domingo, fevereiro 29, 2004

A Chave



Ao conhecer os “uomini d´onore” compreendi que a lógica mafiosa nunca se tornou ultrapassada ou incompreensível. Na realidade, trata-se de um lógica de poder e a funcionar sempre com objectivos.”- juiz italiano antimafia ,Giovanni Falcone, início dos anos noventa .



Em Portugal, exceptuando o caso das FP 25 Abril, em meados dos anos oitenta e terminado recentemente, em polémica, nunca se colocou a questão de constituição de um “pool” de magistrados e polícias de investigação, para combater uma ameaça real ao poder do Estado de Direito democrático.
Até agora.
Com o processo Casa Pia, a magnitude e importância das investigações a efectuar e a delicadeza das mesmas, impôs a constituição de uma equipa de magistrados e polícias, a colaborar em efectividade de funções, para a descoberta da verdade material.

O processo em contra-se em fase inical da Instrução, da competência exclusiva de um juiz de instrução.
Com base em notícia assinada por Licínio Lima, no Diário de Notícias de Sábado, 28.2.2004, fica a saber-se que em Novembro de 2003, , um dos arguidos principais, Carlos Silvino, pela pena e boca do seu advogado José Maria Martins, disse o seguinte:

“Todos sabemos , e o Ministério Público também, que o meu cliente é, ou pode ser, a chave de toda esta trama vergonhosa que atingiu tantos jovens indefesos, ao longo dos anos, um dos quais o próprio arguido, também ele violado na CPL.”

A notícia de primeira página do DN, intitulava: “Carlos Silvino só aceita falar com garantias”. “O advogado de Bibi considera que o seu cliente é a chave de toda a verdade”. “Sem acordo com o Estado não haverá declarações”.

Estes títulos justificaram a introdução ao artigo de página inteira: “ Ou há negociação com o Estado português, concedendo a Bibi o estatuto de arrependido, ou o processo da Casa Pia poderá transformar-se numa montanha condenada a parir um rato. Esta é a estratégia de defesa definida por José Maria Martins ao ter anunciado que, em troca da colaboração com a justiça, o seu cliente exige medidas excepcionais de protecção, nomeadamente uma nova identidade e residência no estrangeiro com subsistência assegurada. Falta saber se a lei permite tal negociação.Os juristas têm dúvidas.”
Pois têm! E começa logo pelo autor da revisão, em 1998, do Código de Processo Penal: Germano Marques da SIlva, que se presta a mais uma colaboração em prol da justiça, sobre forma de entrevista. Que diz o “legislador”?
O arrependimento é considerado pela nossa lei como uma circunstância atenuante de carácter geral. Tem efeitos na graduação da pena e são mais ou menos intensos consoante a própria intensidade do arrependimento. No que respeita ao estatuto de arrependido, este tem natureza excepcional e só é aplicável em casos expressos na lei. Não é o caso.”

À pergunta: Mas não poderá haver uma interpretação mais alargada da lei?
Responde: “Não me parece. O sistema em que assenta a lei processual penal é o da legalidade e, por isso, situações extraordinárias têm de ser expressamente previstas.”

A outra pergunta sobre As circunstâncias em que aparece a figura do arrependido, esclarece:
A figura surgiu como meio prcessual para facilitar a investigação de crimes graves e de investigação difícil. É um expediente de natureza policial com reflexos processuais. Assenta na dificuldade de investigação de certos crimes, normalmente ligados a associações criminosas, em que a polícia tem dificuldade em penetrar. (...) São situações excepcionais, só legitimadas pela necessidade de combate à criminalidade grave e organizada. Em regra resulta da negociação entre as autoridades judiciárias e o arguido e decorre em segredo. Não é normal anunciar na praça pública, pelos riscos que acarreta para o arrependido.”
E adiante os exemplo que conhece: Na Itália, as Brigadas Vermelhas e a Máfia; na Alemanha, o Baader-Meinhof.

O professor, no entanto, opõe-se ao uso desse meio: “ Porque é muito perigoso. Uma coisa é o efectivo arrependimento, outra o arrependimento cmo negócio processual para obter a dispensa ou a atenuação extraordinária da pena.”

Mesmo com essa oposição militante, já existe em Portugal, legislação que consagra explicitamente tal solução- o D.L. 15/93 de 22.1, vulgarmente conhecido como “lei da droga”. O artigo 31º diz assim:

« Atenuação ou dispensa de pena
Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena. »


Assim, na ausência de disposição genérica, na lei processual penal, sobre este assunto concreto, mesmo com a oposição já expressa daquele « legislador » parece que a breve trecho e a confirmar-se a intenção de o arguido Carlos Silvino colaborar com vista a uma eventual atenuação ou dispensa de pena, vai colocar-se a questão de o legislador ter de ponderar a introdução de alterações legislativas, no processo penal.

Contudo, perante a actual composição da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e particularmente o projecto de alteração à lei processual penal que o PS apresentou recentemente, não parece que tal assunto mereça sequer a atenção...

Por isso, a transcrição que se faz aqui de parte de um artigo do advogado Maurizio Gemelli, de Palermo, na Itália, sobre o assunto, fica a título de curiosidade :

"Occorre poi d’altro canto che l’approfondimento del dibattito – una volta data risposta affermativa alla utilità dello strumento probatorio - non sia frenato da contrasti circa la compatibilità di logiche contrattualistiche nei rapporti tra Stato ed imputato. Conserviamo tutti assai nitido il ricordo dei tempi in cui da un lato i magistrati inquirenti, seguendo una visione di tipo utilitaristico forse troppo angusta, ponevano le esigenze repressive in un’ottica meramente finalistica; dall’altro la dottrina ed il legislatore, aderendo a nozioni formal-garantiste della pena, manifestavano una avversione anche di tipo etico nei confronti della figura del collaborante-delatore, ritenuta tipica espressione del peggior sistema inquisitorio.
Tale contrapposizione sino ad oggi ha finito per ridurre il dibattito ad una sterile polemica intorno alla figura del collaboratore, impantanandolo per anni su opzioni di principio senza che fosse mai affrontata la questione della individuazione dei possibili strumenti per contemperare le opposte esigenze. Di conseguenza in passato, allorquando la introduzione di una efficiente normativa premiale anche in materia mafiosa è divenuta ineludibile, si è finito per provvedervi sotto la spinta di situazioni di emergenza e quindi senza una adeguata riflessione e - ciò che ai nostri fini di operatori del diritto è ancor più grave - con numerose imperfezioni tecniche. "


Pode ser que alguém leia...

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