção ao nome do grupo. Só o título: Let it be.
No mês de Agosto de 1970, o nº 9 da revista Mundo da Cançãoque se publicava no Porto e era distribuida pela Livraria Bertrand, fez na capa, a amarelo vivo e azul desmaiado, a reprodução da capa do disco e no interior as letras de duas canções do álbum: The Long and Winding Road e Two of us.
No início dos anos oitenta, em Portugal, a Valentim de Carvalho reeditou o disco. Em vinil e como o fez em relação aos restantes discos dos Beatles, numa reedição graficamente pobre e pouco cuidada, mas de utilidade segura para quem os não ouvira na época em que sairam. Foi nessa altura, em que gravei em cassete algumas das canções dos vários LP´s que também ouvi integral e detalhadamente certas composições que antes me tinham passado despercebidas. Duas delas foram exactamente, Two of Us e The long and winding road e a sonoridade do Lp ficou gravada no ouvido interno..
Com o aparecimento do compact disc, logo no início de 1983, com o revolucionário CDP-101 da Sony, era fatal a passagem ao suporte digital dos discos dos Beatles. Porém, não obstante a edição japonesa e remasterizada, de alguns CD´s do grupo de Liverpool, como por exemplo o cd Abbey Road, em 1984, a reedição integral da discografia, realizada pela Apple e EMI, só veio a acontecer em Outubro de 1987. Com pompa e circunstância. Na altura, a caixa do Let it Be edição especial, de 1970, foi passada a caixotinho de madeira, com persiana de correr e mais uma vez suscitou vontade de ter, mas sem muito querer. Ainda se torna possível ver aqui e ali o tal caixotinho, perdido em discotecas antigas.
Lembro o deslumbramento das primeiras vezes em que ouvi o som do cd: em Espanha, num Corte Inglês qualquer e exactamente o Sony CDP-101, protegido num rack de componentes quase esotéricos, para realçar a magia sonora, afinal mais psicológica do que real.
Na mesma época, a revista americana High Fidelity publicava artigos sobre o que os seus exigentes críticos pensavam sobre o compact disc. Comparavam os discos compactos com os LP´s reproduzindo estes em fabulosos Linn Sondek LP-12, com lendárias cabeças de leitura Shure V-15 Type V, no que só eram ultrapassadas pelos japoneses maníacos que manufacturavam essas cabelas de leitura para gira discos, montando-lhes autênticas jóias, em diamante puro e bruto e fios de ligas esotéricas e rebuscadas na tecnologia mais secreta.
Pois esses crânios punham lado a lado os mesmos discos - os primeiros, de música pop, foram o Bridge Over Troubled Water da dupla Simon & Garfunkel e 52nd Street de Billy Joel - a tocar em aparelhagem digital e analógica e faziam os seus aprimorados juizos.
Observações generalizadas: o cd oferecia um som de baixo mais rico e um som de percussão mais patente, mais tangível do que no LP. Porém, já alguns notavam na sonoridade das cordas da guitarra acústica de Paul Simon e nos solos de saxofone que o som do LP lhes parecia mais natural. Embora o som do compacto fosse mais detalhado e impressionante no poder de ataque ao ouvido, na balança da qualidade sonora, o LP ficava equilibrado e por vezes em vantagem. No entanto, era unânime a opinião que a ausência de pops e clicks e a facilidade de manuseamento e acesso às faixas, compensava a mudança de formato. O que veio a acontecer, rapidamente.
É por isso que hoje ouvi o recente Let it Be...Naked. O Let it Be gravado pelos Beatles, em estúdio e tal como terá sido entregue ao produtor americano Phil Spector, a fim de este lhe dar o habitual tratamento sonoro. A diferença pode agora ouvir-se. Durante anos a fio, pelo menos desde que a revista Rock & Folk, no número especial de Novembro de 1976 dedicado aos Beatles, escreveu a propósito do Let it be: "Du propre aveu de John Lennon , Let it Be, si les Beatles en avaient supervisionné la réalisation finale n´aurait rien eu de commun avec l´album que nous connaissons. Dans un instant d´indécision, le groupe confia les bandes du disque à Phil Spector, qui les emporta avex lui en Californie. Spector enroba de choeurs et de violons les morceauxs lents. Un peu plus tard, Paul McCartney se déclarait profondément déçu du traitement qu´avait subi The Long and Winding road."
Ora bem! Podemos agora ouvir e comparer e dizer se Paul McCartney tinha razão de queixa...ou não.
Ouvido e comparado o som desse cd e do cd saído em 1987, com o do Lp original de 1970 e o som de cassete gravada no já longínquo ano de 1982, do Lp de prensagem nacional saído nessa altura, qual a conclusão?!
Pois, apesar dos pops, clicks e do som um pouco mais embrulhado, a minha escolha vai para o som do...Lp de 1970! Isso quanto à qualidade do som em geral. A crítica da High Fidelity de 1983 ainda hoje é válida no que se refere à sonoridade do disco compacto:é mais versátil que o LP; o som por vezes é mais nítido e potente, mas falta-lhe uma certa doçura e ambiente sonoro intraduzível em zeros e uns.
E ainda outra constatação: o produtor Phil Spector que finalizou o master para o LP Let it Be fez um trabalho impecável e fantástico. Na minha modesta opinião, o McCartney não tinha razão: a versão de The long and winding road é mais poderosa, harmoniosa, equilibrada e perfeita do que a versão inicial e de estúdio gravada pelos quatro Beatles. O mesmo acontece com a composição de Lennon Across the Universe: prefiro a versão do Phil Spector, mas envolvida por sonoridades ambientes e ligeiramente mais arrastada.
A esta conclusão cheguei agora., depois destes anos todos e é mais um mito que se esboroa. Por mim , ainda bem. Let it Be.
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terça-feira, dezembro 09, 2003
Um Exemplo de cooperação MP-PJ.
Aqui se deixa registado o memorando ( e não despacho) redigido por um magistrado do MP, endereçado a uma directoria da PJ, algures no país, a propósito da investigação criminal, em sede de Inquérito dirigido por esse magistrado, de um crime de...corrupção em escolas de condução.
Para não se ferirem susceptibilidades, o copista optou por apagar todas as menções indicativas das pessoas e instituições concretas envolvidas, sendo certo que está convencido, através de conversas e trocas de impressões que o assunto relatado é "prata da casa" e história de proveito e exemplo:
Ex.mo Senhor director da Polícia Judiciária no (...):
Data : 2001
Assunto: memorando sobre
investigação criminal de crimes de corrupção,
na P.J. de (...) – Inquérito nº
No âmbito do Inquérito mencionado em epígrafe, na qualidade de magistrado encarregado de o “dirigir”, em (...), através de despacho do qual aliás dei conhecimento a V.ª Ex.ª, solicitei ao senhor coordenador da P.J. de (...) informação sobre o processo.
Esse pedido de informação foi atendido do modo seguinte:
“ Os presente autos encontram-se em investigação na P.J. podendo ser solicitados para consulta pelo M.P. sempre que o entenda conveniente, procedimento aliás habitual entre colegas do Ex.mo Sr. Procurador adjunto que subscreveu o despacho de fls...
