quinta-feira, fevereiro 13, 2014

A História "meme"

A Cofina ( Correio da Manhã e Sábado, entre outras publicações) começou hoje a publicar uma colecção de oito livros de ensaios sobre "os anos de Abril". O volume de hoje versa "o fim do marcelismo" e vale a pena ler o sumário:



Trata-se de um compêndio de História "meme", mais do mesmo de sempre. Não vale a pena ler muito porque a História é contada sempre do mesmo modo de há quarenta anos a esta parte. É o "fascismo" e o "colonialismo" e a "guerra colonial" e ainda "o imperialismo" e o "capital monopolista".

A História dos últimos anos de Caetano é deixada por conta de Fernando Rosas ( está tudo dito) e também de João Bosco Mota-Amaral,  o natural candidato a PR que só o não é por causa de sabe Deus porquê...
Ainda assim o artigo de Mota Amaral destoa apenas um poucochinho da habitual lenga-lenga antifassista dos Rosas&Pereira.

Este tipo de História gannhava muito mais em objectividade se fosse contada por historiadores comunistas, fossilizados, que ainda os haverá por aí a escrevinhar no O Militante.

No fim de contas, a versão histórica que nos é contada sobre o que ocorria antes de 25 de Abril de 1974 e o que se passou depois, já foi contada no Avante. Até antes de 1974. E se o fosse ficaríamos todos mais esclarecidos sobre a perspectiva histórica de quem conta o quê.

A imagem que segue, retirada do primeiro volume, tem uma imagem inserida do Avante, na sua última edição "clandestina". A linguagem, como se pode ler, é a de sempre. "Não dar tréguas ao fascismo". É o motto que pegou de estaca. 


Agora outra coisa mais pessoalizada: há por aí algumas almas sensíveis que fazem o favor de ser das minhas amizades pessoais e que aparentemente se chocam ao ler isto ( a última deve ter a ver com a comparação que faço entre o antigo regime e o actual da democracia que temos e que alguém achou que "era demais").
Pois será mesmo demais, mas explico sempre porque escrevo o que escrevo e neste caso, a comparação é com o nível de corrupção geral entre sistemas- o antes e o depois de 25 de Abril. E parece-me consensual, indiscutível e pacífico que o regime de Salazar e Caetano não tinham uma fracção mínima dos índices de corrupção que agora temos, com os exemplos que por aqui tenho deixado e que só não vê quem não quer.

Por outro lado, a minha perspectiva política, sempre frontalmente contra o comunismo, abertamente primária e fundamentalista ( isto é dar armas a quem não tem argumentos, mas vai assim mesmo)  tem uma explicação e  passo a expor, para quem ainda não percebeu e se interessa por isso:

Sou abertamente anti-comunista como os comunistas o são contra o dito fascismo que não é nada fascismo, mas uma construção conceptual que arranjaram para liquidar de uma palavra só o inimigo ideológico.

A palavra "comunismo" devia ter entre nós, como tem em alguns países, uma conotação idêntica a nazismo ou mesmo fascismo, o verdadeiro, italiano.  Não tem. E não tem porque os comunistas se precaveram em devido tempo contra tal perigo que sabem muito bem estar presente por causa dos horrores que historicamente aconteceram nos países de Leste, superiores provavelmente e em escala aos dos nazis. Só isso deveria bastar para relegar a palavra "comunismo" para o caixote de lixo mais hediondo da História.

E não acredito que haja alguém com coragem, sabendo isto que é um facto histórico, e não pense que deveria ser de outro modo, seguindo a sua própria lógica.

Apesar disto tudo, separo evidentemente as pessoas da ideologia em que acreditam. Assim como não hostilizo pessoalmente um ateu, também não gosto de o fazer a um comunista. Creio sempre que as pessoas podem enganar-se nas suas opções e por isso não são merecedoras de desprezo pessoal que voto à ideologia. E isto que é uma coisa tão simples de entender é por vezes muito difícil de aceitar.
Mais ainda: tendo amigos comunistas "empedernidos" não me parece que os deva distinguir por tal facto e deixar de os ter como amigos. Desde que as discussões não passem de certo nível, até são saudáveis porque obrigam a raciocinar e pensar com lógica, a fim de ultrapassar os dogmas das crenças.

Deste modo a minha insistência em mostrar o que foi o regime de Caetano e Salazar e a minha simpatia pelas personagens e até certo ponto valores, não implica que seja saudosista desse tempo e que não tenha ficado satisfeito com o advento de uma maior Liberdade em 25 de Abril de 1974. O regime de Caetano estava de facto a finar-se e o único modo de se salvar teria sido acabar com a guerra no Ultramar.  Esta é a minha visão da História e julgo que todos ficariam a ganhar se rebobinassem as memórias do tempo e passassem a raciocinar como acontecia antes do 25 de Abril em relação a vários problemas com que nos defrontamos: Educação, Família, Iniciativa Privada, Valores de Honra e Dignidade do país que temos e somos e que as Forças Armadas então representavam. Ironicamente veio daí a raiz do Mal...e é para entender tal coisa que me dedico a estes "recortes" que por aqui aparecem. Mais nada.


46 comentários:

Floribundus disse...

diria o mesmo em menos palavras,
mas o assunto não ficava tão bem esclarecido

em relação aos sociais-fascistas lamento que o Tarrafal e a Pide não tenham funcionado eficazmente

não perco o meu tempo a ler ou ouvir a esquerda festiva que suja papel a vender a sua gelatinosa estória
parece um disco falhado

Unknown disse...

amigo anticomunista primário; com simpatia mostro-lhe como é ralmente e como (não) pensa lá muito catolicamente ="creio sempre que as pessoas podem enganar-se nas suas opções" ; talvez não veja como é arrogante julgar o que os outros pensam como um erro ou uma inferioridade,mas acredite é duma arrogancia realmente digno dum estalinista ou fachista. Porque eu podia lembrar-lhe que comparasses as ditaduras da America latina com a de Cuba mas era julgo eu, pelo modo como escreve perder tempo e absolutamente inutil. Mas faça um upgrade e respeite os outros não porque se podem enganar mas porque têm realmente o DIREITO a terem ideias proprias.

Anibal Duarte Corrécio disse...

Nazismo e comunismo são dois cornos da mesma cabra.

Não existe primário.

Ser ou não ser é a questão.

JReis disse...

José,
Este é o comentário talvez mais difícil que terei que fazer por aqui. Este seu postal, por ser algo pessoalizado, tem alma. Apenas certas mentes intelectualmente diminuídas não saberão ler nas entrelinhas o verdadeiro objectivo deste seu espaço. A maior liberdade do 25 de Abril também tem de servir para mostrar que os valores dele resultantes são em muitos aspectos piores do que antes e torna-se portanto importante demonstrar quem foram os responsáveis pela deterioração desses valores. Não desista deste seu excelente espaço, tenho para mim que muita gente que por aqui passa fica a entender que a história nem sempre é aquilo que nos fazem crer. Eu fico-lhe agradecido por disponibilizar a verdadeira versão da história e me fazer reflectir como o Portugal de hoje poderia ser uma muito melhor nação !!

zazie disse...

Tchiii....

É por isso que eu me acobardo.

josé disse...

António Cristóvão:

Não está a pensar bem. Ou seja, julgo que estará enganado naquilo que pensa. Ou, ainda melhor,o seu direito a ter ideias próprias não quer significar que outrém não tenha igual direito de ter ideias próprias, diferentes.

Portanto, o que realmente alguém pensa, pode ser diverso, mas isso não significa que esteja certo quem pensa assim e quem pensa o oposto.

A Verdade está em algum lado e por isso mesmo, no meu entender, tendo mais a acreditar na minha Verdade do que na sua se ela divergir intensamente.

E isso não significa que estou a coarctar direitos a alguém. Significa apenas que estou a exprimir a minha verdade e que em relação ao comunismo quem assim pensa pensa errado, profundamente errado.

Nunca poderia ser de outro modo porque são ideologias incompatíveis.

São crenças e as crenças podem discutir-se mas uma delas tem que estar errada. Ora...pensar eu que é a outra não é coarctar direitos a ninguém. É apenas uma Opinião.

Será que me fiz entender?

josé disse...

