sexta-feira, novembro 09, 2018

Então, é o fassismo...

Observador, Luís Campos e Cunha:

Foi Salazar um fascista? A resposta é, historicamente, não. Mas precisa de qualificativos e muitas justificações. Num momento em que todos falam que o fascismo está de volta, vale a pena pensar, é útil rever o que se entende por tal. Há hoje claros perigos de movimentos racistas, nacionalistas e não democráticos: é o fascismo de novo?

A palavra fascismo pode, para simplificar, ter um significado popular, jornalístico, politiqueiro, ou ter um significado histórico ou académico.

No sentido da luta política de muitos dos comentadores nos jornais, fascista é um tipo de direita com relutância para aceitar o Estado de Direito. Sem necessidade de ir para exemplos do mundo de hoje mais extremados (Maduro, Putin ou Duterte), há exemplos atuais com matizes mais suaves, em todo o caso graves: Trump nos Estados Unidos, Orbán na Hungria, Erdogan na Turquia ou o recém-eleito Presidente do Brasil, apenas para citar alguns.

Estes são todos fascistas para os comentaristas dos jornais ou candidatos a políticos da esquerda menos interessante. Neste sentido popular (e popularucho), também Salazar era um fascista.

Do ponto de vista mais histórico, então a conversa é bem diferente. O fascismo é uma corrente política, de há cerca de 100 anos, que se caracterizava por traços bem claros.

Desde logo, e em primeiro lugar, os fascistas tomaram o poder com base num partido de massas e com ações violentas e bem organizadas. Alguns usaram eleições para chegar ao poder (para logo as desprezar), mas o poder absoluto passou pela brutalidade de um partido com grande base popular: um partido de massas. A violência passava por organizações à margem do Estado e da lei. Neste aspecto, os fascistas dos anos 20 não eram muito diferentes dos comunistas dos anos 40 ou 50.

Ora, Salazar nunca teve um partido de massas, nunca conquistou o poder com ações de violência nas ruas. Desde logo quis (re) construir o Estado acabando com grupos ilegais e perigosos de arruaceiros herdados da I República. Foi tudo ao contrário. O poder foi-lhe proporcionado, em 1928, pelos militares do golpe de 1926. Os militares, não sabendo o que fazer, chamaram Salazar para ministro das finanças porque tinha escrito umas coisas… Daí em diante, Salazar foi construindo o seu poder com paciência para chegar, mais tarde, a Presidente do Conselho. É um trabalho nos bastidores e não na rua, tinha uma ideia para o País e quem tem um olho em terra de cegos pode ir longe. E foi.

A União Nacional, mais tarde criada, era um clube de amigos, caciques locais e bajuladores. Nunca um partido de massas, nem sequer um partido na acepção atual.

Segundo, Salazar abominava os grandes comícios, contrariamente a Mussolini que usava as massas como a fonte do poder. Salazar discursava a contragosto para mais de umas dezenas de pessoas, com base num texto escrito (em excelente português, saliente-se). E, nesses casos, fazia-o para explicar o que fazia, para onde ia o País em contraste com a balbúrdia e a violência da Primeira República.

Terceiro, enquanto Mussolini, Hitler ou Franco discursavam e apareciam em público em trajes militares, Salazar nunca o fez. De facto, a desconfiança de Salazar em relação aos militares é de salientar, tanto mais que a sua fonte inicial de poder foi o grupo militar de 1926. Mas Salazar tinha, nas altas patentes militares dos anos 30, oficiais que haviam combatido ao lado dos ingleses na Grande Guerra ou que fizeram demasiados golpes na I República; ou seja, gente imbuída de uma tradição militar e política em que ele não confiava. Talvez por isso, cedo chamou para o Governo o Capitão (ou já seria Major?) Santos Costa que passou a mandar no Exército (hoje seria um escândalo).

Tudo isto era contrário ao que se vivia em Itália ou na Alemanha da época. As relações entre o Nazismo e o Exército alemão davam para muito, mas fiquemos por aqui.