Dispensando-me por isso de outras considerações sobre o teor daquele despacho, remetam-se os autos ao M.P. de (...) para apreciação do estado da investigação. “
Como tal despacho poderá ter sido escrito noutro estado de espírito que não o da simples colaboração entre um órgão de polícia criminal e uma autoridade judiciária, neste caso aquele que é suposto dirigir o Inquérito, venho mencionar tal eventualidade e fazer ao mesmo tempo uma resenha das diligências de investigação, no Inquérito em causa, com apreciação crítica das mesmas.
Neste aspecto, chamo a atenção para o facto de que a dinâmica que se tem estabelecido entre esta secção do M.P. e a Inspecção de (...) da P.J. raras vezes tem sido a melhor e nunca a desejável, com um entendimento entre profissionais que deveria pautar-se pela colaboração estreita para descoberta da verdade material relativamente aos factos que nos são denunciados e no final de contas para uma melhor administração da justiça.
Assim, o Inquérito em causa diz respeito a uma denúncia anónima efectuada à P.J. de (...) para investigação de corrupção de engenheiros examinadores para facilitar a obtenção de cartas de condução. São factos de que toda a gente já ouviu falar, porque são objecto de boatos, rumores e alvo de comentários no meio social em que nos inserimos. Aliás, como outros casos de corrupção de que se fala e a propósito dos quais nunca se logra obter prova concreta da sua verificação.
É a propósito da obtenção dessa prova que me permito, a seguir, tecer comentários, embora como titular do Inquérito saiba que é a P.J. quem tem a competência exclusiva para a investigação; que esta entidade não aprecia por aí além as investigações paralelas e que supõe, se calhar, que não deve prestar esclarecimentos ao titular do Inquérito se este não lhos pedir.
Esta prática, que me parece neste caso generalizada, parece-me também criticável porque afasta o titular do processo do andamento da investigação que se pode prolongar por muito tempo sem que esse controlo, em espírito de colaboração, se verifique. Assim, toda a táctica de investigação pertence à polícia, melhor dizendo aos agentes encarregados dessa investigação e até a estratégia passa a escapar ao titular do Inquérito que no fim de contas é entendido como uma espécie de juiz do processo, controlador da legalidade dos actos quando tal lhe é solicitado.
O modo como as investigações devem ser conduzidas, a melhor forma de as realizar, até a própria oportunidade de realização de uma ou outra diligência mais importante, escapa assim ao M.P., ou seja, ao magistrado que se diz ser o titular do processo, quem o dirige, etc.
Não me parece que tal faça muito sentido, mesmo que se interprete a lei existente, deste modo.
Para se fazer diferente e melhor, bastaria que os agentes encarregados da investigação dessem conta da mesma, periodicamente e mesmo que tal não lhe fosse solicitado, perdendo alguma autonomia mas ganhando talvez em eficácia no que se refere ao combate à criminalidade de colarinho branco, como é o caso.
Senão , atente-se no seguinte:
Em x.x.1998, a P.J. comunicou a instauração dos factos. Estes, não são novidade para ninguém no que se refere aos rumores e boatos que periodicamente circulam nos meios de comunicação social e não só. Basta falar com pessoas que alguma vez fizeram exame de condução para saber que podem realmente ter fundamento e são matéria de investigação para levar a sério. Refiro-me exactamente à eventual corrupção de engenheiros examinadores das escolas de condução.
Nessa participação mencionava-se o nome de uma suspeita da prática desse crime – Fulana de Tal, da direcção de P. da DGV – e dava-se a indicação de elementos concretos sobre pormenores das fichas dos alunos da escola de condução, com referência expressa ao cuidado a ter com valor e o nome do angariador e a atenção ás datas dos exames teóricos feitos na escola e das pautas e as datas das cartas de condução. Entendeu a entidade investigadora proceder a uma busca que foi realizada em 3.11.1998. Do resultado dessa busca só agora tomei conhecimento, por ter pedido a informação. Será importante tal facto? Parece-me que sim e foi a partir da mesma que se desenvolveram todas as investigações ulteriores. Mas quais investigações?! Apenas vejo a inquirição de alguns dos alunos cuja identificação consta das fichas apreendidas (46 originais). Foram ouvidos cerca de 33 alunos que com excepção de um único, negaram ter conhecimento directo de factos como os denunciados. Esse que constitui excepção contou pormenorizadamente o que se passou consigo e que os factos a serem confirmados permitem indiciar a prática de crime como o denunciado.
Não obstante, é essa a única vertente da investigação tal como foi determinado por alguém cuja identificação no processo apenas consta como sendo B.(?) que em 19.4.1999, escreveu textualmente:
“Prossiga, inquirindo os ex- alunos da escola de condução ´Tal de Tal` com vista a apurar a veracidade dos factos denunciados tendo em atenção que alguns deles poderão remontar ao ano de 1993.”
Ou seja, em 3.11. 1998 realizou-se a busca e logo ficou devidamente documentado o resultado da diligência;
Em 19.4.1999, por ordem verbal, foi o processo concluso e foi despachado do modo descrito.
Em 14.12.2000 foi novamente alvo de despacho do mesmo , no qual se diz expressamente:
“ Prossiga, mantendo-se o meu despacho de fls. 200, devendo providenciar para que o processo seja concluido com a brevidade possível.”
Resta dizer que com a data de 14.9.1998, o agente C. informou superiormente no processo através de cota que então lavrou que recebeu uma chamada telefónica anónima em que se reafirmavam as suspeitas de existência de corrupção envolvendo os denunciados e ainda a referência explícita a outros nomes de engenheiros da DGV de P. Ficou então consignado o modus operandi relativamente ao processo de corrupção.
Apesar disso e desde então, com início em 5.1.01, foram recolhidos os depoimentos das 33 pessoas referidas e foi entretanto solicitada a inquirição por via precatória de outras pessoas que fizeram exames e que estão identificadas nos autos.
E é esta toda a investigação, passados que estão mais de dois anos e meio do início do Inquérito.
Poderá dizer-se “É a investigação possível”... mas, salvo o devido respeito, não é!
Se a inquirição se destinava a apurar a “veracidade dos factos” (sic), há muito que deveria ter sido reconhecida essa veracidade, atentas as considerações vertidas acima. Se se procurava a obtenção de indícios acerca dos factos denunciados, então já se perdeu imenso tempo e não parece que a orientação da investigação, neste caso, seja a melhor para conseguir esse desiderato. Repare-se:
Em 6.1.2001, uma das testemunhas reconhece ter entregue dinheiro a troco de favorecimento na passagem do exame. Refere quem foram as pessoas envolvidas, etc. Apesar disso, as inquirições prosseguiram e prosseguem à espera do cumprimento de precatórias, sendo previsível que tal consuma mais alguns meses de investigação e que no fim de contas tal se revele como completamente inútil. Basta que os depoimentos, como também se torna previsível, sejam consonantes com os 32 que já constam dos autos.
É esta crítica objectiva que me permito fazer ao método de investigação que no caso concreto foi adoptado. Método esse que nunca foi comunicado ao magistrado que é suposto dirigir o processo e que no fim de contas nada poderá controlar, a não ser que avoque o processo. Poderá fazê-lo? Claro! Deverá fazê-lo, nesta fase? Tenho as maiores dúvidas. Depois desta exposição que evidentemente não pretendo fazer incluir no processo, tenho que comunicar o meu grande cepticismo relativamente ao sucesso da investigação.
Assim, antes de ponderar seriamente essa avocação, comunico a V.ª Ex.ª os factos, aliás em segredo de justiça, a fim de num derradeiro esforço de correcção da estratégia de investigação, poder avaliar a necessidade de “investigar a investigação” , com as consequências daí decorrentes sendo certo que me parece ter já existido negligência na abordagem dos factos denunciados e no tratamento dos mesmos.
