Um grupo de magistrados e advogados notórios apresentou um "abaixo-assinado" de protesto contra as peças processuais demasiado prolixas, extensas e confusas que dificultam o trabalho de decisão, nas várias instâncias.
Como paradigma apresentam o que se tornou evidentemente excessivo: "para o que se continha em dez páginas passaram a utilizar-se cem".
Apelam por isso, "rogam", no termo juridiquês habitual, a que as escolas de Direito, o CEJ, os Conselhos superiores e as Ordens profissionais façam alguma coisa para estancar a maleita.
Julgo que pouco adiantará porque é precisamente nesses lugares que se acalenta o monstro que se alimenta de páginas processuais em barda.
Não é possível podar a linguagem jurídica porque é típico do jurista usar as palavras que podem ser lidas no próprio manifesto. Um jurista aprende a escrever e por vezes a falar, o que ainda é pior, de certo modo e só quem tem cultura humanística para além do Direito consegue ultrapassar tal limitação de que evidentemente os próprios nem se apercebem.
Já por aqui contei a história de um amigo, acabado de entrar na faculdade de Direito, com quinze dias de experiência à frente de outros como eu e que na cantina, perguntado acerca da qualidade da comida, diria já enfastiado e experimentado na linguagem jurídica que era "precária"...
Essa é a primeira pecha do mal exposto: a linguagem própria do Direito limitada aos conceitos jurídicos adaptados à descrição e narrativa processual.
Actualmente, não há escritores ou prosadores no campo do Direito e que entendam o poder sintético das redacções, de modo a poderem publicar as suas peças processuais como obras de arte da escrita. A educação humanística perdeu as bases culturais, das línguas antigas, da História e da Cultura em geral. Sobram por isso os escribas do juridiquês que replicam a linguagem de manuais, cada vez mais prolíficos e repetitivos. E lucrativos, nalguns casos.
A tal fenómeno veio acrescer a tecnologia informática dos anos noventa em diante. A facilidade em processar textos escritos, em copiar páginas inteiras de obras alheias, incluindo decisões jurisprudenciais, associada à facilidade de correcção imediata da escrita, ajudou e determinou o modelo de peça processual em vigor, no direito penal e nos demais ramos.
O modelo processual das peças escritas tornou-se assim um "standard", um "template", um exemplo a seguir por todos os que laboram no meio jurídico.
De tal modo que os magistrados que dependem de apreciações técnicas do seu mérito através de inspecções mais ou menos regulares, não ousam fugir ao modelo que se replica a si mesmo, tanto mais que os inspectores foram igualmente formados em tal "template" com a grelha de critérios já adaptada.
Quem foge ao modelo é estranho e por isso rejeitado no gotha, mesmo que a eficácia seja idêntica ou mesmo superior.
Assim, uma única solução se apresenta como viável para resolver o problema: voltar ao sistema antigo, das dez páginas em vez de cem. Como? Simples:
Tornar obrigatória a apresentação de peças processuais...manuscritas. Tal e qual: manuscritas ou dependentes de prévia manuscrição, através de transcrição de manuscritos. Há já "scanners" que permitem tal coisa.
Estou certo que em pouco tempo as cem páginas reduzir-se-iam às dez. E com proveito para todos, incluindo os próprios que assim praticariam a bela arte da caligrafia, muito esquecida...
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