domingo, junho 23, 2024

António Cluny: uma no cravo e duas na ferradura; ou vice-versa.

 Este artigo do magistrado do MºPº jubilado António Cluny, no DN de hoje, um dos poucos magistrados com acesso aos media desde sempre, suscita as perplexidades do costume. 

Quando li a chamada da primeira página- Uma só soução: regressar à instrução!- fiquei curioso e ia já escrever o postal com o título et tu, Cluny? 

Mas não foi isso que se me deparou com a leitura sempre difícil da prosa arrevesada do magistrado. Dei de caras com a costumeira forma de enviesar o discurso por caminhos e atalhos sem mapa discernível a não ser no bestunto do próprio e para mim quase sempre na fronteira do dubitativo para não usar o adjectivo mais corrosivo. Senão vejamos:

Começa por afirmar que o modelo de MºPº que temos esgotou-se e muito por culpa de alguns transviados da própria magistratura, que "pela espectacularidade das suas intervenções- que não conseguiram ou, porventura não quiseram filtrar" e "sendo uma minoria, cujos procedimentos de inspiração mais policial que judicia, grande parte dos procuradores não partilha" e que "reflectem hoje, para o bem e para o mal, a imagem mediática do MP.

Orabamolaber, com imagens que valem mil palavras. António Cluny lembra-se disto?


A imagem não é famosa, não tive tempo para ir procurar o original ( mas amanhã lá iremos...) no entanto basta para mostrar o essencial: o MºPº da altura de 2006, no tempo de Souto Moura e sob a batuta de um juiz de instrução, auxiliado por inspectores da PJ irrompeu na redacção do então 24 Horas dirigido supinamente pelo um Pedro Tadeu ( que chegou a dizer que nunca leria o jornal se não fosse o seu director...ou coisa parecida) e fez buscas à procura de elementos relativos à prática de violação de segredo de justiça ou pior, no caso por causa do famigerado "Envelope nove".

Quatro anos depois o jornal chegou ao fim...e dei conta disso assim, com uma imagem da redacção encabeçada por Pedro Tadeu, o indómito lutador contra um MºPº persecutório, policial e dado à espectacularidade:


Uma vergonha, em 2006? Onde estava então António Cluny? Lembro-me bem: foi a Penafiel visitar alguém para se reconfortar de algo indefinível, já nesse tempo ( para bom entendedor...)

Qual era então o problema com o MºPº? Exactamente o mesmo que hoje se coloca e António Cluny equaciona, quase do mesmo modo, passados que são 18 anos. 

Porque é que sucedeu todo aquele aparato e quem decidiu organizar a expedição das buscas à redacção do 34 Horas? Quem é que interpretou a lei então existente e quem é que cumpriu a legalidade, segundo critérios que sendo discutíveis eram aplicáveis? 

Vão saber, porque não é nenhum magistrados dos que Cluny agora entende como adeptos da tal "espectacularidadae". Vão ficar surpreendidos. E o PGR era...Souto Moura, que depois deste episódio foi vilipendiado, ofendido, acossado e instigado a demitir-se. Tal como hoje e...pelos mesmos de hoje, curiosamente. 

Porquê? Porque são do PS e isto parecem-me factos, sem contestação. E Cluny navega nessas águas políticas e não tem remédio, tal inclinação afectiva. É amor velho, tão velho como a conversão de um cristão-novo.

Portanto vamos lá continuar, com a análise do artigo. Depois de citar "uns tantos procuradores mais velhos e informados" que não nomeia, assim como não nomeia a identidade do "renomado advogado", para "não comprometer a bondade e legitimidade das propostas dos mesmos", promete no parágrafo 14 que vai apresentar o que "mudará e como, depois, se comportarão os que hoje rasgam as vestes de indignação pela "conspiração do MP" ( aqui está a tal martelada no cravo) e isso a propósito da solução encarada no título da capa e do artigo, ou seja, o regresso à velha instrução criminal do CPP de 1929, antes de 1987/88. 

Lido os parágrafos seguintes não aparece nem uma das comparações. Nenhuma, nicles, entre os dois sistemas e que afinal fica num limbo quanto ao entendimento sobre o que pensa Cluny realmente sobre o assunto: o título é irónico mesmo?!

 A prosa que se lhe segue é apenas para mencionar, mais uma vez sem nomes e sem referências suficientes os "senadores" respeitáveis que andam por aí acautelados e sem se pronunciarem intempestivamente sobre mudanças que impliquem uma mudança na "tutela política, explícita, sobre o exercício da acção penal" ( a tal martelada no cravo...)

"Em suma: as responsabilidades negativas concorrentes  dos que não acautelaram os direitos à sua guarda e a dos que de tais erros se quiseram aproveitar só podia ter conduzido a esta hecatombe [ ena!, exclamação minha] institucional". 

E lá vêm as arrochadas na ferradura: "Os procuradores que, consciente ou inconscientemente para isto contribuíram com indesculpável ligeireza de ânimo, ou, pior ainda, com a pura inconsciência das crianças travessas, não podem, pois, rejubilar-se com os resultados obtidos". 

Último comentário: podiam lá esses tais procuradores meterem-se com um António Costa ou até com um Marcelo Rebelo de Sousa, na qualidade institucional que ocupam ( e que uma juíza do STJ disse claramente que deveriam...)! O que deveriam fazer todos esses meninos e meninas travessas, afinal?

O que o pacato, institucional, respeitável, ponderado, nada espectacular Celso Manata, no MºPº do STJ fez: não permitir que o presidente da República fosse constituído arguido, no caso das gémeas. Isso é que é ser magistrado! Não é assim, caro Cluny?

Manter a respeitabilidade do sistema e não bulir muito com estruturas superiores na esfera política, principalmente se forem do PS. Não é assim outra vez?

Já agora, quem foi o procurador/procuradora que irrompeu no feudo do jornalista Pedro Tadeu, nos idos de 2006 para tentar perceber como é que o jornal tinha conseguido arranjar a matéria de contra-informação no caso da Casa Pia, para tentar arruinar o mesmo? E em nome de quem o faziam, já agora? Eu digo e escrevo: do PS, pá!



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