Com os melhores cumprimentos,
O procurador adjunto,
Tendo o copista perguntado se houve resposta ao memo, a resposta foi: não! E o processo? Arquivado, pois então!
Grande país!
A discussão, hoje, é no Público
O jornal Público de hoje abre as páginas 8 e 9a vários intervenientes na área sensível da justiça penal: lá vem o inevitável juiz Rui Teixeira, dando palpites sobre organização e métodos da PJ/MP, como se alguma vez lá tivesse estado e soubesse o que lá se passa; lá vem o bastonário dos advogados, José Miguel Júdice, que pela enésima vez repete as ideias já sobejamente conhecidas sobre o mesmo assunto; lá vem o regressado António Cluny, magistrado do MP no Tribunal de Contas e que já deu conta ( e bem) do Sindicato do MP e que sabe falar politicamente correcto, como ninguém; lá vem também um sindicalista da PJ, Manuel ROdrigues, a inventar uma guerra surda entre juizes e procuradores e lá vem uma autêntica revelação nestas lides: Plácido Conde Fernandes, magistrado sindicalista do MP e que já por mais de uma vez mostrou que tem ideias claras e determinadas sobre o mesmo assunto. Tomara que fossem as certas!
Sim, porque o copista acha o assunto muito difícil e armadilhado.
As competências da PJ e do MP definidas legalmente, sobrepôem-se em certas investigações e isso gera problemas e conflitos que não tem sido resolvidos com as sucessivas alterações legislativas.
Para além disso, a opinião dos especialistas - mestres, magistrados e advogados- varia conforme as diferentes idiossincrasias. Defende-se a dependência estrita da polícia perante a magistratura e defende-se o seu contrário. OS argumentos de um e outro lado, aparentemente convencem os incautos, construindo algumas vezes falácias interessantes mas perigosas, porque enganadoras.
Como exemplo concreto desses conflitos e da dificuldade em resolver a difícil equação, o copista tem em mãos um despacho de um magistrado do MP que conta colocar aqui como mais uma história de proveito e exemplo.
Para já, fica a leitura das duas páginas do Público.
segunda-feira, dezembro 08, 2003
Mangadalpaca strikes again! Copista perplexo também.
COmo já foi revelado, Mangadalpaca é cognome de um ou vários comentadores e glosadores de temas, assuntos e fenómenos actuais diversificados. Confundindo-se, por vezes, com uma prosa satírica ou de declarações não sérias, aqui se pode encontrar uma voz alheia a consequências que o seu conteúdo possa induzir.
Dito isto, cá temos de novo o Mangadalpaca entre nós, e é com todo o prazer que ficamos à porta da loja, a ler o texto que segue, de acidez certa e frescura reineta, ou seja, muito saborosa:
Mangadalpaca tem razões de sobra para se sentir confuso e intrigado. Tudo isto a propósito de posições públicas assumidas por personalidades de relevante valor e responsabilidade. É o caso do Prof. Dr. Rui Pereira, ex-director do SIS (lembram-se?).
O dito professor é, agora, membro do Conselho Superior do Ministério Público, indicado pela Assembleia da República, e defendeu - quando ouvido nessa mesma Assembleia da República, na 1.ª Comissão (de Assuntos Constitucionais ...), no âmbito do processo de revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal – que os juizes que aplicam penas privativas de liberdade ou medidas de segurança deviam ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos.
Na verdade, Mangadalpaca lembrou-se de um amigo seu lhe ter dito que os juizes que são nomeados para Varas Criminais e Tribunais de Círculo (que, por regra, podem aplicar penas de prisão superiores a cinco anos) têm, a maior parte deles, menos de trinta e cinco (35) anos.
Ora, Mangadalpaca não pôde deixar de pensar que tal entendimento é um verdadeiro anátema sobre o que vem sendo, afinal, a Justiça Penal. Será, por isso, então, que as prisões portuguesas estão cheias de reclusos? Por serem juizes com menos de 35 anos a julgar (e a condenar)?
Porém, as interrogações e perplexidades não se ficaram por aí...
É que teve conhecimento que a Dra. Dulce Rocha, Procuradora da República, actualmente em funções como Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens (a mesma que defendeu que o poder correctivo dos pais, vulgo castigo, fosse considerado crime) defendeu a castração química para os abusadores sexuais de menores.
Leu, também, na Notícias Magazine de 07/12/04, que a Dra. Rute Garcez (a primeira mulher juiz - ou juíza se se preferir -, em Portugal, actualmente desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa e co-fundadora da Associação Portuguesa das Mulheres Juizes) defende posições idênticas à do Dr. Rui Pereira e à da Dra. Dulce Rocha. Leia-se o excerto da entrevista concedida à dita revista:
...
NM: Também criticava o acesso de jovens à magistratura, considerando que lhes falta maturidade e tarimba. Mantém a mesma opinião?
RG: Mantenho. Acho que a magistratura exige experiência.
NM: O juiz Rui Teixeira é jovem. Considera-o inexperiente par um processo como o da Casa Pia, mesmo não sendo ele que o vai julgar?
RG: É jovem. Mas quem faz a lei e permite esse acesso não são os juizes, são os políticos. No entanto, não quero dizer que o juiz Rui Teixeira não está apto para as funções. Há excepções....
NM: A violação de mulheres era, do seu ponto de vista, dos crimes mais horrendos. Chegou a dizer que, se tivesse o poder de fazer leis, a pena que imporia aos violadores seria a castração. Admitindo que considera o abuso sexual de crianças um crime ainda mais horrível, que pena acha que devia ser aplicada aos abusadores?
RG: Também a castração. Como dizemos na área criminal, seria a apreensão da arma do crime.
...
Mangadalpaca ficou sem saber o que pensar!
Mas, então, ou estas magistradas - que assumiram estas posições -, têm andado a interpretar os valores e princípios do Código Penal de acordo com critérios muito próprios ou, então, a avaliar pela idade das mesmas (estão ambas no respeitável limite para além dos trinta e cinco anos, e, ademais, é feio revelar a idade das senhoras), se é um risco a aplicação da Justiça penal por juizes com menos de 35 anos (que andarão, segundo o Prof. Dr. Rui Pereira, a perverter a filosofia inserta no Código Penal)....é melhor nem sequer pensar no que seria uma Justiça penal feita por juizes com idades mais provectas (como as mencionadas)....
Mangadalpaca acha, sinceramente, que os maiores receios do dito professor de Lisboa deviam, afinal, voltar-se para um escalão etário que inspirará mais apreensões – aquele em que se incluem as identificadas magistradas.
Por outro lado, surge uma nova questão: existe um sistema de recursos em matéria penal, ou não? Se o condenado se considera mal condenado a uma pena privativa de liberdade, não pode recorrer para um Tribunal superior, onde, por norma, estarão magistrados com mais de trinta e cinco anos, que poderão corrigir eventuais erros e excessos? Ora, o problema é precisamente esse....se lá estão magistradas (ou magistrados) como a Dra. Dulce ou a Dra. Rute, o condenado deve pensar duas vezes antes de recorrer...
Enfim, Mangadalpaca interroga-se se há-de preferir juizes jovens a condenar em penas de prisão ou magistrados serôdios a pugnar por penas que julgava já esconjuradas por múltiplas Convenções e Tratados Internacionais a que Portugal se obrigou e que justificam, de resto, a proibição de extradição de cidadãos se lhes for aplicável nos países que a pedem.