Por isso mesmo é que tento exprimir a minha Opinião juntando-lhe factos e "recortes" para que não seja meramente "opinativa" como estou farto de ler por aí.

Quando digo algo, procuro que tal tenha correspondência com uma realidade que mostro, porque contra factos não pode haver muitos argumentos.

Ora há quem ignore os factos obstinadamente e sobreleve a opinião, a despeito desses factos.
É isso que os comunistas fazem, mas isto não é apenas uma opinião- tem a apoiá-la todos os factos que apresento e me parecem incontestáveis.

Quer ver um exemplo? Se digo que o comunismo é hediondo, tal como o nazismo, tal significa que o é por ter morto milhões de pessoas arbitrariamente só porque não pensavam como os dirigentes ( Estaline, principalmente) queriam.

E isso é um facto histórico. Se quiserem abater o meu argumento terão então que negar a validade desses factos.

O que nunca acontece...

Jorge Poço disse...

Um comunista com ideias próprias? !?! Sem passar pelo crivo do comité central e antes de ser difundida pelo Avante! !!!! O Sr Cristóvão deve viver noutro mundo!!!!!!

zazie disse...

Eu não consigo ter a pachorra que o José tem.

Porque este falso argumento é repetido ao infinito e está na moda.

Resumem sempre a questão a isto- como não têm argumentos, afirmam que quem os tem está a impedir os outros de terem qualquer outra coisa que não sabem exprimi.

Em última instância, esta ideia seria a censura absoluta e a impossibilidade de debate em nome do "direito a ter ideiasd próprias e diferentes".

As deles. As dos outros têm de ser iguais para não os silenciarem

eheheheheh

A gaiatada nova fala assim. Pelos vistos aprenderam com os pais.
é um meme geracional do politicamente correcto, em nome da democracia do que vai na alma escardalha.

zazie disse...

Ah, a gaiatada costuma dizer que é por respeito.

Pelo facto de ser bom respeitar as ideias dos outros, eles não admitem argumentos nem debate de uma afirmação qualquer sem argumentos.

Floribundus disse...

aconselho a leitura de
Ihren Kampf
no blogue do Prof Caldeira

por favor sonhem, apesar de tudo, com um rectângulo melhor

Maria disse...

O José estará sempre de parabéns por variadíssimos motivos. Pelo espaço de que dispõe aproveitando-o brilhantemente para, através de centenas de documentos da época que o provam sem margem para dúvidas, expôr o que de podre, corrupto e indigno este regime tem demonstrado à exaustão ao longo das últimas quatro décadas, comparativamente com o anterior que não era democrático nem foi preciso sê-lo para nos ter governado durante quase as mesmas décadas com a máxima integridade, honestidade, dignidade e patriotismo. E para não ir mais longe por desnecessário, que fique bem claro que lá por este regime se auto-intitular 'democrático' - sendo esta a mais monstruosa embustice a que este povo milenar jamais assistiu - perante a sua degradação, corrupção monstra, mentiras políticas sucessivas e vergonhosas, indignidade, nenhuma formação moral de pràticamente todos os políticos que o têm vindo a integrar desde o seu início, os já falecidos e os bem vivos que o representam na actualidade, hipocrisia e cinismo a roçar a obscenidade em quantidades industriais de quase toda a classe política, com pouquíssimas e honrosíssimas excepções, não há uma única qualidade, uma só, que o possa qualificar como um regime político na verdadeira acepção da palavra. É um arremedo de uma democracia e todos os que o engendraram e o aplicaram no terreno cometeram Alta Traição à Pátria como agentes maçónicos infiltrados a soldo do governo secreto mundial.

Comparar este regime infamante cujos mentores foram tão vís como, para além de assaltar escandalosamente os cofres do Estado e diàriamente o erário público, retirar-nos da noite para o dia a Soberania e a Independência Nacionais e não contentes virarem do avesso a ordem estabelecida acabando de vez com a paz e a harmonia sociais e o respeito entre portugueses de todas as idades e ainda conseguirem deixar a economia de rastos, já então em rápido desenvolvimento, a uma Nação como Portugal e a somar a este cataclismo a ordem por eles dada para mandar matar milhões de portugueses inocentes, compará-lo, repito, com o regime do Estado Novo, não só é um acto de malvadez pura como ainda reduz a uma condição ultrajante adjectivos qualificativos de grau superior que emprestam à língua portuguesa a nobreza com a qual foram criados.

Sou insuspeita em tudo quanto afirmo relativamente aos políticos do "25/4" que não surpreendentemente sempre trataram os eleitores abaixo de cão porque mentiram-lhes consecutivamente desde a primeira eleição 'livre' (mas pouco...) até à última e mais recente. Sempre votei no PSD por em seus políticos ter acreditado desde a primeira hora. Votei no Prof. Cavaco Silva por três vezes, duas para primeiro ministro e uma para presidente. Votei no maior velhaco deste país, Mário Soares, uma única vez aquando da (e após a) manifestação-farsa da Fonte Luminosa a que assisti com entusiasmo (esta foi outra mega embustice e outra pulhice monstra) acto ingénuo de que me hei-de arrepender até morrer.

A todos eles voto-os ao ostracismo. Só não me arrependo de ter votado na A.D. de Sá Carneiro por ter acreditado nele próprio. A partir do dia em que o bando de criminosos que finge que nos governa o mandou assassinar, ficou pràticamente a nu o espírito malígno que lhes habita o corpo e a alma. Demorou mais uns bons anos a perderem totalmente a credibilidade pessoal e política perante o povo português e perante mim própria. Isso aconteceu graças a Deus finalmente e para sempre a partir do dia 22 de Novembro de 2002, ano fatídico principalmente para os portugueses que ainda neles acreditavam, em que por detrás da máscara afivelada de cada um e de todos se escondia a verdadeira face repugnante e malvada de quase todos os falsos governantes e políticos que têm passado pelo poder neste infeliz e adorado Portugal.

muja disse...

Em última instância, esta ideia seria a censura absoluta e a impossibilidade de debate em nome do "direito a ter ideiasd próprias e diferentes".

Claro. Se não há pensamentos errados nem certos, então o único critério é a semelhança entre eles. Daí até preferir e justificar a preferência por pensamentos parecidos ou iguais, é um rápido...

É a própria definição do pensamento memé: pensar como os que pensam como eu.

muja disse...

E se não pensares como eu, és arrogante.

zazie disse...

Mujah:

Mas sabe que eu já assisti a isto em diálogos entre uma professora de filosofia e os alunos.

E ela nem corrigiu a falácia. Tive de ser eu a explicar-lhes a estupidez da falta de lógica do que estavam a dizer.

E depois também lhe perguntei se já que tinha de dar lógica a esta maralha porque é que em vez daqueles silogismos aristotélicos apatetados ou dso símbolos matemáticos, não ilustrava os erros lógicos precisamente com estes memes da moda.

Eu não sou prof a sério e não deixo passar. Porque isto me encanita.

zazie disse...

Sabe que eu acho que nem é isso que eles pensam que estão a dizer.

Eles têm por dogma que os dogmas que lhes meteram na cabeça ainda são um pensamento "do contra". Algo que há 40 anos ainda luta contra o "pensamento dominante facista e católico".

A sério.

Portanto, quando alguém mostra o contrário eles marinham porque acham, como lhes ensinaram na escola, que estão a ser ameaçados pela censura facista.

E daí dizerem que têm direito a ter deias diferentes, quando nem exprimem uma ideia mas a defesa de um regime comunista ou de outra barbárie que não tomam por barbárie.

Porque o único estigma de barbárie que lhes ensinaram é mesmo que alguns mais velhos ainda têm, por "ser difícil mudar as mentalidades".

No outro dia uma palerma disse-me isso.

Eu até lhe recomendei a pegar numa moto-serra e começar a trucidar os avózinhos infames que também ainda não mudaram de mentalidade.

E continuar pelo mundo fora e bombardear todos os países reaccionários que também não adoptaram a ditadura do politicamente correcto e seus exemplos práticos.

zazie disse...

ideias e outras gralhas. Foi à pressa.

josé disse...

Zazie: é isso mesmo e tenho uma entrevista de Baptista Bastos ao Jornal de Negócios que o demonstra à saciedade.

