sexta-feira, setembro 03, 2010

Filhos de algo

"Os filhos de Noronha Nascimento( presidente do STJ) e de Oliveira Pereira ( director da PSP) entraram, respectivamente, para o SIS e para o SIED ( Serviços de Informações Estratégicas da Defesa), em meados de 2009, por intermédio de concursos de recrutamento nos quais participaram várias centenas de candidatos a "espiões", escreve hoje o Sol.

O jornal revela que o assunto está a causar grande polémica por causa da "proximidade que existe entre Noronha e Antero Luís, juiz desembargador que é director-geral do SIS, desde 2005 e muito próximo de Armando Vara" ( e da Maçonaria, por suposto, acrescento eu). Por outro lado Oliveira Pereira será maçon do GOL. Adiante.

Noronha Nascimento, interpelado pelo Sol, disse assim:

" A que título é que um cidadão, que por acaso é filho do presidente do STJ, não pode ser escolhido num concurso, que foi anunciado publicamente através da imprensa de referência, e que terá provas de recrutamento extremamente rigorosas?" E não fica por aí: " a mesma questão não pode ser posta em relação a jornalistas que, também por acaso, são familiares próximos de políticos, juízes, advogados, médicos, administradores ou empresários?"

Entretanto, Marques Júnior ( outro maçon de relevo), presidente do CFSI já assegurou que o concurso decorreu na mais perfeita legalidade... e sobre o eventual problema ético, afirmou o que já é costume: "não existe qualquer limitação legal que impeça a participação dessas pessoas".
Ora muito bem. A ética, neste como noutros casos, neste Portugal republicano, socialista e laico, com forte pendor maçónico, como se vê, é a lei. E fica quase tudo dito e explicado.

Tudo menos o velhíssimo ditado que assegura em senso comum milenar, que à mulher de César não basta ser honesta. Terá ainda de parecê-lo.
Um presidente do STJ não é um jornalista. Um presidente do STJ com poderes para analisar comportamentos eventualmente criminosos de um primeiro-ministro, em posição de juiz singular e prè-definido, não é um mero cidadão, jornalista que seja. É uma autoridade judiciária única e um representante do poder judicial que , quer se queria ou não, se contrapõe aos restantes poderes do Estado, numa desejável e obrigatória ausência de promiscuidade. Mas o filho do presidente do STJ não é o filho de um anónimo e essa qualidade pesa necessariamente numa escolha aberta, mesmo em concurso. Haverá a mais pequena dúvida disso? Um espião recruta-se no escuro do seu perfil pessoal e profissional?
Logo, essa ligação paternal, no contexto actual ( refiro-me a "meados de 2009", véspera de eleições e altura da ocorrência do incidente fatídico do Face Oculta e das escutas malvadas que indiciavam um "atentado ao Estado de Direito" da responsabilidade o primeiro-ministro), objectivamente é um dado a ponderar em quem toma conhecimento dessa notícia.
Veja-se o caso do filho de Sarkozy em França, para entender este pequeno embrulho ético. Vejam-se outros que não são noticiados porque aparentemente não interessam ao público.
Há um ambiente ético e um pathos político que inquina estas escolhas profissionais que deveriam ser outra coisa e não suscitarem as mais pequenas dúvidas éticas. A percepção desse ambiente e desse pathos político é essencial ao exercício da magistratura em cargos de relevo. A mais leve suspeita de ligações espúrias inquina irremediavelmente a natureza de um cargo como o de presidente do STJ com os poderes que actualmente tem. É algo tenebroso pensar que um presidente do STJ não é alguém completamente isento e de seriedade pessoal e profissional a toda a prova, independente dos restantes poderes do Estado, mormente de um Executivo como este que nos tem governado.
A dúvida que o Sol deixa entrever é uma dúvida comum ao cidadão normal. Pergunte-se a uma qualquer pessoa, passante numa qualquer rua do país, o que pensa do assunto...e adivinhe-se se a resposta será coincidente com a que o presidente do STJ deu ao Sol.

Sobre a ética do presidente do STJ, respondem os seus actos públicos e declarações públicas.
Sobre outra coisa, como seja a vergonha, não haverá nada que o faça responder. É uma coisa muda e recatada.
Mas fica por isso mesmo, uma memória e uma dúvida estranha , sem sombra de suspeita desonrosa, mas legítima porque plausível e a ponderar neste contexto ético, sobre o sentido de determinadas decisões, tomadas em meados de 2009, e que são inacreditáveis num jurista. Refiro-me ao caso do expediente das escutas em que interveio o primeiro-ministro, declarado urbi et orbi, "nulas e de nenhum efeito", numa decisão à outrance e de contornos jurídicos impressionantemente duvidosos, segundo o catedrático Costa Andrade.
Pode o presidente do STJ arrojar-se ao chão de indignação e cólera por causa desta alusão, que pode considerar ignominiosa, tal como deixa adivinhar na reacção que teve perante as perguntas legítimas e as dúvidas ponderadas da opinião pública, traduzidas no artigo de hoje, no Sol.
O que não pode é esconder os factos. Porque contra estes, não há argumentos. Mesmo republicanos e socialistas.

Questuber! Mais um escândalo!