Mangadalpaca confessa, humildemente, ter ficado aturdido com estas teses recentes, de gente com responsabilidades mais que reconhecidas. Muito mais do que as suas...de mero Mangadalpaca.
Bem, o Mangadalpaca fica aturdido e o copista perplexo e pensativo, para não dizer pensativante, aplicando o neologismo criado pelo ilustre prof. Carlos Amaral Dias, que tanto tem sido acarinhado no mundo dos blogs.
E de tanto pensativar, até já chegou a uma conclusão prévia e apressada: a de que esses ilustres magistrados e mestres andam a...pensativar também!
O problema, porém, é que o pensativamento deles, encontra sonoro eco nos círculos de poder e faz carreira nos domínios obscuros da lege ferenta, ou por outras palavras, das leis que por aí vêm.
Seguindo a tendência das grandes superfícies comerciais, o copista acha que esses pensativadores eméritos, compram lá fora, no grande centro de compras da União Europeia, as ideias que depois vendem cá dentro, a bom preço, sem controlo de qualidade, porém.
Neste mercado, já se vai notando o poder da oferta. E também neste caso, o consumidor eleitor-governante, está carente de apoio para escolher o fruto melhor e não o mais agradável à vista.
É essa também a razão de ser do portadaloja: nos desabafos e diletâncias, vai misturada uma dose de forte crítica, à fruta que vemos disponível no mercado e que não nos agrada, por ser demasiado brilhante, mas ensossa e indigesta.
Coligindo uma velha sentença de Jesus Cristo,no Evangelho: a Árvore, conhece-se pelos seus frutos.
Dito isto, cá temos de novo o Mangadalpaca entre nós, e é com todo o prazer que ficamos à porta da loja, a ler o texto que segue, de acidez certa e frescura reineta, ou seja, muito saborosa:
Mangadalpaca tem razões de sobra para se sentir confuso e intrigado. Tudo isto a propósito de posições públicas assumidas por personalidades de relevante valor e responsabilidade. É o caso do Prof. Dr. Rui Pereira, ex-director do SIS (lembram-se?).
O dito professor é, agora, membro do Conselho Superior do Ministério Público, indicado pela Assembleia da República, e defendeu - quando ouvido nessa mesma Assembleia da República, na 1.ª Comissão (de Assuntos Constitucionais ...), no âmbito do processo de revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal – que os juizes que aplicam penas privativas de liberdade ou medidas de segurança deviam ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos.
Na verdade, Mangadalpaca lembrou-se de um amigo seu lhe ter dito que os juizes que são nomeados para Varas Criminais e Tribunais de Círculo (que, por regra, podem aplicar penas de prisão superiores a cinco anos) têm, a maior parte deles, menos de trinta e cinco (35) anos.
Ora, Mangadalpaca não pôde deixar de pensar que tal entendimento é um verdadeiro anátema sobre o que vem sendo, afinal, a Justiça Penal. Será, por isso, então, que as prisões portuguesas estão cheias de reclusos? Por serem juizes com menos de 35 anos a julgar (e a condenar)?
Porém, as interrogações e perplexidades não se ficaram por aí...
É que teve conhecimento que a Dra. Dulce Rocha, Procuradora da República, actualmente em funções como Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens (a mesma que defendeu que o poder correctivo dos pais, vulgo castigo, fosse considerado crime) defendeu a castração química para os abusadores sexuais de menores.
Leu, também, na Notícias Magazine de 07/12/04, que a Dra. Rute Garcez (a primeira mulher juiz - ou juíza se se preferir -, em Portugal, actualmente desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa e co-fundadora da Associação Portuguesa das Mulheres Juizes) defende posições idênticas à do Dr. Rui Pereira e à da Dra. Dulce Rocha. Leia-se o excerto da entrevista concedida à dita revista:
...
NM: Também criticava o acesso de jovens à magistratura, considerando que lhes falta maturidade e tarimba. Mantém a mesma opinião?
RG: Mantenho. Acho que a magistratura exige experiência.
NM: O juiz Rui Teixeira é jovem. Considera-o inexperiente par um processo como o da Casa Pia, mesmo não sendo ele que o vai julgar?
RG: É jovem. Mas quem faz a lei e permite esse acesso não são os juizes, são os políticos. No entanto, não quero dizer que o juiz Rui Teixeira não está apto para as funções. Há excepções....
NM: A violação de mulheres era, do seu ponto de vista, dos crimes mais horrendos. Chegou a dizer que, se tivesse o poder de fazer leis, a pena que imporia aos violadores seria a castração. Admitindo que considera o abuso sexual de crianças um crime ainda mais horrível, que pena acha que devia ser aplicada aos abusadores?
RG: Também a castração. Como dizemos na área criminal, seria a apreensão da arma do crime.
...
Mangadalpaca ficou sem saber o que pensar!
Mas, então, ou estas magistradas - que assumiram estas posições -, têm andado a interpretar os valores e princípios do Código Penal de acordo com critérios muito próprios ou, então, a avaliar pela idade das mesmas (estão ambas no respeitável limite para além dos trinta e cinco anos, e, ademais, é feio revelar a idade das senhoras), se é um risco a aplicação da Justiça penal por juizes com menos de 35 anos (que andarão, segundo o Prof. Dr. Rui Pereira, a perverter a filosofia inserta no Código Penal)....é melhor nem sequer pensar no que seria uma Justiça penal feita por juizes com idades mais provectas (como as mencionadas)....
Mangadalpaca acha, sinceramente, que os maiores receios do dito professor de Lisboa deviam, afinal, voltar-se para um escalão etário que inspirará mais apreensões – aquele em que se incluem as identificadas magistradas.
Por outro lado, surge uma nova questão: existe um sistema de recursos em matéria penal, ou não? Se o condenado se considera mal condenado a uma pena privativa de liberdade, não pode recorrer para um Tribunal superior, onde, por norma, estarão magistrados com mais de trinta e cinco anos, que poderão corrigir eventuais erros e excessos? Ora, o problema é precisamente esse....se lá estão magistradas (ou magistrados) como a Dra. Dulce ou a Dra. Rute, o condenado deve pensar duas vezes antes de recorrer...
Enfim, Mangadalpaca interroga-se se há-de preferir juizes jovens a condenar em penas de prisão ou magistrados serôdios a pugnar por penas que julgava já esconjuradas por múltiplas Convenções e Tratados Internacionais a que Portugal se obrigou e que justificam, de resto, a proibição de extradição de cidadãos se lhes for aplicável nos países que a pedem.
Mangadalpaca confessa, humildemente, ter ficado aturdido com estas teses recentes, de gente com responsabilidades mais que reconhecidas. Muito mais do que as suas...de mero Mangadalpaca.
Bem, o Mangadalpaca fica aturdido e o copista perplexo e pensativo, para não dizer pensativante, aplicando o neologismo criado pelo ilustre prof. Carlos Amaral Dias, que tanto tem sido acarinhado no mundo dos blogs.
E de tanto pensativar, até já chegou a uma conclusão prévia e apressada: a de que esses ilustres magistrados e mestres andam a...pensativar também!
O problema, porém, é que o pensativamento deles, encontra sonoro eco nos círculos de poder e faz carreira nos domínios obscuros da lege ferenta, ou por outras palavras, das leis que por aí vêm.