Logo vou publicar e comentar, porque é exemplar dessa mentalidade.

zazie disse...

Quer ver um exemplo de como pensam.

Este é meu "cliente" eehehe

E tinha isto online:

https://scontent-a-lhr.xx.fbcdn.net/hphotos-ash3/t31/p180x540/1836807_10151884983777617_1554497104_o.jpg


Depois comentou que se fosse a Igreja Católica o feto ficava no dilema de ter de optar por nascer e ser crucificado, ou não nascer por causa do estigma.

Parecia a brincar mas é bué de beto, de famelga bué de bem mas ateu militante e fala e pensa assim.

Eu perguntei-lhe se eles metiam para veia e achavam que nascer ou ser gay também é essa treta dessa palavra da moda que não quer dizer nada, a que chamam "opção".

E vai uma outra e diz que sim, que as pessoas optam.

E eu tive de gozar com a cena de detectar-se um feto gay de cuzinho sempre virado para homem, porque não dá.

E, se eu lhe disser que são exemplo de pessoas instruídas, talentosas e até interessadas a níveis superior à média, custa a crer.

Eu penso que a culpa é dos pais. Tal como o Cristóvão, na volta os pais é que já fizeram todos os upgrades e esta malta nova segue a onda.

zazie disse...

Dos pais e dos profs.

Não vale a pena insistir-se em desmontar a patranha se são as escolas que fazem homenagens ao Cunhal.

Aliás, eu nem sei como é que profs do secundário admitem partidos políticos lá dentro e ainda os chamam para darem "sessões de esclarecimento".

Só sei que já tinha sido exonerada se trabalhasse num local desses.

Porque era tudo literalmente corrido a pontapé.

Fosse de que partido fosse. Nunca admitiria um militante partidário a fazer doutrina numa escola. Tal como esses merdas não admitem crucifixos por acharem que causam mau-olhado.

zazie disse...

Pode crer, José.

A miúda chamou a uma treta de gozo anti-politicamente correcto, fascismo.

E disse-me literalmente que eu falava assim mas não tinha culpa porque pertencia a uma geração que viveu sob a oprssão fascista do Estado Novo.

A sério.

Eu depois peguei no exemplo que era merda de fobia da moda e perguntei-lhe como era em França, Inglaterra, América, por aí fora, incluindo Oriente e resto do planeta que não tiveram Estado Novo, nem "facismo" e em que gerações inteiras falavam livremente sem essa preocupação do politicamente correcto.

Não respondeu.

Mas fciaram a rosnar com a coisa. Porque eu é que era vítima de falta de liberdade por falar livremente. Não eram eles os conceituosos.

E a explicação vai sempre bater no mesmo. Não têm sequer essa noção porque ainda acreditam que o bom-senso é facista.

zazie disse...

preconceituosos e mais gralhas. Tenho de ir

António Lopes disse...

Esta "democracia"...!
O mais antigo exemplo dela, tal como a conheço, é do tempo de Pilatos!
O Povo pedia:
- Condenem o Inocente! Soltem-nos o ladrão!


A. Lopes

Vivendi disse...

O problema?

Invés de formatarem a cabeça das criancinhas com memes devem sim educá-las na tradição...

http://viriatosdaeconomia.blogspot.com/2014/02/e-nosso-dever.html

lusitânea disse...

Vendo tão ilustres teorizadores dos amanhãs que nunca mais chegam só fico admirado de não terem ido convidar o balanta António Indjai para nos ensinar qualquer coisinha.É que ele é dos puros libertadores que tanto desassossego deu aos antifassistas...

lusitânea disse...

Anti-fassistas e anti-colonialistas que adoram morrer por cá.Só não nos dizem quem paga...

Ljubljana disse...

Caro José,
Permita-me a liberdade de invadir este seu espaço e deixar já aqui a entrevista desse colunista do JN, para que, desde logo, os convivas possam lê-la. Espero não estar a cometer nenhuma infracção de divulgação ilegal de conteúdos. A ser assim, O José faça o obséquio de a apagar deste espaço.

1ª parte

Baptista-Bastos tem uma voz tonitruante. Dá peso e espessura às palavras. Tem fama de ser brigão. Impulsivo. Mas estes traços desvanecem-se quando fala de Isaura. "Vais-te embora Isaurinha", pergunta pouco depois da entrevista ter começado. Isaura vai ao médico. Isaura é sua mulher. Conheceu-a aos 26 anos, quando ela tinha 20. Ela disse-lhe: "espero por ti o tempo que for preciso". Esperou. Casaram. Tiveram três filhos. Ele confessa-se, com ternura: "sou um Isauro-dependente". Ele tem uma casa em Constância, onde guarda os livros. Quando precisa de algum, os filhos vão buscar. "É uma casa muito estreita, com escadas, e a Isaura tem medo que eu vá para lá, ela não me deixa ir". É ela que trata dele, "que resolve as coisas". Todas. Do dinheiro à saúde. Isaura foi ao médico, mas esteve sempre presente na entrevista. "Ela ralha comigo. Tem a mania que manda em mim". Admite-o com indisfarçável carinho. Armando Baptista-Bastos fará 80 anos no dia 27 de Fevereiro. Quando se deu o 25 de Abril, tinha 40 anos, o mesmo número de anos que a revolução celebrará em 2014. Uma revolução "interrompida", lamenta. No início do mês, lançou o livro "Tempo de Combate", que reúne as suas crónicas do Negócios e do "Diário de Notícias". Um calendário de iras, provações e afectos. Baptista-Bastos é tudo isto. E muito mais.
Como jornalista e escritor, como é que se sente sendo conhecido, principalmente, pela pergunta: “Onde é que você estava no 25 de Abril”?
Eu fiz essa pergunta [no programa “Conversas Secretas”] a três pessoas de direita, como a Maria José Nogueira Pinto, de quem eu gostava muito. Coisa estranha, não? Um homem de esquerda ter, assumidamente, relações de estima por gente abertamente de direita. Interessa-me o carácter, é uma coisa do código de honra da minha geração. Bom, fiz essa pergunta três ou quatro vezes, mas, no outro dia, fui entrevistado pelo Júlio Isidro e ele contou-me uma história fabulosa: “não foste tu quem primeiro fez essa pergunta”. Foi o locutor do Rádio Clube Português, o Luís Filipe Costa. O seu a seu dono. Mas eu não me importei nada, achei piada.
-Vais-te embora Isaurinha? - Conhecemo-nos éramos dois miúdos, eu estava desempregado por motivos políticos, é claro. Estive envolvido na Revolta da Sé, aliciado pelo Urbano [Tavares Rodrigues]. Eu dizia logo que sim a tudo o que era revolução, não podia viver neste país. E já tinha viajado, já tinha estabelecido confrontos. Conheci a Isaura quando tinha 25 ou 26 anos, e ela 20. Contei-lhe tudo, “olha que eu estou metido em coisas”, e ela, “eu espero por ti o tempo que for preciso”. Assim foi. E andamos nisto.

E esperou quanto tempo por si?
Entretanto, fui trabalhar para o “República”, e depois contratado para o “Diário Popular”. Nesse mesmo ano, casámos. Arranjei dinheiro para a casa. Eu vivia em quartos…, mas foi bom. Felizmente, tive muitos azares. Nunca tive muito dinheiro na vida, os tostões eram contados, de tal maneira que, às vezes, ia buscar o mais pequeno ao liceu – tenho três filhos –, ele gostava, e ainda gosta muito, de cachorros quentes, e eu não tinha dinheiro para lhos dar. Isso, às vezes, constrangia-me um bocado, mas não me enraiveceu, não fez de mim um homem rancoroso.

Como é a sua relação com o dinheiro?
Não percebo nada de dinheiro. Durante anos, a minha mulher é que me punha o dinheiro dentro do bolso. Ainda hoje não tenho a noção do valor do dinheiro. Por vezes, eu comprava alguma coisa, chegava a casa todo contente, e ela logo dizia: foste enganado.

Ljubljana disse...