Em quarto lugar, o fascismo era uma força revolucionária, idolatrava as máquinas e o desenvolvimento que elas traziam. Pensava o futuro das economias com base na indústria. Salazar era exatamente o contrário.

Salazar não era revolucionário como o fascismo, era conservador. Era mesmo avesso ao progresso industrial, era reacionário. Salazar via a felicidade do povo na ruralidade: cada família com a sua junta de bois, com um hectare de terra e uma pequena casa. Era avesso ao mudar dos tempos e à liberdade de costumes que despontava, naturalmente.

Em quinto lugar, os fascismos europeus eram expansionistas e queriam criar impérios. Salazar, pelo contrário, bastava-lhe conservar o império que tinha herdado da História. Também aqui a diferença é abissal e com implicações várias na sua política internacional. Não acicatar os alemães nem perder a proteção dos ingleses.

Em sexto lugar, Salazar era religioso. Nunca saberemos quão católico seria, mas era o suficiente. O Fascismo (e o Nazismo bastante pior) era ateu e idolatrava a guerra e o “progresso”. Nada disso encontramos em Salazar.

Por último, o fascismo era racista e o nazismo ainda mais brutalmente o foi. Salazar era um paternalista em relação a África e aos africanos. Não podemos esquecer que o primeiro americano negro a entrar na universidade de brancos nos Estados Unidos data de 1962 e tal causou o caos nalgumas zonas da América. Contrariamente, nos anos 50, já os (mais tarde) líderes dos movimentos de independência tinham estudado em Lisboa. Agostinho Neto e Amílcar Cabral são disso exemplos. Mais ainda, logo no início das leis contra os judeus na Alemanha, Salazar instruiu o seu embaixador em Berlim para avisar, de forma diplomática, mas muito clara, que nas leis portuguesas não havia distinções raciais desse tipo, pelo que a aplicação de certas leis alemãs não poderia contar com a colaboração das autoridades portuguesas. Por outras palavras, judeus não poderiam ser extraditados por esse facto, porque Portugal não saberia distingui-los de outro alemão qualquer. E assim foi durante a II Grande Guerra que se seguiu.

Em conclusão, Salazar sujeitou à repressão do regime quem ativamente se lhe opunha, o que faz dele um ditador. Mas não instituiu a pena de morte; se e quando matou foi um assassínio e não a coberto da lei. A PIDE perseguia os portugueses ativos do reviralho, mas ficou a anos-luz da Gestapo. E também não usou a Mocidade Portuguesa (ou mesmo a Legião) para chacinar os eventuais não apoiantes do regime, nem tão pouco usou a fúria das massas para aniquilar quem não o apoiava. Implantou (lentamente) a censura como forma última de controlar o pensamento. As universidades eram para as elites porque Salazar era um político declaradamente anti-democrático. E era um conservador (diria, reacionário) no sentido próprio do termo. Mas também nisso o salazarismo era o contrário do fascismo.

Hoje, quando falamos de fascismo em relação a movimentos não democráticos, devemos colocar o ênfase na sua ação anti-liberal; o nosso objetivo último não são as eleições, mas deve ser sempre preservar a liberdade, tanto individual como cívica. E aí, infelizmente, estamos a viver um período muito duro.

A liberdade corre risco de ser posta em causa pelo resultado de eleições reconhecidas como livres, em que as próprias eleições são o instrumento para aplicar políticas contra o estado de direito e a liberdade, abrindo caminho a formas de “democracia iliberal” e a novos déspotas.

Luís Campos e Cunha foi da extrema-esquerda ( julgo que do PSR); depois foi socialista e até foi ministro de José Sócrates, em 2005, durante quatro meses, deixando o cargo para o coveiro da economia nacional, Teixeira dos Santos, pai da terceira bancarrota. Agora anda pelos lados da razão mais chã. Não lhe perdoam...

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