quinta-feira, janeiro 22, 2009

O jornalismo sabichão

Helena Matos escreve no Público de hoje uma crónica sobre médicos e juízes. Compara o tempo da Primeira República e da psiquiatria da época , para tirar lições sobre o perigo médico a que associa o perigo judicial que hoje "padece de arrogância positivista" dos médicos do antigo Júlio de Matos.

O arrazoado é sobre o caso Esmeralda e as decisões judiciais, com as quais, aliás, Helena Matos não concorda. E acha que o sindicato dos juízes, por arrogância, pretende que todos concordem, ao criticar os críticos da decisão, mormente o Colégio de psiquiatria da infância e adolescência da Ordem. Vai daí, dá em desancar os juízes que não admitem a crítica do órgão colegial. Que os juízes não sentem necessidade de explicar as decisões; que reconhecer a autoridade dos tribunais, não é concordar com eles; que não faz sentido calar os psicos quando os tribunais é que recorrem a eles; que os tribunais querem criar outra sociedade em vez de fazerem justiça; que "a moral científica almejada pelos psiquiatras republicanos deu lugar a uma justiça que vive de uma sociologia de pacotilha"; que há muitos erros no processo, dos tribunais e dos serviços sociais; que o discurso da justiça, actualmente é de auto-indulgência perturbante. E por tudo isso, critica os tribunais.

Muito bem. Os jornalistas como Helena Matos, julgam-se mais do que arrogantes: julgam-se sabedores.De tudo: Política internacional, Educação, Justiça, Engenharia, Sociologia ( mesmo a de pacotilha, porque é preciso saber disso para se qualificar o produto), Medicina, enfim, tudo mas mesmo tudo o que vier à rede das crónicas de ocasião.

É um direito de qualquer pessoa que acede aos media, dar palpites opinativos sobre fenómenos que afectam a comunidade, mesmo que só em efeito mediático. Mas é também um direito dos visados e de quem pode ter opinião diversa, criticar os jornalistas por isso, por essa facilidade do disparo opinativo, escrito em crónica avulsa. Pela simples razão de que a crítica a tudo, tem razão de ser na directa proporção do conhecimento específico que cada um tenha das especialidades.
Criticar por criticar, sem fundamentar e sem arrazoar com propriedade, vale quase um zero em conduta. Quando muito, vale o tempo de um desabafo e pouco mais.

Qual é o erro de Helena Matos ( e de outros), nestas análises perfunctórias sobre a Justiça ( e outros assuntos) ou os casos concretos que dela podem ser objecto? A leviandade em opinar sobre assuntos que não domina de modo razoável e suficiente e por isso, introduzir no discurso argumentativo, notórias falhas de análise factual. Vamos ao caso concreto.

Um parecer médico ou de outra especialidade, num processo cível ( ou mesmo penal) tem uma certa validade específica que não pode ser aquilatada por quem não entender como os códigos e as leis lidam com isso.
Essa falha de informação, notória no caso, não permite o entendimento correcto do valor de um parecer, num processo. É por isso que se podem escrever disparates como este: "Note-se que os psiquiatras não se propuseram desrespeitar o tribunal, simplesmente não concordam com ele, como aliás muitos milhares de portugueses, entre os quais me incluo."
Este paralelismo, entre os psiquiatras e os comentadores freelancer dos media, blogs e de rua, não é legítimo pela simples razão de que entre esses psicos, estavam dois que intervieram no processo, com pareceres num determinado sentido.
O que esses psicos do Colégio da especialidade fizeram, não foi uma crítica científica e desinteressada do caso. Ou até mesmo interessada em demonstrar uma teoria. Não foi uma emissão de opinião médico-psiquiátrica sobre determinada circunstância publicamente conhecida do processo.
Se o fosse, seria legítimo, mesmo que amplamente discutível, atento o teor da matéria em causa: profecias para o futuro de uma criança, baseadas em palpites de comportamento psíquico dessa criança.
Mas não foi assim. O que sucedeu, vai muito para além disso e centra-se na discussão da causa, em praça pública e tomando partido, de acordo com o parecer já exarado no processo, por alguns membros desse mesmo colégio. Trata-se de uma tentativa de descrédito público de uma decisão judicial, com base no despeito. De uma forma de deslegitimar o poder judicial, negando-lhe a prerrogativa de dizer o direito do caso concreto.