2ª parte

A propósito da Maria José Nogueira Pinto, entendi que, para si, as amizades e a lealdade não têm ideologia.
Faz-me lembrar aquela história do Brecht, que ele, aliás, conta no “Journal de Travail”. Um dia, aparece no Berliner Ensemble um tipo que diz: eu sou comunista! O Brecht ficou pior que estragado e diz-lhe: mostra o teu talento, não mostres o cartão, nunca mostres o cartão do teu partido. E é isto, ainda hoje tenho muitos amigos à direita. Nunca utilizei essa bitola nas relações e até arranjei empregos para muita gente. Quando estava no “Diário Popular”, tive poder de facto. Esta relação com dinheiro é de tal ordem que um dia, depois do 25 de Abril, o presidente do conselho de administração, que se chamava António Moreira da Cruz e era do PSD, chamou-me lá acima e disse-me: eu estou completamente envergonhado porque o senhor ganha 60 contos. O senhor é a Torre de Belém do “Diário Popular”! Mas por que é que é isto? E eu disse: nunca pedi. E não era só por isso. A circunstância de ser assumidamente um homem de esquerda e de ter o fascínio da revolução… – é uma coisa que não perco. E o presidente do conselho de administração lá me arranjou mais 30 contos. Foi uma satisfação porreira porque eu tinha três filhos e nunca tive dinheiro para lhes comprar uma bicicleta. Isto não é tocar o fado neo-realista, é uma verdade. E eu, além de ter sido muito brigão, era muito respingão, e estas coisas pagam-se. Ainda bem.

Está arrependido?
Não, não. Eu fazia tudo na mesma. Meti-me nos golpes de Estado, metia-me nas coisas, metia-me em tudo o que eu pensava que era necessário.

Afinal, quem é que é o Baptista-Bastos?
É um homem de 80 anos, com uma vivência desgraçada, apesar de tudo. Mas ainda bem que tive a sorte de ter tido muitas dificuldades. De dinheiro. De – é feio dizer isto – ter sido um homem invejado. O Baptista-Bastos é um tipo que ainda hoje lê, um tipo que estudou, um tipo que tem preocupações com a língua portuguesa. Tenho uma paixão pela língua. Foi uma aprendizagem longa. Os livros que vocês vêem aqui são um 1/36 avos dos livros que tenho. Tenho milhares e milhares de livros, procurados por mim, lidos por mim, muitos deles estão numa casa pequenina que tenho em Constância. Mas é uma casa muito estreita, com escadas, e a Isaura tem medo que eu vá para lá, ela não me deixa ir.

É respingão, mas obedece à sua mulher.
Costumo dizer que sou um Isauro-dependente, porque ela é que trata de mim, ela é que resolve as coisas, e não apenas as coisas do dinheiro, resolve as coisas da minha saúde. Às vezes, eu não quero ir aos sítios, aos médicos, ela é que toma conta disso.

É o seu farol.
É a mulher que esteve sempre ao meu lado, não esteve atrás, esteve sempre ao meu lado nos períodos difíceis, muito difíceis. Hoje as pessoas não sabem, nem palpitam, o que era a dificuldade naquele tempo. Eu expunha-me muito, era muito mexido. Quase todos os dias estava na primeira página do “Diário Popular”. Os jornais são a minha eterna paixão, eu gosto de jornais, gosto do cheiro dos jornais, gosto das pessoas dos jornais, gosto de jornalistas.
Houve uma altura em que podia ter continuado, eu era um homem ainda novo e estava no auge das coisas, mas fui saneado, do “Diário Económico”, por um tipo que tem a boca torcida e que se chama Miguel Coutinho. Não tenho nada a ver com isso, mas ele é que perdeu. E, apesar de insistentes pedidos do Fernando Dacosta, do Adelino Gomes, etc, para entrar no “Público”, o Vicente Jorge Silva disse que “não” porque eu tinha admiração pela revolução cubana. Tinha e tenho. Um dos meus grandes falhanços é nunca ter entrevistado o Fidel Castro e aqueles homens da revolução, o Camilo Cienfuegos...

Ljubljana disse...

3ª parte

E o Mao Tse-tung? Como é que um homem, com meia dúzia de gajos, com os olhos em bico, atravessa a China, e faz essa epopeia impressionante que é a Grande Marcha? A China era o sítio onde os imperialismos iam fazer cocó. A China e a Albânia. E aqueles gajos disseram que não. O Mao Tse-tung e o Enver Hoxha eram figuras que muitos homens da minha geração seguiram com grande fascínio. Ainda hoje, a revolução é uma ideia que me faz estremecer.

Mas hoje olha da mesma maneira para Mao Tse-tung ou Enver Hoxha?
As coisas depois esboroam-se. Eu nunca fui muito do Enver Hoxha. Li os livros dele, que eram uns interrogatórios feitos a dissidentes, em que apenas as perguntas eram publicadas, não as repostas. Eu queria saber o que se passava, não ia atrás de conversas. A ideia de revolução está muito ligada à revolução francesa, à comuna de Paris, à revolução soviética. Os saltos que a humanidade deu são grandiosos e depois há aquilo que são as regressões, as coisas que nos deixam magoados. No outro dia, falava com um amigo e ele dizia: eu estou é velho, senão metia-me aí numa coisa de tiroteio. E eu também.

É um homem amargurado? Está desiludido?
Não, não sou amargurado, entristece-me isto. Ver os miúdos a ir embora daqui, aquela miúda da fotografia do “Público” a dizer “o meu país não me quer”. Isto não pode ser. Eu não trocava este país por nada. Tive várias possibilidades para trabalhar lá fora, nunca quis. Eu quero é isto. Os outros sítios não têm o Tejo, os outros sítios não têm os cafés, os outros sítios não têm os meus amigos. Que ainda aí estão. Estamos é velhos.

Tem dois netos. Que país é que gostava que eles tivessem?
O país com o qual eu sonhei, depois de Abril, que nós só tivemos durante meia dúzia de meses, quando as leis se faziam na rua.

Ainda acredita na ideia de uma sociedade sem classes?
Acredito. Acredito. Numa sociedade onde as pessoas se respeitem.

Falou em revoluções grandiosas. Para si, o 25 de Abril, que está a fazer 40 anos, foi uma revolução grandiosa?
Foi uma revolução interrompida. Alguns dirigentes políticos quiseram que a revolução avançasse porque previam que iria acontecer qualquer coisa de regressão.

A sociedade civil portuguesa é fraca? Falta consciência social?
Falta a ideia de comunidade. A gente assiste a uma coisa vergonhosa: os intelectuais portugueses estão calados. Havia aí um grupo andaluz que dizia, a propósito do Lorca, “Que cantam os poetas andaluzes de hoje?”. Onde estão os escritores portugueses de hoje? Onde é que eles estão?


Esta rábula de dizer que o poeta não tem de entrar nas coisas da cidade é um disparate.
Aos escritores portugueses, falta viver. Andar no meio da rua, ver o que se passa. Também já não há pensadores franceses.


O que pensa dos novos escritores portugueses?
Penso muito mal. Primeiro, porque escrevem mal. Bom, não gosto de generalizações. Há um escritor pelo qual tenho grande apreço, o José Luís Peixoto. O resto, não me interessa muito. É curioso. Eu tenho três filhos que são grandes leitores. E eles também não apreciam muito [os novos escritores]. Gostam muito dos escritores portugueses do século XIX.

O que falta, na sua opinião, aos novos escritores portugueses?
Viver. Viver. Andar no meio da rua, ver o que se passa.

A cultura, “latus sensus”, perdeu poder de influência?
É uma das vitórias do neoliberalismo.

Os escritores, pintores, músicos, perderam voz?
Porque não querem. Por que é que não vão para o meio da rua? Por que é que não fazem abaixo-assinados?

Mas têm de ter uma função política?
Claro que sim. E esta rábula de dizer que o poeta não tem de entrar nas coisas da cidade é um disparate. Tenho aí um texto do D’Alembert que é de uma actualidade total. Ele diz: temos de ir para o meio da rua, temos de protestar. A ideia da intervenção não foi só do Sartre e do Camus ou do Merleau-Ponty, a ideia de intervenção vem desde sempre. Veja a nossa cultura, as nossas cantigas de escárnio e maldizer mais não são que uma intervenção moral, cívica, cultural. E o Bocage... O Padre António Vieira!

Ljubljana disse...