Seguindo a tendência das grandes superfícies comerciais, o copista acha que esses pensativadores eméritos, compram lá fora, no grande centro de compras da União Europeia, as ideias que depois vendem cá dentro, a bom preço, sem controlo de qualidade, porém.
Neste mercado, já se vai notando o poder da oferta. E também neste caso, o consumidor eleitor-governante, está carente de apoio para escolher o fruto melhor e não o mais agradável à vista.
É essa também a razão de ser do portadaloja: nos desabafos e diletâncias, vai misturada uma dose de forte crítica, à fruta que vemos disponível no mercado e que não nos agrada, por ser demasiado brilhante, mas ensossa e indigesta.
Coligindo uma velha sentença de Jesus Cristo,no Evangelho: a Árvore, conhece-se pelos seus frutos.
sexta-feira, dezembro 05, 2003
Introducing...
Antes das escutas, ainda, é tempo de abrir a porta a um ilustre frequentador da loja: o Mangadalpaca trouxe uma história interessante que se publica tal e qual foi recebida, sendo história de proveito e exemplo:
Para que fique a constar dos registos da portadaloja, Mangadalpaca é cognome de um ou de vários comentadores e glosadores de temas, assuntos e fenómenos actuais diversificados. Confundindo-se, por vezes, com uma prosa satírica ou de declarações não sérias, aqui se pode encontrar uma voz, alheia a consequências que o seu conteúdo possa induzir.
Mangadalpaca não é tão cosmopolita como gostaria. No entanto, tem tido contactos com alguns amigos estrangeiros.
Não há muito tempo, um desses amigos, interpelou-o, perguntando-lhe:
- Por que razão, estando tão desacreditada a Justiça, o aparelho judicial, no seu país, há um completo bloqueio do sistema? Existe um recurso maciço ao sistema por parte dos cidadãos, de empresas e instituições, a todos os níveis, aparentando, afinal, que se acredita na Justiça. Recorrendo tanto à Justiça, tal facto só poderia ter uma leitura: as pessoas que a ela recorrem, é porque acreditam nela!
Dir-se-ia ser, de facto, um paradoxo, tão incompreensível como o motivo propalado por políticos de vários quadrantes, que já lobrigaram na morosidade da Justiça em Portugal a verdadeira razão da falta de competitividade das empresas.
Mangadalpaca tentou contrapor, dizendo a esse amigo que as verdadeiras causas do bloqueio do sistema são os milhares de acções cíveis intentadas por empresas contra pessoas sobreendividadas, principalmente nos grandes centros urbanos, o que gera situações impensáveis de pôr juízes e funcionários a cobrar dívidas, em vez de julgar. Ademais, há o magno problema – diagnosticado num estudo datado de certos universitários de Coimbra, mas que continua a ser referência para todo o escriba bem-pensante que se preze – de o sistema judicial ser obsoleto, os magistrados serem velhacos, que só pensam em aumentar vencimentos e ver televisão, com práticas retrógradas e acríticas, os funcionários serem calaceiros e os únicos que poderiam mudar o panorama, os tais universitários, serem tão poucos, que nunca o conseguiriam fazer.
Mas o amigo estrangeiro objectou, dizendo a Mangadalpaca:
- É curioso. No meu país isso também sucede e o diagnóstico é exactamente o mesmo. Um grupo de universitários que integra uma órbita de investigação sociológica fez precisamente o mesmo tipo de observações relativamente ao meu país. Mas....a verdade é que passei uns dias a observar o que se faz em vários Tribunais e constatei que os magistrados se fartam de permanecer no seu local de trabalho, certamente por ser muito mais agradável do que estar em casa ou alhures, os funcionários também e as pessoas que lá iam nem eram muito mal tratadas, comparado com o que vira suceder nuns hospitais públicos e até num privado, digo, público mas de gestão privada e com o que se passa em muitas escolas, em que os próprios professores são agredidos e não protestam.
Porque será que as pessoas exigem mais do sistema judicial? Como se devesse ser um subsistema de luxo?!
Mangadalpaca ripostou, fazendo notar ao amigo que o que deveria acontecer, mesmo num país onde nada funcione, era que a Justiça – precisamente por isso, por nada funcionar – funcionasse exemplarmente, para poder actuar sobre os inadimplentes, para fazer a diferença. Isso é o verdadeiro Estado de Direito em abundância: pode faltar tudo, menos Justiça!
O amigo estrangeiro de Mangadalpaca, não totalmente convencido com as justificações deste, respondeu-lhe:
- Já vi que o meu amigo é muito bem intencionado...chegaremos alguma vez a uma tal situação? Será que vamos ter um sistema judicial de excelência, num cenário de desmantelamento do Estado Providência, de desregulamentação de vários sectores de actividade, de uma gestão autárquica e territorial devastadora de depredação, de políticas de transporte e habitação catastróficas, etc. etc. etc.?
E, dito isto, o amigo de Mangadalpaca apanhou um táxi para o aeroporto, onde apanhou um avião pontualmente atrasado uma hora, e que não era da TAP.
quinta-feira, dezembro 04, 2003
Um conceito de injustiça
Antes das escutas, let´s look at a trailer:
O que se segue é copiado de um site dedicado a John Rawls e à crítica aos seus ensinamentos, legado de um certo AlVino que anda por aí a blogar:
"What is injustice?
The word 'justice' has a special meaning in social philosophy - different from its general use. The comic strip idea of justice is probably closest to the general use of the word, and it usually involves a specific injustice. Imagine: in a cell in a small town in the desert, a woman is being tortured by the secret police. Suddenly, the Galactic Avengers storm through the door. They vaporise the torturers with their ray-guns, and liberate the woman. This is the image most people have of 'justice' - that it means the ending of injustice, the ending of specific injustices. It may be a negative definition, but I find it more moral than the approach of social and moral philosophers.
What happens if, instead of the Galactic Avengers, a philosopher storms into the torture cell? Will he stop the torture? No, even if he did have a ray-gun. That is not what social philosophy is about. He will note that the woman complains, that she is being subjected to injustice. Then he will go out to buy a copy of the Constitution, and examine the structure of the society. If he is a liberal-democratic philosopher, he will look at the guarantees of civil and political rights in the Constitution, and the structure of government. Is there freedom of opinion? Is the country under the rule of law? Is there a separation of powers between the executive, legislative, and judicial branches. Is there political plurality, and can political parties compete for power? Are there free and fair elections? Non-liberal social philosophers might have different criteria, but they too will look at the structure of society.
If the liberal-democratic social philosopher is satisfied with the society he finds, he would then go back to the cell, and inform the woman that the society was just. If she complained that she was still being tortured, and that she found that unjust, the philosopher would explain that social philosophy is not about individual cases. He would point out, that she could apply to an independent judiciary to be released. If she was tortured to death first, her friends or family could file later criminal charges against the torturers, and that complaint would be assessed by a fair and independent tribunal. And after explaining to the woman that she lived in a just society, the philosopher would leave.
Social and political philosophy, in other words, is not concerned with ending a specific injustice. There is no branch of ethics which is concerned with specific injustices, although they may be used as examples. For philosophers, 'justice' is primarily a term which describes a society and its social structures. If the society possesses certain qualities, then it is 'just'. The fact that individuals in that 'just society' claim that they are victims of injustice is not seen as ethically relevant - no matter what is being done to them.