Helena Matos não consegue distinguir isto e dar a relevância devida. Não consegue ,como não conseguirá identificar com precisão os alegados erros do processo e dizê-los com a propriedade devida e exigível a tal acusação.

Então passemos à frente, ao caso da arrogância e auto-indulgência dos tribunais, núcleo fundamental do seu arrazoado.
Os juízes são apodados de arrogantes, por não explicarem as decisões ou fazerem-no com sobranceria. Como isso? A decisão em causa foi explicada- e bem- no despacho sentença.
Helena Matos leu uma linha sequer desse despacho? Se não leu, a acusação não só é leviana como estúpida. E isso, para não subir a parada dos epítetos.

Por outro lado, que significa isso de auto-indulgência dos tribunais, exactamente? Que os tribunais devem explicar publicamente as decisões mediáticas, como se estivessem a lidar com alunos do ensino básico, numa escola de jornalismo pré-primário?

Parece ser esse o entendimento corrente, no jornalismo de foro. Este jornalismo que Helena Matos tem mostrado ser cultora, não percebe as regras de funcionamento dos tribunais, relativamente simples, mas exige explicação a todo o momento sobre as coisas mais básicas da sua orgânica.
Não entende as regras que definem e balizam a aplicação do Direito, mas sente-se no pleno direito de as criticar só porque lhes parece que as decisões deviam ser assim e não assado.
Não dominam minimamente os tempos e as rotinas dos costumes forenses, derivadas de leis e regulamentos, mas dão sempre ampla cobertura a fenómenos que lhes suportam as consequências negativas. Sem cuidarem minimamente de os entender com objectividade.
E quem falar em assuntos de Justiça, pode estender generosamente para os demais, com relevo social. O problema é genérico e preocupante.

Se a sociologia dos tribunais é de pacotilha, que se pode chamar a este jornalismo? De sarjeta, como dizia o outro?

ADITAMENTO, em 24.1.2009, à 1h e 15m:

Helena Matos, a propósito deste postal, teve a amabilidade de remeter o seguinte e-mail ( para cuja publicação lhe solicitei autorização):

Existem alguns pontos que quero esclarecer:

a) O artigo em causa não é jornalísticio. É um artigo de opinião.

b) Como todas as pessoas que escrevem artigos de opinião já terei escrito uma razoável dose de tolices ou coisas que pura e simplesmente não penso do mesmo modo algum tempo depois. Creio contudo que jamais escrevi ou disse que os juízes devem acatar as opiniões de psiquiatars ou psicólogos. Como sabe tenho uma opinião muito crítica acerca do funcionamento da justiça mas essas críticas nunca pretenderam subalternizar ou sequer colocar a justiça ao nível doutras instâncias ou saberes. Antes pelo contrário preocupa-me esta descredibilização da justiça pois dela nunca resultou nada de bom

c) Percebo a sua preocupação com a banalização da justiça e gostaria que tentasse perceber o que quero dizer quando falo de autismo da mesma. A justiça não pode ser vista como um mundo sem nexo, uma espécie de roda da sorte dom improvável como frequentemente acontece.
Independentemente da opinião qie se possa ter sobre o destino da criança em causa encontramos neste e noutros casos uma série de erros e falhas quer dos tribunais quer dos serviços sociais. Ninguem tirou lições disso?