4ª parte

Mas o que é que ditou essa separação entre o poder político ou poder efectivo…
Foi o poder político e a traição daqueles que não deviam ter traído. O caso do PS, que é assustador. O PC está desvanecido, já não tem a força que tinha de facto, vai tendo uma força à medida que a direita faz estas esculhambações.

Mas desde a queda do Muro de Berlim, ou antes, a esquerda foi perdendo referências. A Perestroika, os acontecimentos na China… tiraram algumas referências e, a partir daí, a esquerda nunca mais de endireitou.
Estive na União Soviética três vezes e, numa delas, já estava o Gorbachev no poder, e eu disse a um companheiro: isto está completamente diferente. “Porquê?”, perguntou ele. Olha, quando acabo de comer a sopa, já não vejo o retrato do Brejnev estampado no prato. E ele: tu és capaz de dizer isso na televisão e na rádio? Lá disse estas coisas e percebi que havia uma distensão, vi a cara das pessoas nas ruas, era diferente, havia uma outra maneira de olhar as coisas. Mas tenho pena que a União Soviética tenha implodido. Agora percebeu-se que era um travão a muitas das coisas que estão a acontecer. Aliás, há um livro do Alberto Moravia – que não era comunista – onde ele conta que foi para o Parlamento Europeu a convite do Berlinguer e lhe disse: “eu vou, e não é porque acredite nos conceitos e nos princípios, mas porque sei que o PCI [Partido Comunista Italiano] é um travão ao que aí vem”. É um bocado verdade. Aliás, o PC, na minha opinião, ainda hoje é um pequeno travão àquilo que se projecta.

Há algum político actual no qual se reveja?
Há muitas pessoas de quem gosto, mas não sei se têm a estaleca e a estirpe para “tomar contra do país”. E as coisas estão muito baralhadas e, simultaneamente, muito calafetadas em coisas estanques. À esquerda, por exemplo.

O que é a esquerda para si hoje?
É uma ideia. De igualdade, de fraternidade, de equidade. De trabalho.
E a prática dessa esquerda?
A prática desta esquerda não existe. Se estamos a pensar no PS, é uma desgraça. O PS não é de esquerda. É um partido cada vez mais à direita. E isso é deplorável. Cada vez que ouço o Francisco Assis na televisão, fico arrepiado. E o António José Seguro…
A ascensão da direita é mérito da direita ou demérito da esquerda?
A direita não tem muito mérito, a direita tem é força, tem a força das coisas, de ter os jornais, de ter muito jornalista estipendiado, muito comentador. Veja os comentários que fazem na televisão, são risíveis.

Qual o caminho da esquerda em Portugal?
Não vejo, mas vai aparecer. Uma outra coisa qualquer, que não tenha como significado o maniqueísmo de esquerda-direita. Qualquer coisa tem de aparecer, ninguém pode viver assim.

Há uma crescente desideologização da sociedade e, sem o confronto de ideologias, geralmente uma sociedade é mais fraca…
Eu tenho a impressão de que as ideologias não desaparecem. Adormecem. Voltam a ter peso. Senão é aqui, é noutro sítio.

As novas gerações serão algo apolíticas?
Não o serão. Vem aqui muita gente nova falar comigo. Telefonam-me, querem saber quem sou. Habitualmente, a porta está aberta. São estudantes e empregados. As críticas que fazem a certos jornais pela ausência de debate… Mas não é um problema só português. Em França, é a mesma coisa. Digo a França porque eu sou francófilo, francófono e francotudo, tendo um débito total para com a França. Um débito cultural, um débito moral. Sem estar, muitas vezes, de acordo. Também já não há pensadores franceses.

Muitas das questões que se levantam em Portugal são questões que também se levantam na Europa comunitária.
Não há Europa comunitária. É tudo mentira. A Europa está de joelhos perante a Alemanha. O Hitler e o Bismarck não conseguiram dominar a Europa através da bota e do canhão. Estes conseguiram com a economia.

Nesse sentido, como vê o futuro da Europa? Vamos voltar aos Estados-nação?
Não vejo [futuro]. Mas tudo é previsível, nada é imponderável numa situação desta natureza.

Ljubljana disse...

5ª parte
Mesmo o fim da moeda?
Pois. Há economistas portugueses, como o João Ferreira do Amaral, que dizem que não há problema nenhum com isso. Não sei, ninguém sabe, mas nós estamos nas mãos de economistas…

Este seu livro “Tempo de Combate”, que resulta das crónicas publicadas no Negócios e no “Diário de Notícias”, é um sinal desses tempos de revolta que assume?
É um calendário das minhas iras, das minhas provações, mas também um calendário das minhas ternuras e dos meus afectos.

E o que é que isso lhe deu?
A consciência daquilo que sou e daquilo que eu sei que sou. Sou um homem de grandes ternuras, de grandes afectos, toda a gente sabe isso, toda a gente que me conhece, evidentemente.
Impulsivo, também?
Toda a vida, então? Venho de um tempo em que os pais dos miúdos mandavam forrar as sandálias com a borracha dos pneus dos automóveis. E as sandálias tinham de durar dois anos. E, para durarem dois anos, os miúdos andavam descalços. E os pés feriam-se com as pulgas, com as garrafas. Isto foi ontem! Não posso esquecer isso, em circunstância alguma. Sou do tempo em que ia aqui à província e os camponeses não trabalhavam de sol a sol, mas sim de alba ao anoitecer. Aqui no Ribatejo, por exemplo. Recordo-me, quando li o Redol pela primeira vez, de dizer: “isto não pode ser”. Era a dois passos de Lisboa, os fangueiros. O Redol, que tão esquecido está, é um escrito importantíssimo para a gente perceber o que aconteceu.

Mas, durante estes anos, pelo menos do ponto de vista material, deram-se alguns passos qualitativos importantes.
Sim, mas muitas vezes as crianças vão para a escola sem comer. Não estamos na “idade do acesso”. Não estamos. Eu tenho tudo de facto ou quase tudo de facto ali no computador, mas onde eu tenho tudo ou quase tudo é aqui, no Padre António Vieira… O computador não ensina o que foi o século XIX. Quem me ensina o que foi o século XIX é o Camilo. O Eça de Queiroz. É o grande Oliveira Martins. Devia ser obrigatório ler a história de Portugal dele. E as pessoas não sabem.

Diz que um dos grandes problemas da sociedade é o facto de as pessoas não lerem ou de cada vez lerem menos.
É provocado, é dificultado, abra a televisão.

Mas as pessoas podem desligar a televisão. Têm esse poder.
Na minha opinião, deveria haver programas de sedução de leitura. No tempo do fascismo, havia o Villaret, havia o David Mourão-Ferreira, que tão esquecido anda. Hoje não há nada. Há “A Casa dos Segredos”. É simpático ver as pessoas a fornicar. O Karl Popper, uma pessoa de quem não estou muito próximo, mas que gosto muito de ler, tem um livrinho sobre a televisão e está lá tudo.

Mas nós, no pós-25 de Abril, tivemos acesso à educação, a ferramentas que, supostamente iriam permitir exercermos o nosso direito e poder de escolha. Isso aconteceu?
Apesar de tudo, acho que sim. A curiosidade das pessoas levou-as a aceder às coisas, às faculdades. Agora estamos em regressão.

E como responde ao “deslumbramento pelo dinheiro fácil”? Não tivemos culpa, também?
Talvez. Tivemos, mas não culpa total. A culpa do povo é mínima. Não houve incentivos. As coisas têm de ter uma continuidade. No outro dia, ouvi o filósofo José Gil, quando ele foi considerado um dos vinte filósofos europeus. Ele disse: “eu sou o resultado dos estudos feitos por outros”. E tem uma certa razão de ser. Nós somos o produto de grupos, ninguém tem as ideias em sistema de exclusividade, as ideias pertencem a muito mais gentes, as ideias são formadas por nós, mas pertencem a muito mais gente.

Como é que vê o futuro?
Não vejo, com esta idade já não vejo. Bem, eu tenho esperança. Mas não tenho certezas. Tenho sonhos. A minha mulher diz sempre: põe os pés na terra. Estou sempre a sonhar e ainda bem, senão era insuportável. Fico sensível e emocionadíssimo quando vejo homens e mulheres de quarenta anos sem emprego. Mas que raio de mundo é este?