In the dominant liberal tradition in ethics, the "justice" of a society is assessed largely in procedural terms. Liberal philosophy always places great emphasis on procedure, fair procedure. The ability of citizens to present a complaint to an independent tribunal, is a typical example of a procedure, which is valued by liberals. If the judges reject the complaint, that is simply not relevant for the liberal assessment of that society or state. For them, the specific outcome of any fair process is not relevant. Indeed, the slogan "process legitimises outcome" is probably the shortest summary of liberal philosophy. When the procedures are absolutely fair and comprehensive, then for the liberal the society is just. This is certainly one of the underlying principles in the work of John Rawls, although he is rarely concerned with procedural details. Nevertheless it is also probably true, that for every injustice, a procedure can be devised of which it is the outcome.
So in the dominant liberal tradition, the existence of injustice is considered a non-relevant background factor, like the weather. People might complain that it is raining, but for the liberal philosopher, a "just society" does not mean that the rain stops. Equally, people might complain that they are being subjected to injustice, but for the liberal philosopher, a "just society" does not mean that the injustice stops.
It is easy to see, that this can be a licence for all forms of injustice. The philosopher - in stating that the society is "just" - becomes a propagandist for the regime. This is clearly the role played by liberal political philosophers, when confronted with the extreme inequalities typical of liberal market democracies. It is the philosophers who explain to the poor that poverty is not unjust, and that inequality is not tyranny. This propagandist role is a defect of liberal justice theory in general, rather than of the individual philosophers - although they bear personal guilt for having chosen to play the role.
The alternative is simple: ethics should not concern itself with 'justice', but with injustice - and how to end it. Some social philosophers have taken this approach. They try to define injustice, but this in itself carries the risk of 'defining away' other peoples claims of injustice. Iris Marion Young, for instance, listed five 'categories of oppression' - exploitation, marginalisation, powerlessness, cultural imperialism and violence. Her book Justice and the Politics of Difference (Princeton University Press, 1990) was part of the communitarian critique of liberalism, and treats the ethnic minorities in the United States as a paradigm for 'the oppressed'. Any definition of injustice will probably be culturally and politically specific to the society in which it was written. So I will simply list some criteria or characteristics here, which can be used to identify injustice.
To begin with, an injustice is a harm. It is however a self-defined harm. If people say they are suffering harm, then they are. If you abandon the self-definition, you might as well abandon the word 'harm' anyway.
Secondly, injustice is the result of human action. People suffer harm from natural disasters, but they are not in themselves considered unjust. However, many so-called 'natural disasters' result when poor people are forced by economic necessity to live in zones of known high risk - volcanic slopes, flood plains, geologically unstable hillsides in cities. As I first wrote this section, mudslides killed 34 people in hillside slums in the State of Rio de Janeiro. The fact that the poor are forced to live there, while the rich are free to avoid the risk, is an injustice. It is a result of conscious human decisions, in this case a failure to take action. The rich failed to invite the hillside slum dwellers into their safe homes, the government failed to resettle them, and they can not afford to resettle themselves. The Associated Press report commented: "Mudslides in hillside shantytowns unfit for the construction of houses kill dozens of Brazilians every year. Local authorities usually are unable to persuade slum dwellers to leave danger areas as they are too cash-strapped to offer alternative housing." Neither the rich, nor the government, decided that there should be a landslide which kills slum residents - but nevertheless they act unjustly toward them. It is a characteristic of injustice, that at some point, some person consciously acted (or consciously failed to act), and that this action or inaction is a contributory cause of the subsequent harm.
A third criterion for identifying injustice is that there is no remedy. If a harm can simply be turned off like a tap by the victim, then it seems less of an injustice. If I am sitting watching TV and I don't like the programme, I can simply zap to another programme. It would not be right to claim, that the makers of the programme treated me unjustly. However, poor people have no device, which they can point at rich people, to instantly redistribute their wealth. Certainly in liberal societies there is no remedy for inequality of wealth. The behaviour of elites is often offensive: they display their wealth and status in public as if there was no moral issue involved. However there is nothing I can do about it: there is no legal procedure by which I can prevent an arrogant snob driving around in a Rolls Royce. The behaviour is acceptable for the criminal and civil law, there is no basis for any legal claim on the issue, and I can not apply to any institution for compensation. In general, these characteristics are also typical of injustice.
Injustice is usually systematic and repeated, and this is a fourth identifying characteristic. Discrimination in employment is a good example: its social effect derives from the fact that there are thousands, millions, of cases. Discriminated individuals can also expect to be discriminated repeatedly. There is no such thing as a one-racist society. If discrimination was something which only happened to one person, once in history, it could be treated as a bizarre incident, rather than as injustice.
A fifth characteristic of injustices is some form of forced inclusion. If you could run away from every harm, then you would suffer no injustice. In most cases, the inclusion is within a 'society' - and its general modern form is the nation state. The poor are not a a nation, and can never secede. However forced inclusion also occurs at a smaller scale, within a family for instance.
A sixth characteristic of injustice is that it is often visible and open. You can see that the poor are poor, and certainly you can see that they are not as well dressed as the rich. Not being 'well dressed' by the local standards can be a cause of shame, and can directly limit social contacts. Clothes confer status, and usually the more expensive the brand, the higher the status. It is not just an aspect of youth culture: the social class of individuals in most societies can be assessed by their appearance. The disadvantaged are not legally obliged to wear a sign reading "Disadvantaged" - but the effect is often the same.
A seventh related characteristic is that the victim of injustice acquires a specific status derived from the injustice. To begin with, the status of 'victim' itself. The most obvious and pervasive derivative status is a lower social class. All modern societies have social classes, and all societies group them in a vertical hierarchy. There is always an upper class and a lower class, they are not equal neighbours, in the way that friendly nations are. It is true that there are class-specific cultures - valued by the members of the class - and that not everyone seeks social mobility. Nevertheless, in general, membership of the lower class is a disadvantage maintained by injustice. The working class child in Britain will generally be refused a place at the elite universities of Oxford and Cambridge - that is the way their selection procedures work. The point is, that this kind of selection procedures help to create the lower class. Certainly, if rigorous and repeated, they can sharpen class divisions, and produce hereditary elites within a few generations.
This indicates an eighth characteristic of injustice, namely that it is cumulative. The person disadvantaged by an injustice, will probably be further disadvantaged as a result. A traumatised victim of war, displacement, rape and torture, in Britain as a refugee, will probably never be admitted to Oxford or Cambridge. These universities would not "lower their standards" simply because a candidate had suffered terribly. A meritocracy is always harsh: the weak always suffer. In suffering they become weaker, and therefore - in the logic of a meritocracy - deserving of furthering suffering. It is typical of liberal-democratic societies - which are largely meritocracies - that the people at the bottom of the social ladder are trapped in a downward spiral. The existence of such cumulative disadvantage, and downward spirals, is itself an indicator that injustice is prevalent in a society.
These eight criteria, again, are not intended to be exclusive. They help to identify injustice, particularly social injustice, but I would not deny a justice claim simply because none of them are present. Similarly there are certain processes which are associated with injustice. Again this is not an exclusive list, but they include: selection, competition (including economic competition among nations) stigmatising individuals or groups, the deliberate possession of distributable advantage, and the blocking of redress or remedy for earlier injustice. They also include political and intellectual action to propagate, advocate, defend or replicate injustice. The justice theories of philosophers such as John Rawls are themselves unjust. Certainly their application is unjust, and presumably the authors intend that they should be taken seriously by governments and policy-makers.