Helena Matos

Em função disso, a minha resposta, também remetida por e-mail, foi esta:

Cara Helena Matos,
Também devo clarificar o seguinte:

a) Tem razão.

b) Não escrevi que era um artigo jornalístico. Escrevi e repisei que era uma crónica escrita por uma jornalista e que estes em geral e em boa parte das vezes, não dominam os assuntos sobre que escrevem. Daí a sairam coisas erradas, é um passinho que os jornalistas ( mesmo os que escrevem crónicas, não têm receio de dar.
As opiniões críticas sobre Justiça e sobre tudo, podem e devem expor-se. Era o que mais faltava se o direito a uma expressão livre do que pensamos, não pudesse escrever-se mesmo sem sabermos do que estamos a falar. O ónus e o preço, no entanto, ficou dito: risco de asneira ou de pouco crédito no que escrevemos. Se ainda assim, valer a pena, como por vezes vale quando lemos alguém que sabe escrever ( Vasco Pulido Valente por ex.) força na escrítica.

c) a minha preocupação com a banalização da justiça, não o seria se as críticas que leio fossem acertadas e directas ao coração das trevas: a perda de independência, por ligações espúrias a interesses variados, mormente políticos e de grupo secreto e não só; a venalidade moral de certas decisões, a ligeireza de outras e a demora de muitas, por causas indicadas e concretas.

Sobre o caso concreto, não indicou um único erro dos tribunais ou serviços sociais. Que os houve parece evidente. Mas estou habituado a coisas que parecem evidentes, não o serem de todo.
Logo, ao afirmar esses erros com a ligeireza de uma simples indicação sem fundamentação, não está a ser suficientemente objectiva e correcta na análise.
Que erros encontra na decisão em concreto?
Não se esqueça que estamos perante um caso- igual a tantos outros- em que as pessoas envolvidas e interesses divergentes têm necessariamente de convergir por acordo ou imposição do órgão de soberania- tribunal, para o interesse da criança em concreto. E este interesse sendo evidente - o bem estar da mesma, imediato e futuro- pode não ser imediatamente perceptível. Por isso é que divergem os interesses dos particulares envolvidos.
Por outro lado, os elementos concretos da acção e decisão, só mesmo se podem aperceber e entender em toda a extensão, com a consulta do processo e a intervenção nos actos processuais. Desse modo, será mais fácil fazer um juízo de valor, sobre o assunto, mas nem sequer garante um melhor conhecimento do mesmo ou habilitação para a sua decisão.

Ora, para quem tem apenas um conhecimento fragmentado e parcial do que se passa, alvitrar pareceres definitivos sobre o assunto, é no mínimo arriscado.
Se ler o que escrevo, há-de reparar que nunca o faço explicitamente. Não porque não tenha opinião, mas porque tenho receio dessa opinião não estar certa com a realidade. E por isso tendo a confiar mais em quem tem o dever de decidir de acordo com a lei e o direito.
Não por uma questão de corporativismo e defesa atávica da law and order ou do convento que conheço melhor, mas apenas porque me parece que são essas as pessoas melhor preparadas para o conhecimento e decisões concretas. Dou o benefício da dúvida. Coisa que os jornalistas parecem não fazer...

PS o estilo do postal é um pouco agreste mas é apenas isso: estilo. Se a ofendi, desculpas. Mas avisei que iria ser duro.

Cumprimentos,

José





3 comentários:

zazie disse...

Eu já tinha entrado em diálogo com ela no Blasfémias e nem vale a pena. Aquilo dá-lhe forte, como à Côncia- é só cartilha feminista e zero de informação e jornalismo.

zazie disse...

Mas o jornalismo dela neste caso é de tal modo vergonhoso que ela escreveu enormidades no Blasfémias sem sequer conhecer por alto o caso.

Nem datas, nem paternidades, nem adopções, nem nada de nada. Foi nessa altura que eu tive o debate na caixinha de comentários e lhe coloquei questões básicas e factuais que eu sabia por ter lido o caso e tomado nota do seu andamento.

Pois a ignorância dela era tamanha que me tomou por uma qualquer jurista e desatou a ameaçar-me que eu estava a usar informação privada a que tinha acesso devido à minha profissão.

Só isto serve para se perceber como ela toma partido sem sequer precisar de ler jornais, quanto mais investigar.

ahahaha

josé disse...

Os factos, a estas pessoas do jornalismo, costumam atrapalhar. A Helena Matos tem muitas vezes esse problema.

E não muda.

O Público activista e relapso