Como preenche hoje os seus dias?
A ler, a escrever.

Ljubljana disse...

6ª parte
Além deste livro de crónicas, tem algum romance?
Tenho várias coisas começadas, e tenho, há longos anos, um livro de memórias, que não é um livro amável. No outro dia, estava aqui a fazer uma lista dos grandes esquecidos. Às vezes, faço assim umas coisas. Por exemplo, tenho aí uma lista das palavras que eu nunca utilizarei.

Quais são?
Implementar. Calendarizar. Elencar, que acho uma coisa quase pornográfica. Não gosto de palavras bonitas, gosto é de palavras expressivas. O “Século” ensinou-me a pegar na caneta e o “Diário Popular” abriu-me as portas para tudo. Foram as grandes escolas, até de camaradagem, uma palavra que os jornalistas suprimiram. Um dia, uma estagiária foi ter com o meu amigo Neves de Sousa: “ó colega…”. O Neves: “ó colega?! Ó menina, vou-lhe explicar, colegas são as putas, os jornalistas são camaradas e tratam-se por tu”. Outro grande homem dos jornais que ninguém sabe quem é.


O grande Garrett dizia: o país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande.
Temos muita inveja uns dos outros. É a miséria portuguesa. O mesquinho na mesquinhez.


O Neves de Sousa deixou uma série de filhos, a maior parte deles ligados ao jornalismo. Nenhum dos seus filhos quis seguir a carreira do pai?
Não, não. Eles perceberam que, se fizessem isso, seriam sempre os filhos do Baptista-Bastos. Um é advogado, outro é arquitecto e professor aqui na Clássica, e o número três é psicólogo clínico e deu-me dois netos lindíssimos, que são a luz dos meus olhos, claro. Mas foi muito difícil, a menina Isaura e eu… eles, os meus filhos, queriam ir trabalhar. Opus-me sempre. Sabia que se fossem trabalhar, nunca mais se iriam licenciar. São grandes leitores, uma coisa que me apraz muito, e discutem comigo. Incitei-os a discutir. São pessoas de esquerda, mas não têm filiação partidária, como eu hoje não tenho.

Sente-se órfão politicamente?
Órfão não. [Revejo-me] no PC, sim. Já votei no PS. Fui enganado pelo Guterres e isso não lhe perdoei. Um dia, ele estendeu-me a mão e ficou com ela no ar.

Enganou-o porquê?
Porque fugiu. Ele tinha a simpatia das pessoas. Não me recordo de haver um dirigente socialista, a não ser o Soares, com tanta simpatia e empatia.

Sobre assuntos ecuménicos, como olha para o Papa Francisco, que até já aparece na capa da “Rolling Stone”?
Com grande simpatia. Ele não tem seguidores, está a falar sozinho. E veja o caso do episcopado português, há um silêncio opressivo sobre aquilo que o homem diz. Ele percorre caminhos perigosos. O populismo é um caminho perigoso.

Mas ele está a percorrer esse caminho?
Não sei. A popularidade é uma coisa que afecta as pessoas, não se esqueça disso. As pessoas ficam muito anchas de si próprias. Se calhar, ficam com a noção de que têm valor a mais. O homem é um ser gregário, o homem não é um ser isolado, veja os alentejanos – um dia, o José Gomes Ferreira, o autêntico, escreveu um poema lindíssimo, disse: nunca vi um alentejano cantar sozinho. Olhe, faz-me falta, o Zé Gomes. E o Manuel da Fonseca. Era até ao fim da vida. Grandes brigas no meio da rua com estes gajos, grandes copos, grandes afinidades.

Falava nas palavras expressivas. Foi no jornal “O Século” que tomou o gosto pelas palavras?
No gabinete do Acúrsio Pereira [chefe de redacção], estava uma frase do Garrett, que era mais ou menos isto: odeio palavras velhas, amo as palavras antigas. Volta e meia, vou ler o Garrett nas “Viagens na Minha Terra”, uma coisa primorosa. No III volume d’“As Farpas”, do Ramalho Ortigão, está uma definição do Garrett feita pelo Herculano: o Garrett era capaz das maiores trafulhices quando se via em apertos – e acho que era uma coisa constante – mas havia uma coisa que ele era incapaz de fazer: uma frase mal escrita.

Uma vez disse que entre as pessoas que melhor escreviam em Portugal estava Paulo Portas.
E é verdade. O que o Paulo Portas escrevia n’“O Independente” tinha uma força e uma raiz de portuguesismo numa altura em que isto estava a ser invadido por culturas outras que não tinham nada a ver connosco.

Ljubljana disse...

7ª parte
A boa escrita à margem das ideologias.
Eu tenho uma grande biblioteca de escritores fascistas.
Mais que a ideologia, é a cultura que pode unir as pessoas?
É a cultura, embora a cultura seja ideológica. É a visão que essas pessoas têm do mundo. E a língua.

Pegando na questão da língua, as relações com o Brasil estão mal exploradas?
O Brasil é a nossa salvação como expressão da língua. Mas eu não sou servo da hegemonia da língua através de Portugal ou do Brasil ou de Angola ou de Moçambique.

Precisamos de acordo ortográfico para a salvação da língua?
Eu sou contra o acordo. Um grande paladino da defesa do contra o acordo é o Vasco Graça Moura, de quem sou grande amigo.

Enumerou há pouco as palavras que nunca usa mas também se referiu aos “grandes esquecidos". Quem são?
São uma data deles. O Carlos de Oliveira, o Manuel da Fonseca, que ninguém lê. Há outros que não fazem falta nenhuma. Mas, por exemplo, a Celeste Andrade, a Maria Judite Carvalho, a Irene Lisboa. Então, em mulheres, é uma coisa impressionante. A Imprensa Nacional Casa da Moeda devia fazer essa divulgação. É claro que tem feito algum trabalho meritório, por exemplo, com o Casais Monteiro, que estava esquecido, mas devia haver uma grande atenção à Maria Judite de Carvalho, à Irene Lisboa. Como é que é possível esquecer a grande autora da solidão? Que país é este? Há muitos esquecidos. O Leão Penedo, o Rogério de Freitas, o Marmelo e Silva, um dos maiores contistas portugueses. E depois há lóbis que impõem uns e apagam outros. E não há um grande suplemento semanal que se oponha a isto. Os esquecidos, vamos lá ver quem são os esquecidos. Ficariam surpreendidos com a grandeza dessa gente.

E o Baptista-Bastos? Qual é a sua ambição como escritor?
Escrever bem. Os prémios que tenho recebido, se calhar, já são demais. Têm-me perguntado sempre se os aceito ou não. E eu pergunto: quem é o júri? Depende disso. Não vou atrás dessas conversas. O meu amigo José Saramago, por quem tenho grande apreço, como pessoa e como escritor, dizia assim: sabes, ò Armando, um tipo que mija por cima do ombro em Portugal está lixado. É um bocado verdade. É a miséria portuguesa. O mesquinho na mesquinhez. E o grande Garrett dizia: o país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande. Há muita inveja.


Há muitas pessoas de quem eu gosto, mas não sei se têm a estaleca e a estirpe para "tomar contra do país".
Qualquer coisa tem de aparecer, ninguém pode viver assim.


Somos um pouco assim.
Temos muita inveja uns dos outros. Eu conhecia relativamente bem o universo jornalístico e literário. No meu tempo, era muito menos gente, aí uns quatrocentos no jornalismo. Havia mais solidariedade porque éramos poucos e porque as coisas estavam muito divididas e marcadas. Mas conheci muito bem o universo dos escritores, um universo que é de pôr a pistola em cima da mesa. As histórias que eu sei de inveja, de ciúmes. Eu dizia: não é preciso estares assim, porra! Aqui, em Portugal, um dos mundos que frequentei foi o do cinema. Tenho muita saudade do Fernando Lopes, em casa de quem dormi numa altura de aperto, não tinha dinheiro nem para comer. Nessa altura, fui trabalhar para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, uma coisa que pouca gente sabe. Num emprego, como redactor, que me arranjou um homem monárquico chamado Avellar Soeiro, que era relações públicas. Não havia redactor nenhum. Aquilo era um processo para eu ganhar umas coroas. Ainda estive lá uns meses. Isto nos anos 60. Depois, em 1964, fui para o Brasil com o Raul Solnado.