These lists of criteria and process also allow an answer to the question: who is unjust? The unjust are often clearly identifiable, a fact which justice theory usually ignores. Although it is not said explicitly, I think that theorists want to avoid a 'list of the unjust' - because it could become a death list. If all injustice is indeed committed by a relatively small group of people, then a quick bloodbath will produce a just world. Even the implicit suggestion of this form of 'justice' is a horror for liberal-democratic theorists.
Nevertheless the list exists: injustice does seem to be concentrated in a relatively small group of people. To start with the family: almost all abuse of children is committed by the child's own parents. A second category is employers, and in modern economies the personnel managers who act as their agents. Employers discriminate in employment, but the employee usually has no opportunity to discriminate in reverse. Another large group of unjust people in modern western societies is, without doubt, teachers: the educational system transfers inequality from one generation to the next. Research has repeatedly shown that parents education, social class, and income largely determine the educational achievement of the child.
The rich are another identifiable category of unjust people - not so much because they are rich, but because they failed to give their money to the poor. Other privileged groups, if they can renounce privilege, are also unjust - the aristocracy is the prime example. Even in a nominally egalitarian society such as the Netherlands, aristocratic birth confers enormous advantage, especially in upper-class professions such as the diplomatic service. Nevertheless, only one Dutch aristocrat has ever renounced the privileged status, since that became legally possible. It is not a fault to be born into an aristocratic family - but it is an unjust act for someone who knows it is a privilege, not to renounce the privileged status when they can.
In a more general sense, that applies to anyone who finds themselves in a closed privileged group, and certainly to those who deliberately join them. The members of the elite social and business clubs, which exist in all western societies, are unjust people. They posses privilege, which they could end simply by cancelling their membership. Another specific category of the unjust is formed by those in powerful western countries who seek to impose (or maintain) unjust conditions in foreign societies. During the Cold War, the United States regularly sustained cruel foreign regimes in power, so long as they were pro-American: it seems that this policy is again in force. Those who campaign for the infliction of political regimes on others, which they would not accept in their own country, are an unjust but clearly identifiable lobby. They are privileged in the sense of being citizens of rich and powerful states. They were perhaps born into this privilege, and it is not easy to renounce it, but they could stop using their democratic rights in this way."
E aqui chegado, o copista interroga-se do alto da sua ignorância e no poço da sua petulância:
Haverá alguém que ainda se interesse por filosofia do Direito, ao ponto de questionar os mestres do costume, sempre prontos para afinfar mais uns cobres ao erário público, a troco de umas revisões legais comissionadas?
O que se segue é copiado de um site dedicado a John Rawls e à crítica aos seus ensinamentos, legado de um certo AlVino que anda por aí a blogar:
"What is injustice?
The word 'justice' has a special meaning in social philosophy - different from its general use. The comic strip idea of justice is probably closest to the general use of the word, and it usually involves a specific injustice. Imagine: in a cell in a small town in the desert, a woman is being tortured by the secret police. Suddenly, the Galactic Avengers storm through the door. They vaporise the torturers with their ray-guns, and liberate the woman. This is the image most people have of 'justice' - that it means the ending of injustice, the ending of specific injustices. It may be a negative definition, but I find it more moral than the approach of social and moral philosophers.
What happens if, instead of the Galactic Avengers, a philosopher storms into the torture cell? Will he stop the torture? No, even if he did have a ray-gun. That is not what social philosophy is about. He will note that the woman complains, that she is being subjected to injustice. Then he will go out to buy a copy of the Constitution, and examine the structure of the society. If he is a liberal-democratic philosopher, he will look at the guarantees of civil and political rights in the Constitution, and the structure of government. Is there freedom of opinion? Is the country under the rule of law? Is there a separation of powers between the executive, legislative, and judicial branches. Is there political plurality, and can political parties compete for power? Are there free and fair elections? Non-liberal social philosophers might have different criteria, but they too will look at the structure of society.
If the liberal-democratic social philosopher is satisfied with the society he finds, he would then go back to the cell, and inform the woman that the society was just. If she complained that she was still being tortured, and that she found that unjust, the philosopher would explain that social philosophy is not about individual cases. He would point out, that she could apply to an independent judiciary to be released. If she was tortured to death first, her friends or family could file later criminal charges against the torturers, and that complaint would be assessed by a fair and independent tribunal. And after explaining to the woman that she lived in a just society, the philosopher would leave.
Social and political philosophy, in other words, is not concerned with ending a specific injustice. There is no branch of ethics which is concerned with specific injustices, although they may be used as examples. For philosophers, 'justice' is primarily a term which describes a society and its social structures. If the society possesses certain qualities, then it is 'just'. The fact that individuals in that 'just society' claim that they are victims of injustice is not seen as ethically relevant - no matter what is being done to them.
In the dominant liberal tradition in ethics, the "justice" of a society is assessed largely in procedural terms. Liberal philosophy always places great emphasis on procedure, fair procedure. The ability of citizens to present a complaint to an independent tribunal, is a typical example of a procedure, which is valued by liberals. If the judges reject the complaint, that is simply not relevant for the liberal assessment of that society or state. For them, the specific outcome of any fair process is not relevant. Indeed, the slogan "process legitimises outcome" is probably the shortest summary of liberal philosophy. When the procedures are absolutely fair and comprehensive, then for the liberal the society is just. This is certainly one of the underlying principles in the work of John Rawls, although he is rarely concerned with procedural details. Nevertheless it is also probably true, that for every injustice, a procedure can be devised of which it is the outcome.
So in the dominant liberal tradition, the existence of injustice is considered a non-relevant background factor, like the weather. People might complain that it is raining, but for the liberal philosopher, a "just society" does not mean that the rain stops. Equally, people might complain that they are being subjected to injustice, but for the liberal philosopher, a "just society" does not mean that the injustice stops.
It is easy to see, that this can be a licence for all forms of injustice. The philosopher - in stating that the society is "just" - becomes a propagandist for the regime. This is clearly the role played by liberal political philosophers, when confronted with the extreme inequalities typical of liberal market democracies. It is the philosophers who explain to the poor that poverty is not unjust, and that inequality is not tyranny. This propagandist role is a defect of liberal justice theory in general, rather than of the individual philosophers - although they bear personal guilt for having chosen to play the role.
The alternative is simple: ethics should not concern itself with 'justice', but with injustice - and how to end it. Some social philosophers have taken this approach. They try to define injustice, but this in itself carries the risk of 'defining away' other peoples claims of injustice. Iris Marion Young, for instance, listed five 'categories of oppression' - exploitation, marginalisation, powerlessness, cultural imperialism and violence. Her book Justice and the Politics of Difference (Princeton University Press, 1990) was part of the communitarian critique of liberalism, and treats the ethnic minorities in the United States as a paradigm for 'the oppressed'. Any definition of injustice will probably be culturally and politically specific to the society in which it was written. So I will simply list some criteria or characteristics here, which can be used to identify injustice.
To begin with, an injustice is a harm. It is however a self-defined harm. If people say they are suffering harm, then they are. If you abandon the self-definition, you might as well abandon the word 'harm' anyway.
