sexta-feira, março 20, 2009

Processo Penal austríaco

Sobre o caso Josef Fritzl, o austríaco ontem sentenciado por um tribunal de júri, na Áustria, vale a pena reproduzir um comentário deixado na caixa de InVerbis, assinado por um Hegel lusitano:

Este caso passou-se na Áustria, um país do "1.º mundo".
Gostava de assinalar duas notas sobre o mesmo.
1.º - A tramitação processual O tempo que o inquérito durou foi praticamente o mesmo que em Portugal. O tempo que demorou a chegar a julgamento foi de 11 meses. O tempo do julgamento foi menos de uma semana. Tal como lá, cá também há tribunal de juri.
Um caso como este o seu julgamento nunca, nunca mesmo, demoraria menos de vários meses.
Quer pela forma de produção de prova, quer da (não) admissibilidade do depoimento da vítima poder ser reproduzido em vídeo previamente gravado (não presencial), quer pelo número de testemunhas que seria necessário arrolar, das perícias psiquiátricas que seria possível requerer e o tempo que estas demorariam, quer porque o tribunal de júri teria que elaborar um acórdão muito bem fundamentado quer de facto quer de direito, não se podendo limitar à decisão condenatória, como sucedeu na Áustria (só se houvesse recurso seria necessária a redução a escrito dos factos, da motivação, do direito e da pena aplicada).
2.º A pena aplicada Um caso como estes em Portugal nunca poderia ter pena superior a 30 anos de prisão. Por muitos que fossem os homicídios, os raptos, os maus tratos, as violações, o Código Penal estabelece como limite máximo em termos de cúmulo jurídico (moldura que vai da pena maior aplicada ao somatório das penas individualmente aplicadas) na pena única de 30 anos.
Seria importante reflectir se para casos de extrema gravidade, não seria de considerar a possibilidade de aplicação de pena perpétua. Ainda não reflecti com a necessária ponderação, mas o meu primeiro impulso vai no sentido afirmativo. A Áustria não deixa de ser um país democrático e de respeito pelos direitos humanos ao permitir essa pena e penso que a mesma não repugna ao comum do cidadão, mesmo português.
Diferente é a pena de morte, contra a qual sou absolutamente contra. Sobre a pena de prisão perpétua é que me parece ser importante levantar uma reflexão esclarecida.
Gostaria de acrescentar o seguinte, a este comentário que fica:
A maior acusação contra Josef Fritzl, foi a de...homicídio por negligência. Em Portugal, tal crime é punido com uma pena de prisão até três anos ( artº 137º C.Penal). As restantes acusações respeitavam a violação ( cá, teria o máximo de dez anos de prisão); sequestro ( cá o máximo de prisão é de dez anos igualmente); escravidão ( cá, a moldura máxima é de quinze anos, mas duvido muito que fosse possível julgá-lo por esse crime do modo como está previsto no nosso código penal).
Portanto, um máximo dos máximos de 15 anos de prisão, sendo certo que o mais natural seria a pena de 1o anos de prisão. E porquê?
Por causa do artº 77º do C.Penal. Por outro lado, a pena unitária aplicada não poder ser inferior à pena parcelar mais grave. Ou seja, para aplicar o máximo de dez anos de prisão em cada pena parcelar, seria preciso muito esforço jurisprudencial. E o máximo nunca ultrapassaria os 25 anos de prisão, mas nunca seria esse o caso.
Portanto, no fim de contas, a pena unitária não andaria muito longe disso, de uma dúzia de anos...por causa da lei e ainda deste entendimento do STJ:
– O limite máximo da moldura penal abstracta não é o limite máximo absoluta da pena concreta: 25 anos, mas a soma material das penas aplicadas aos crimes em concurso, aplicando-se aquele limite só à pena a estabelecer: será reduzida a 25 anos, se reputada adequada pena superior.
5 – A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
6 – Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5. Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores cúmulos, como era o caso, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia.
Por outro lado, a Áustria, adoptou o nosso modelo de processo penal.
Resta saber se com os pareceres da escola de Direito de Coimbra...e se as garantias dos arguidos no processo penal austríano, para penas de prisão perpétua, serão as mesmas que as nossas, para penas de prisão de meia dúzia de anos.
Tenho, aliás, por certo que nem metade das nossas garantias gozam os arguidos austríacos.

4 comentários:

zazie disse...

Há um aspecto que me deixou espantada em relação a este caso.

Pelo que li, se ele não confessasse a negligência na morte da criança, o facto de ter mantido uma família presa durante todos aqueles anos, seria punido com 15 anos de cadeia.

E isto é que me parece mil vezes mais grave que a existência ou inexistência de prisão perpétua.

zazie disse...

Mas não percebi sequer se existe apenas uma figura jurídica para "escravatura" ou prisão de outrem. Porque privar seres humanos de conhecerem o mundo é algo tão abjecto quanto deixar morrer uma criança à nascença.

Se é que não é ainda pior, no caso da filha a quem tirou anos de vida que nunca ninguém lhos poderá restituir.

E cá, a lei diz o mesmo- há apenas uma noção de "prisão" sem esta variância que é da ordem das trevas?

josé disse...

Não, não há crime específico para estes actos, provavelmente porque não se tornam imagináveis, como tal.
Existe o de escravidão, mas com um recorte que não se ajusta integralmente aos factos conhecidos.

rosa disse...

Ora veja lá José, que os penalistas de Coimbra são tão garantistas, tão garantistas que até dão pareceres a que servem à CMVM para condenar as LJ Carregosa da vida...

O Público activista e relapso