Ljubljana disse...

8ª parte
Fazer o quê?
O Raul Solnado e eu conhecíamo-nos desde miúdos e tínhamos o Brasil como paixão. De maneira que combinámos que o primeiro que fosse ao Brasil levaria o outro. É claro que foi ele. E eu fui como secretário do Raul Solnado. Foi um êxito fulminante no Brasil. Eu tinha 30 anos e conheci lá toda a gente. Fiz amizade com o Vinicius de Moraes, o Rubem Braga, o António Maria, e depois as cantoras, a Dóris Monteiro, a Nara Leão, toda essa gente. Aquilo foi um banho lustral. O Brasil ensinou-me uma coisa: nem tudo está perdido. E ensinou-me a formar as minhas próprias convicções. Porque isto de dizer que nem tudo está perdido quer dizer que temos de ter uma força interior, que tem a ver com sonho e esperança. Por isso é que minha mulher me diz: põe os pés na terra. E o Brecht dizia: os homens são feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Pelo sonho é que vamos. Eu nunca desisti de trabalhar. E, quando estava em aperto, ia para a tradução de livros. Escrevia na máquina de escrever. Traduzia livros em 15 dias. Rebentava com os dedos todos e ela [a mulher] chorava de me ver ali horas e horas. E ela dizia que chorava de orgulho, o que me dava uma certa coragem, um certo ímpeto. Nisso, tive sorte. Ela ralha comigo. Tem a mania de mandar em mim.
Baptista-Bastos tem uma voz tonitruante. Dá peso e espessura às palavras. Tem fama de ser brigão. Impulsivo. Mas estes traços desvanecem-se quando fala de Isaura. "Vais-te embora Isaurinha", pergunta pouco depois da entrevista ter começado. Isaura vai ao médico. Isaura é sua mulher. Conheceu-a aos 26 anos, quando ela tinha 20. Ela disse-lhe: "espero por ti o tempo que for preciso". Esperou. Casaram. Tiveram três filhos. Ele confessa-se, com ternura: "sou um Isauro-dependente". Ele tem uma casa em Constância, onde guarda os livros. Quando precisa de algum, os filhos vão buscar. "É uma casa muito estreita, com escadas, e a Isaura tem medo que eu vá para lá, ela não me deixa ir". É ela que trata dele, "que resolve as coisas". Todas. Do dinheiro à saúde. Isaura foi ao médico, mas esteve sempre presente na entrevista. "Ela ralha comigo. Tem a mania que manda em mim". Admite-o com indisfarçável carinho. Armando Baptista-Bastos fará 80 anos no dia 27 de Fevereiro. Quando se deu o 25 de Abril, tinha 40 anos, o mesmo número de anos que a revolução celebrará em 2014. Uma revolução "interrompida", lamenta. No início do mês, lançou o livro "Tempo de Combate", que reúne as suas crónicas do Negócios e do "Diário de Notícias". Um calendário de iras, provações e afectos. Baptista-Bastos é tudo isto. E muito mais.
Como jornalista e escritor, como é que se sente sendo conhecido, principalmente, pela pergunta: “Onde é que você estava no 25 de Abril”?
Eu fiz essa pergunta [no programa “Conversas Secretas”] a três pessoas de direita, como a Maria José Nogueira Pinto, de quem eu gostava muito. Coisa estranha, não? Um homem de esquerda ter, assumidamente, relações de estima por gente abertamente de direita. Interessa-me o carácter, é uma coisa do código de honra da minha geração. Bom, fiz essa pergunta três ou quatro vezes, mas, no outro dia, fui entrevistado pelo Júlio Isidro e ele contou-me uma história fabulosa: “não foste tu quem primeiro fez essa pergunta”. Foi o locutor do Rádio Clube Português, o Luís Filipe Costa. O seu a seu dono. Mas eu não me importei nada, achei piada.
-Vais-te embora Isaurinha? - Conhecemo-nos éramos dois miúdos, eu estava desempregado por motivos políticos, é claro. Estive envolvido na Revolta da Sé, aliciado pelo Urbano [Tavares Rodrigues]. Eu dizia logo que sim a tudo o que era revolução, não podia viver neste país. E já tinha viajado, já tinha estabelecido confrontos. Conheci a Isaura quando tinha 25 ou 26 anos, e ela 20. Contei-lhe tudo, “olha que eu estou metido em coisas”, e ela, “eu espero por ti o tempo que for preciso”. Assim foi. E andamos nisto.

Ljubljana disse...

9ª parte
E esperou quanto tempo por si?
Entretanto, fui trabalhar para o “República”, e depois contratado para o “Diário Popular”. Nesse mesmo ano, casámos. Arranjei dinheiro para a casa. Eu vivia em quartos…, mas foi bom. Felizmente, tive muitos azares. Nunca tive muito dinheiro na vida, os tostões eram contados, de tal maneira que, às vezes, ia buscar o mais pequeno ao liceu – tenho três filhos –, ele gostava, e ainda gosta muito, de cachorros quentes, e eu não tinha dinheiro para lhos dar. Isso, às vezes, constrangia-me um bocado, mas não me enraiveceu, não fez de mim um homem rancoroso.
Como é a sua relação com o dinheiro?
Não percebo nada de dinheiro. Durante anos, a minha mulher é que me punha o dinheiro dentro do bolso. Ainda hoje não tenho a noção do valor do dinheiro. Por vezes, eu comprava alguma coisa, chegava a casa todo contente, e ela logo dizia: foste enganado.

A propósito da Maria José Nogueira Pinto, entendi que, para si, as amizades e a lealdade não têm ideologia.
Faz-me lembrar aquela história do Brecht, que ele, aliás, conta no “Journal de Travail”. Um dia, aparece no Berliner Ensemble um tipo que diz: eu sou comunista! O Brecht ficou pior que estragado e diz-lhe: mostra o teu talento, não mostres o cartão, nunca mostres o cartão do teu partido. E é isto, ainda hoje tenho muitos amigos à direita. Nunca utilizei essa bitola nas relações e até arranjei empregos para muita gente. Quando estava no “Diário Popular”, tive poder de facto. Esta relação com dinheiro é de tal ordem que um dia, depois do 25 de Abril, o presidente do conselho de administração, que se chamava António Moreira da Cruz e era do PSD, chamou-me lá acima e disse-me: eu estou completamente envergonhado porque o senhor ganha 60 contos. O senhor é a Torre de Belém do “Diário Popular”! Mas por que é que é isto? E eu disse: nunca pedi. E não era só por isso. A circunstância de ser assumidamente um homem de esquerda e de ter o fascínio da revolução… – é uma coisa que não perco. E o presidente do conselho de administração lá me arranjou mais 30 contos. Foi uma satisfação porreira porque eu tinha três filhos e nunca tive dinheiro para lhes comprar uma bicicleta. Isto não é tocar o fado neo-realista, é uma verdade. E eu, além de ter sido muito brigão, era muito respingão, e estas coisas pagam-se. Ainda bem.

Está arrependido?
Não, não. Eu fazia tudo na mesma. Meti-me nos golpes de Estado, metia-me nas coisas, metia-me em tudo o que eu pensava que era necessário.

Afinal, quem é que é o Baptista-Bastos?
É um homem de 80 anos, com uma vivência desgraçada, apesar de tudo. Mas ainda bem que tive a sorte de ter tido muitas dificuldades. De dinheiro. De – é feio dizer isto – ter sido um homem invejado. O Baptista-Bastos é um tipo que ainda hoje lê, um tipo que estudou, um tipo que tem preocupações com a língua portuguesa. Tenho uma paixão pela língua. Foi uma aprendizagem longa. Os livros que vocês vêem aqui são um 1/36 avos dos livros que tenho. Tenho milhares e milhares de livros, procurados por mim, lidos por mim, muitos deles estão numa casa pequenina que tenho em Constância. Mas é uma casa muito estreita, com escadas, e a Isaura tem medo que eu vá para lá, ela não me deixa ir.

Ljubljana disse...