Secondly, injustice is the result of human action. People suffer harm from natural disasters, but they are not in themselves considered unjust. However, many so-called 'natural disasters' result when poor people are forced by economic necessity to live in zones of known high risk - volcanic slopes, flood plains, geologically unstable hillsides in cities. As I first wrote this section, mudslides killed 34 people in hillside slums in the State of Rio de Janeiro. The fact that the poor are forced to live there, while the rich are free to avoid the risk, is an injustice. It is a result of conscious human decisions, in this case a failure to take action. The rich failed to invite the hillside slum dwellers into their safe homes, the government failed to resettle them, and they can not afford to resettle themselves. The Associated Press report commented: "Mudslides in hillside shantytowns unfit for the construction of houses kill dozens of Brazilians every year. Local authorities usually are unable to persuade slum dwellers to leave danger areas as they are too cash-strapped to offer alternative housing." Neither the rich, nor the government, decided that there should be a landslide which kills slum residents - but nevertheless they act unjustly toward them. It is a characteristic of injustice, that at some point, some person consciously acted (or consciously failed to act), and that this action or inaction is a contributory cause of the subsequent harm.
A third criterion for identifying injustice is that there is no remedy. If a harm can simply be turned off like a tap by the victim, then it seems less of an injustice. If I am sitting watching TV and I don't like the programme, I can simply zap to another programme. It would not be right to claim, that the makers of the programme treated me unjustly. However, poor people have no device, which they can point at rich people, to instantly redistribute their wealth. Certainly in liberal societies there is no remedy for inequality of wealth. The behaviour of elites is often offensive: they display their wealth and status in public as if there was no moral issue involved. However there is nothing I can do about it: there is no legal procedure by which I can prevent an arrogant snob driving around in a Rolls Royce. The behaviour is acceptable for the criminal and civil law, there is no basis for any legal claim on the issue, and I can not apply to any institution for compensation. In general, these characteristics are also typical of injustice.
Injustice is usually systematic and repeated, and this is a fourth identifying characteristic. Discrimination in employment is a good example: its social effect derives from the fact that there are thousands, millions, of cases. Discriminated individuals can also expect to be discriminated repeatedly. There is no such thing as a one-racist society. If discrimination was something which only happened to one person, once in history, it could be treated as a bizarre incident, rather than as injustice.
A fifth characteristic of injustices is some form of forced inclusion. If you could run away from every harm, then you would suffer no injustice. In most cases, the inclusion is within a 'society' - and its general modern form is the nation state. The poor are not a a nation, and can never secede. However forced inclusion also occurs at a smaller scale, within a family for instance.
A sixth characteristic of injustice is that it is often visible and open. You can see that the poor are poor, and certainly you can see that they are not as well dressed as the rich. Not being 'well dressed' by the local standards can be a cause of shame, and can directly limit social contacts. Clothes confer status, and usually the more expensive the brand, the higher the status. It is not just an aspect of youth culture: the social class of individuals in most societies can be assessed by their appearance. The disadvantaged are not legally obliged to wear a sign reading "Disadvantaged" - but the effect is often the same.
A seventh related characteristic is that the victim of injustice acquires a specific status derived from the injustice. To begin with, the status of 'victim' itself. The most obvious and pervasive derivative status is a lower social class. All modern societies have social classes, and all societies group them in a vertical hierarchy. There is always an upper class and a lower class, they are not equal neighbours, in the way that friendly nations are. It is true that there are class-specific cultures - valued by the members of the class - and that not everyone seeks social mobility. Nevertheless, in general, membership of the lower class is a disadvantage maintained by injustice. The working class child in Britain will generally be refused a place at the elite universities of Oxford and Cambridge - that is the way their selection procedures work. The point is, that this kind of selection procedures help to create the lower class. Certainly, if rigorous and repeated, they can sharpen class divisions, and produce hereditary elites within a few generations.
This indicates an eighth characteristic of injustice, namely that it is cumulative. The person disadvantaged by an injustice, will probably be further disadvantaged as a result. A traumatised victim of war, displacement, rape and torture, in Britain as a refugee, will probably never be admitted to Oxford or Cambridge. These universities would not "lower their standards" simply because a candidate had suffered terribly. A meritocracy is always harsh: the weak always suffer. In suffering they become weaker, and therefore - in the logic of a meritocracy - deserving of furthering suffering. It is typical of liberal-democratic societies - which are largely meritocracies - that the people at the bottom of the social ladder are trapped in a downward spiral. The existence of such cumulative disadvantage, and downward spirals, is itself an indicator that injustice is prevalent in a society.
These eight criteria, again, are not intended to be exclusive. They help to identify injustice, particularly social injustice, but I would not deny a justice claim simply because none of them are present. Similarly there are certain processes which are associated with injustice. Again this is not an exclusive list, but they include: selection, competition (including economic competition among nations) stigmatising individuals or groups, the deliberate possession of distributable advantage, and the blocking of redress or remedy for earlier injustice. They also include political and intellectual action to propagate, advocate, defend or replicate injustice. The justice theories of philosophers such as John Rawls are themselves unjust. Certainly their application is unjust, and presumably the authors intend that they should be taken seriously by governments and policy-makers.
These lists of criteria and process also allow an answer to the question: who is unjust? The unjust are often clearly identifiable, a fact which justice theory usually ignores. Although it is not said explicitly, I think that theorists want to avoid a 'list of the unjust' - because it could become a death list. If all injustice is indeed committed by a relatively small group of people, then a quick bloodbath will produce a just world. Even the implicit suggestion of this form of 'justice' is a horror for liberal-democratic theorists.
Nevertheless the list exists: injustice does seem to be concentrated in a relatively small group of people. To start with the family: almost all abuse of children is committed by the child's own parents. A second category is employers, and in modern economies the personnel managers who act as their agents. Employers discriminate in employment, but the employee usually has no opportunity to discriminate in reverse. Another large group of unjust people in modern western societies is, without doubt, teachers: the educational system transfers inequality from one generation to the next. Research has repeatedly shown that parents education, social class, and income largely determine the educational achievement of the child.
The rich are another identifiable category of unjust people - not so much because they are rich, but because they failed to give their money to the poor. Other privileged groups, if they can renounce privilege, are also unjust - the aristocracy is the prime example. Even in a nominally egalitarian society such as the Netherlands, aristocratic birth confers enormous advantage, especially in upper-class professions such as the diplomatic service. Nevertheless, only one Dutch aristocrat has ever renounced the privileged status, since that became legally possible. It is not a fault to be born into an aristocratic family - but it is an unjust act for someone who knows it is a privilege, not to renounce the privileged status when they can.
In a more general sense, that applies to anyone who finds themselves in a closed privileged group, and certainly to those who deliberately join them. The members of the elite social and business clubs, which exist in all western societies, are unjust people. They posses privilege, which they could end simply by cancelling their membership. Another specific category of the unjust is formed by those in powerful western countries who seek to impose (or maintain) unjust conditions in foreign societies. During the Cold War, the United States regularly sustained cruel foreign regimes in power, so long as they were pro-American: it seems that this policy is again in force. Those who campaign for the infliction of political regimes on others, which they would not accept in their own country, are an unjust but clearly identifiable lobby. They are privileged in the sense of being citizens of rich and powerful states. They were perhaps born into this privilege, and it is not easy to renounce it, but they could stop using their democratic rights in this way."
E aqui chegado, o copista interroga-se do alto da sua ignorância e no poço da sua petulância:
Haverá alguém que ainda se interesse por filosofia do Direito, ao ponto de questionar os mestres do costume, sempre prontos para afinfar mais uns cobres ao erário público, a troco de umas revisões legais comissionadas?
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