O Diário de Notícias de ontem, hoje, amanhã e depois de amanhã consagra várias páginas a um fenómeno social de relevo: a Maçonaria portuguesa e as suas lojas que abrigam muitos notáveis da sociedade portuguesa.
Hoje o relevo é dado às lojas frequentadas pelos magistrados e aparentemente denunciados num livro a publicar, da autoria de um juiz que há cerca de vinte anos trava uma guerra pessoal com a instituição, traduzida em processos disciplinares que ainda não findaram.
José Costa Pimenta, autor do livro a publicar, "A máfia dos tribunais portugueses", entre os anos oitenta e noventa foi considerado pelos inspectores que viram e apreciaram o seu trabalho, como um profissional de excepcional qualidade e que "dominava o chamado direito penal total", na expressão que o inspector usou no relatório em que lhe propôs a nota de "muito bom", aliás bem merecida pelo que se conhecia então do juiz José Costa Pimenta.
Autor das primeiras anotações ao código de processo penal saído em finais de 1987 ( antes dos habituais comentadores) , JCP é autor de vários livros de direito, com uma dimensão prática que os torna interessantes para quem exerce profissões forenses.
Depois disso e nos anos noventa foi inspeccionado quando já era profissional dos tribunais administrativos e fiscais e cometeu uma infracção imperdoável a qualquer magistrado: a de lesa majestade do respectivo conselho superior e que se transformou em ofensa disciplinar grave, por factos posteriores e recorrentes. Foi sujeito a processo disciplinar e há vinte anos que o pretendem afastar definitivamente da magistratura.
O mesmo que pouco antes era um magistrado excepcional, de craveira supina e que dominava o tal "direito penal total". E asseguro, tanto quanto percebo de pessoas, que enquanto pessoa José Costa Pimenta foi sempre o mesmo, desde os anos oitenta para cá. Não teve nenhum problema psíquico grave que o afectasse de modo sério e o modificasse e tornasse diferente na carreira profissional do que era quando ainda era "excepcional." Porque era mesmo.
JCP foi agora citado pelo DN de hoje como tendo escrito nesse livro que " o sistema de justiça português é constituído por lojas maçónicas e controlado pela maçonaria." O que tem dois efeitos perversos: a Maçonaria, assim, controla as decisões dos processos e a carreira dos juízes e magistrados do MºPº., o que desvirtua a função judicial na medida em que se pretende que a mesma seja o mais possível independente e autónoma.
O D.N., em função desta tese, ouviu vários responsáveis pelo sistema de justiça que temos. Lúcio Barbosa, presidente do Conselho Superior dos tribunais administrativos e fiscais "nem sequer respondeu". Pinto Monteiro, da PGR disse que "não sabe de nada". Noronha Nascimento, presidente do STJ, disse mais coisas. Que o problema dos magistrados estarem ou não filiados em lojas secretas é o mesmo de serem sócios do Benfica, da Opus Dei, de qualquer associação ou clube. E portanto, não o aflige a falta de independência por isso...
Comentando quem comentou, deve dizer-se que a Maçonaria não é o mesmo que um clube de futebol. Em primeiro lugar, os sócios de clubes desportivos têm cartões de identificação; os maçons não têm e escondem essa condição. A Maçonaria reúne-se frequente e regularmente em conclaves nas lojas, para tratar de assuntos do interesse comum dos seus membros. Os sócios de clubes de futebol ou até mesmo de qualquer associação não se reúnem nem tratam assuntos que digam respeito aos seus sócios do mesmo ponto de vista que a Maçonaria o faz.
Para perceber essa distinção e diferença substancial basta ler o que Abel Pinheiro, um maçon notório, diz na mesma edição de hoje do jornal: " aquilo não tem poder, tem é informação". Exactamente. E quem tem informação, tem o quê? Saber é...submissão, irrelevância social, ou é mesmo "poder"?
Por outro lado, o que diz o ex grão mestre do GOL, António Reis, é igualmente revelador e importante. Sobre os valores maçónicos, conta que Salvador Allende afirmou um dia na sua loja maçónica que "antes de ser socialista era maçon". Pois claro! E mais: acha que há um preconceito contra a Maçonaria e que é por isso que os membros das lojas não se identificam como tal. Só por isso...
Mas não deixa de afirmar que "tudo se discute nas lojas" e que "protestamos quando alguém, por ser maçon, é prejudicado no acesso a determinado cargo."
Voltando ao tema da magistratura nas lojas, é portanto evidente que se tudo se discute nas lojas, também se discutem assuntos judiciários e se os valores da Maçonaria abarcam essencialmente a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a laicidade, então é em nome desses valores que a Maçonaria se empenha em colocar os seus membros nos lugares mais importantes para que tais valores prevaleçam.
Um desses lugares, no que ao poder judicial se refere, é o do Conselho Superior das magistraturas, particularmente dos tribunais administrativos e fiscais, tal como JCP refere.
Porquê? Por motivos eventualmente prosaicos. Os magistrados dos tribunais superiores administrativos e fiscais são geralmente colocados por cooptação. São amigos que escolhem amigos, competência técnica à parte. Na generalidade, são magistrados muito competentes e a cultura judiciária desses tribunais é propícia à associação lojística.
Esse fenómeno junta a fome da Maçonaria à vontade de comer de certos indivíduos para quem os cargos de poder são sempre apetecidos. E é por isso que o círculo se fecha nessas lojas.
É fatal como o destino dos segredos: serem conhecidos.
Se eventualmente se acabasse com o secretismo, a hidra ficava sem cabeças...e é por isso que se torna sumamente estranho que um magistrado presumivelmente inteligente como Noronha Nascimento seja tão básico na tese anti conspirativa.
É estranho e não se entranha.