domingo, novembro 18, 2018

Terrorismo a la carte: do excesso à vulgarização televisiva

Crónica do professor Rui Pereira no C.M. de ontem:



Artigo do criminologista ( enfim...já foi, agora é professor universitário) do CM de hoje:


Portanto, segundo a jurisprudência do Correio da Manhã, firmada também todas as noites no seu canal de tv, em Alcochete ocorreu um crime de terrorismo. E semelhante ao nazismo...porque até teve os seus Heydrich e quejandos.

Curiosamente, esta jurisprudência tem dias e é o próprio criminologista ( já foi...agora é professor universitário) que confessa que achou excessiva a qualificação "quando foram detidos os primeiros assaltantes ao campo de treino do Sporting".
Quer dizer que nessa altura, com as imagens amplamente divulgadas pela própria CMTV ( que são praticamente as mesmas de agora) , em directo e diferido vezes sem conta, o criminologista ( agora professor universitário) duvidou da sua crença agora inabalável. Pareceu-lhe excessivo.

O próprio professor universitário ( agora criminologista) Rui Pereira parece duvidar também.

Invoca a lei de 2003 para afirmar que actualmente os comportamentos inclusos dos salteadores do campo de treino de Alcochete integram tal crime.
Para tal, estou em crer que contribuiu- e muito- o alarme social originado e amplificado com as reportagens e horas televisivas sem conta de komentário repetitivo sobre tais acontecimentos e que a CMTV recheia os seus serões televisivos, no intervalo dos komentários sobre o futebol, frequentemente com os mesmíssimos komentadores. Isto anda tudo ligado...e agora é a estação e grupo Cofina que pugnam em uníssono pela solidificação da jurisprudência desses costumes em penas adequadas ( nunca inferiores a prisões efectivas com prisões preventivas firmes).

O crime de terrorismo, antes de 2003 vinha no Código Penal. Foi revogado nesse ano por efeito da Lei 52/2003, de 22 de Agosto que diz assim:

Artigo 4.º
Terrorismo

1 - Quem praticar os factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal.
2 - Quem praticar crime de furto qualificado, roubo, extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática, ou falsificação de documento com vista ao cometimento dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, é punido com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
4 - Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meio de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.
5 - Quem, com o propósito de ser recrutado para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, aceder ou obtiver acesso, através de sistema informático ou por qualquer outro meio, às mensagens aludidas no n.º 3 e delas fizer uso na prática dos respetivos atos preparatórios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
6 - Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
7 - Quem, por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
8 - Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
9 - Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meios de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
10 - Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
11 - Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
12 - Quem organizar, financiar ou facilitar a viagem ou tentativa de viagem previstas nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 4 anos.
13 - A pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado, impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.


O nº 1 do artº 2 diz assim:

Artigo 2.º
Organizações terroristas

1 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
d) Actos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;
e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;
«f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas;
sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam susceptíveis de afectar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.

Como se chegou a esta lei que revogou o artigo do Código Penal sobre o terrorismo, em 2003?

Com uma Decisão-Quadro de 2002 que já foi reformulada em 2008, mas sempre com o mesmo espírito que aqui está bem explícito: combater organizações e actos tipicamente terroristas.  O futebol, as claques e as assuadas como a que ocorreu em Alcochete esteve no espírito do legislador comunitário que inspirou directamente o legislador nacional?

Não! Evidentemente que não. Porém, agora com a jurisprudência da CMTV já há um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de João Lee Ferreira que afirma que sim e portanto torna sólida a jurisprudência deRui Pereira e da CMTV.

Assim, o populismo é isto, minha gente!

O conceito de assuada, o motim e outros crimes do Código Penal cuja sensatez legislativa permitiu aquelas dúvidas da jurisprudência da CMTV foram substituídos por esta: terrorismo é tudo o que um komentador do CMTV quiser desde que lhe pareça que é.  As imagens, komentários e o resto farão os acórdãos, decidirão as penas e as prisões preventivas.

Não haverá um tribunal que páre esta deriva?!

Alguém pensou para que serve estoutro crime:

Artigo 302.º
Participação em motim

1 - Quem tomar parte em motim durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Se o agente tiver provocado ou dirigido o motim, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3 - O agente não é punido se se tiver retirado do motim por ordem ou admoestação da autoridade sem ter cometido ou provocado violência.?


Não, não pensou. Não é um crime sensacional, tem uma pena mixuruca...e a jurisprudência do CMTV não compreende nada que seja menos que isso; sensacional e retumbante nas imagens e impacto.

Populismo...pois, pois.

Por falar em acórdãos, o Lee Ferreira não deve ter lido este que é de 4 de Junho de 2008, sendo os factos de Janeiro de 2003 quando ainda existia o crime de terrorismo do Código Penal...

Pois os factos eram estes e foram julgados em segunda instância pela desembargadora Maria do Carmo Silva Dias, actualmente inspectora judicial no Norte do país:

7. No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
“a) No dia 5/JAN/2003, a partir das 15:00 horas e no I………. pertencente ao J………. e sito na freguesia de ………. do concelho da Trofa, na área desta comarca de Santo Tirso, realizou-se um encontro de futebol, respeitante ao campeonato distrital da Ia divisão de honra da K………., entre o Clube local e o L………. de ………., que foi arbitrado pelo denunciante H………. (árbitro principal) e por M………. e N………. (árbitros assistentes).
b) No decurso da segunda parte de tal jogo, que se iniciou com o resultado de 2-1 favorável à equipa local, o denunciante H………. exibiu o cartão vermelho e expulsou de campo três jogadores daquela equipa e o arguido E………., treinador da mesma.
c) A assistência afecta ao J………., desagradada com o desempenho do denunciante H………. e dos seus assistentes, em tal segunda parte manifestou-se ruidosamente contra os mesmos, designadamente dirigindo-lhes insultos.
d) No decurso da segunda parte do jogo, em momento não concretamente apurado, mas já após ter sido expulso, quando se encontrava por trás do Banco de Suplentes, o arguido E………. gritou para a assistência que se manifestava contra a equipa de arbitragem: "Matai-os a todos!".
e) A tarde do dia 05.01.03 foi chuvosa.
f) O recinto desportivo do J………. tem apenas uma bancada, local onde se concentram parte dos adeptos da casa.
g) Pelas 16:55 horas, após o denunciante ter dado por terminado aquele jogo, com a vitória por 4-3 do L………. de ………., um número não concretamente apurado, mas não inferior a 150 adeptos do J………., integrado designadamente pelos arguidos F………. e G………., invadiu o recinto de jogo e, com a activa participação daqueles arguidos, perseguiu e agrediu, nomeadamente com guarda-chuvas, com cuspidelas, a murro e a pontapé, os elementos da equipa de arbitragem, que só graças à intervenção da força da Guarda Nacional Republicana destacada para o policiamento daquele jogo puderam, ao fim de algum tempo, recolher ao balneário respectivo.
h) Quando tentava proteger a equipa de arbitragem o Comandante daquela força, o Cabo O………., foi também agredido, num ombro e com um guarda-chuva, por um dos integrantes da referida arruaça.
i) Só bastante tempo depois e após o reforço daquela força policial que foi possível dali evacuar a equipa de arbitragem, numa ambulância dos P………., daquele balneário e para o Hospital ………., onde os seus integrantes vieram a receber assistência médica.


O crime em causa? Motim armado...o terrorismo ainda não tinha sido inventado pela CMTV e o MºPº da procuradora Cândida Vilar.

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