quarta-feira, janeiro 21, 2004

O Mangadalpaca® no Salão Nobre do STJ





O post do Copista deixou o Mangadalpaca perplexo.

O Presidente da República, propôs, na Cerimónia de Abertura do Ano Judicial (em 19/01/04), em jeito de desafio – além de outras coisas eventualmente interessantes -, que os despachos de arquivamento do Ministério Público fossem fiscalizados por um juiz, para se certificar a legalidade do mesmos. E isto, segundo o sr. Pesidente, para evitar insinuações sobre o papel insubstituível desta magistratura.
Nem mais.

Em primeiro lugar, o Mangadalpaca acha, modestamente, que essa é mais uma insinuação, alinhando, afinal, com as tais, que tal solução pretenderia esconjurar.
Depois, o Mangadalpaca pensa que, a partir do momento em que um juiz possa certificar a legalidade do arquivamento, essa magistratura deixará de ser tão insubstituível.
Pois é, sr. Presidente! Não deu pelo paradoxo da proposta! A vossa tese prova demais....

O Mangadalpaca pergunta, sr. Presidente, se acaso essa ideia tem algo a ver com um despacho de arquivamento do MP num processo, relativamente a matéria factual que englobava a existência de uma carta anónima que aludia à sua pessoa (Despacho esse que, em rigor, deveria permanecer em segredo de justiça, mesmo depois de a acusação ser pública) ???

O Mangadalpaca não comete a injustiça de pensar que o sr. Presidente não sabe o que é a instrução. Para isso, aliás, terá assessores. E dos bons, presume-se.
Mas...saberá para que serve? Sabe qual a função sistémica da faculdade de requerer essa fase processual? Sabe que é justamente para se poder sindicar da correcção do arquivamento por parte do MP? Sabe que há possibilidade de o assistente requerer essa fase processual para esse fim? E que essa fase é dirigida por um juiz?

Lembra-se, por outro lado, que é justamente ao MP que compete defender a legalidade democrática?

Mas, como democrata que julga ser, o Mangadalpaca acha que não há tabus. Tudo é discutível...

Mas, admitamos que a proposta ia avante. E depois? Se o juiz não certificasse a legalidade do despacho de arquivamento?
Mandava o MP acusar? Mandava o MP fazer mais diligências de prova para tentar acusar alguém? Dava ele a acusação? Mandava fazer o quê?
Ou quer apenas um nihil obstat ou um «concordo» cego, por parte do juiz? (Há que concretizar a proposta, sr. Presidente, há que ser consequente! Não se pode ficar por meias palavras).

Não se assumiu, ainda, que o MP é uma magistratura dotada de autonomia face ao poder executivo, subordinando-se apenas à lei e directivas e instruções determinadas nos termos da lei? Que o MP é composto por magistrados responsáveis (em todos os sentidos semânticos do termo)? Que quando se concebeu o novo Código de Processo Penal, o MP foi pensado como um verdadeiro órgão auxiliar da administração da Justiça penal (por contraposição a um modelo de subalternização, em que o MP era uma magistratura vestibular da magistratura judicial)?

Quem propõe isso é por não ter ouvido (certamente por falta de atenção, nessa altura, a tais matérias) dizer Mireille Delmas Marty, na Assembleia da República, que ela tinha «um sonho, para o processo penal» e que «invejava Portugal, por tê-lo feito já realidade».
Estava o Mangadalpaca posto em sossego quanto a esses princípios, presumindo que o mais alto magistrado os tinha por assimilados, e eis senão quando, vem propor isto...

Sr. Presidente, convém conhecer o terreno. Saber os magistrados que temos. As condições de funcionamento dos Tribunais. Saberá que há juizes de instrução, em algumas comarcas do País, que despacham esses processos (de instrução) a um prazo de 8 meses? E muitas vezes adiam as diligências marcadas há 8 meses, por terem diligências urgentes nesse dia?
Lembrar-se-á do que foi a experiências dos (em boa hora) extintos Tribunais de Instrução Criminal ? Saberá que houve processos de homicídio que prescreveram nesses «Tribunais» (sem que ninguém falasse ou fale disso, mas se apresse a falar de uma ou outra prescrição no MP quando os processos lhe são remetidos quase no fim do prazo prescricional)?
É este o cenário que se pretende recuperar?
Ou quer deixar campo livre às teses do improvável duo Proença de Carvalho/M. Sousa Tavares?

O Mangadalpaca também propõe, prosaicamente, em jeito de desafio, ao Sr. Presidente, como mais alto magistrado, que faça uma Presidência aberta (ou opaca, como lhe aprouver) aos Tribunais.
Deixe de frequentar o Salão Nobre do STJ só nas cerimónias.

Mangadalpaca©

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