10ª parte
É respingão, mas obedece à sua mulher.
Costumo dizer que sou um Isauro-dependente, porque ela é que trata de mim, ela é que resolve as coisas, e não apenas as coisas do dinheiro, resolve as coisas da minha saúde. Às vezes, eu não quero ir aos sítios, aos médicos, ela é que toma conta disso.

É o seu farol.
É a mulher que esteve sempre ao meu lado, não esteve atrás, esteve sempre ao meu lado nos períodos difíceis, muito difíceis. Hoje as pessoas não sabem, nem palpitam, o que era a dificuldade naquele tempo. Eu expunha-me muito, era muito mexido. Quase todos os dias estava na primeira página do “Diário Popular”. Os jornais são a minha eterna paixão, eu gosto de jornais, gosto do cheiro dos jornais, gosto das pessoas dos jornais, gosto de jornalistas.
Houve uma altura em que podia ter continuado, eu era um homem ainda novo e estava no auge das coisas, mas fui saneado, do “Diário Económico”, por um tipo que tem a boca torcida e que se chama Miguel Coutinho. Não tenho nada a ver com isso, mas ele é que perdeu. E, apesar de insistentes pedidos do Fernando Dacosta, do Adelino Gomes, etc, para entrar no “Público”, o Vicente Jorge Silva disse que “não” porque eu tinha admiração pela revolução cubana. Tinha e tenho. Um dos meus grandes falhanços é nunca ter entrevistado o Fidel Castro e aqueles homens da revolução, o Camilo Cienfuegos...
E o Mao Tse-tung? Como é que um homem, com meia dúzia de gajos, com os olhos em bico, atravessa a China, e faz essa epopeia impressionante que é a Grande Marcha? A China era o sítio onde os imperialismos iam fazer cocó. A China e a Albânia. E aqueles gajos disseram que não. O Mao Tse-tung e o Enver Hoxha eram figuras que muitos homens da minha geração seguiram com grande fascínio. Ainda hoje, a revolução é uma ideia que me faz estremecer.

Mas hoje olha da mesma maneira para Mao Tse-tung ou Enver Hoxha?
As coisas depois esboroam-se. Eu nunca fui muito do Enver Hoxha. Li os livros dele, que eram uns interrogatórios feitos a dissidentes, em que apenas as perguntas eram publicadas, não as repostas. Eu queria saber o que se passava, não ia atrás de conversas. A ideia de revolução está muito ligada à revolução francesa, à comuna de Paris, à revolução soviética. Os saltos que a humanidade deu são grandiosos e depois há aquilo que são as regressões, as coisas que nos deixam magoados. No outro dia, falava com um amigo e ele dizia: eu estou é velho, senão metia-me aí numa coisa de tiroteio. E eu também.

É um homem amargurado? Está desiludido?
Não, não sou amargurado, entristece-me isto. Ver os miúdos a ir embora daqui, aquela miúda da fotografia do “Público” a dizer “o meu país não me quer”. Isto não pode ser. Eu não trocava este país por nada. Tive várias possibilidades para trabalhar lá fora, nunca quis. Eu quero é isto. Os outros sítios não têm o Tejo, os outros sítios não têm os cafés, os outros sítios não têm os meus amigos. Que ainda aí estão. Estamos é velhos.

Tem dois netos. Que país é que gostava que eles tivessem?
O país com o qual eu sonhei, depois de Abril, que nós só tivemos durante meia dúzia de meses, quando as leis se faziam na rua.

Ainda acredita na ideia de uma sociedade sem classes?
Acredito. Acredito. Numa sociedade onde as pessoas se respeitem.

Falou em revoluções grandiosas. Para si, o 25 de Abril, que está a fazer 40 anos, foi uma revolução grandiosa?
Foi uma revolução interrompida. Alguns dirigentes políticos quiseram que a revolução avançasse porque previam que iria acontecer qualquer coisa de regressão.

A sociedade civil portuguesa é fraca? Falta consciência social?
Falta a ideia de comunidade. A gente assiste a uma coisa vergonhosa: os intelectuais portugueses estão calados. Havia aí um grupo andaluz que dizia, a propósito do Lorca, “Que cantam os poetas andaluzes de hoje?”. Onde estão os escritores portugueses de hoje? Onde é que eles estão?

Ljubljana disse...

11ª parte
Esta rábula de dizer que o poeta não tem de entrar nas coisas da cidade é um disparate.
Aos escritores portugueses, falta viver. Andar no meio da rua, ver o que se passa. Também já não há pensadores franceses.


O que pensa dos novos escritores portugueses?
Penso muito mal. Primeiro, porque escrevem mal. Bom, não gosto de generalizações. Há um escritor pelo qual tenho grande apreço, o José Luís Peixoto. O resto, não me interessa muito. É curioso. Eu tenho três filhos que são grandes leitores. E eles também não apreciam muito [os novos escritores]. Gostam muito dos escritores portugueses do século XIX.

O que falta, na sua opinião, aos novos escritores portugueses?
Viver. Viver. Andar no meio da rua, ver o que se passa.

A cultura, “latus sensus”, perdeu poder de influência?
É uma das vitórias do neoliberalismo.

Os escritores, pintores, músicos, perderam voz?
Porque não querem. Por que é que não vão para o meio da rua? Por que é que não fazem abaixo-assinados?

Mas têm de ter uma função política?
Claro que sim. E esta rábula de dizer que o poeta não tem de entrar nas coisas da cidade é um disparate. Tenho aí um texto do D’Alembert que é de uma actualidade total. Ele diz: temos de ir para o meio da rua, temos de protestar. A ideia da intervenção não foi só do Sartre e do Camus ou do Merleau-Ponty, a ideia de intervenção vem desde sempre. Veja a nossa cultura, as nossas cantigas de escárnio e maldizer mais não são que uma intervenção moral, cívica, cultural. E o Bocage... O Padre António Vieira!

Mas o que é que ditou essa separação entre o poder político ou poder efectivo…
Foi o poder político e a traição daqueles que não deviam ter traído. O caso do PS, que é assustador. O PC está desvanecido, já não tem a força que tinha de facto, vai tendo uma força à medida que a direita faz estas esculhambações.

Mas desde a queda do Muro de Berlim, ou antes, a esquerda foi perdendo referências. A Perestroika, os acontecimentos na China… tiraram algumas referências e, a partir daí, a esquerda nunca mais de endireitou.
Estive na União Soviética três vezes e, numa delas, já estava o Gorbachev no poder, e eu disse a um companheiro: isto está completamente diferente. “Porquê?”, perguntou ele. Olha, quando acabo de comer a sopa, já não vejo o retrato do Brejnev estampado no prato. E ele: tu és capaz de dizer isso na televisão e na rádio? Lá disse estas coisas e percebi que havia uma distensão, vi a cara das pessoas nas ruas, era diferente, havia uma outra maneira de olhar as coisas. Mas tenho pena que a União Soviética tenha implodido. Agora percebeu-se que era um travão a muitas das coisas que estão a acontecer. Aliás, há um livro do Alberto Moravia – que não era comunista – onde ele conta que foi para o Parlamento Europeu a convite do Berlinguer e lhe disse: “eu vou, e não é porque acredite nos conceitos e nos princípios, mas porque sei que o PCI [Partido Comunista Italiano] é um travão ao que aí vem”. É um bocado verdade. Aliás, o PC, na minha opinião, ainda hoje é um pequeno travão àquilo que se projecta.

Há algum político actual no qual se reveja?
Há muitas pessoas de quem gosto, mas não sei se têm a estaleca e a estirpe para “tomar contra do país”. E as coisas estão muito baralhadas e, simultaneamente, muito calafetadas em coisas estanques. À esquerda, por exemplo.

O que é a esquerda para si hoje?
É uma ideia. De igualdade, de fraternidade, de equidade. De trabalho.
E a prática dessa esquerda?
A prática desta esquerda não existe. Se estamos a pensar no PS, é uma desgraça. O PS não é de esquerda. É um partido cada vez mais à direita. E isso é deplorável. Cada vez que ouço o Francisco Assis na televisão, fico arrepiado. E o António José Seguro…

A ascensão da direita é mérito da direita ou demérito da esquerda?
A direita não tem muito mérito, a direita tem é força, tem a força das coisas, de ter os jornais, de ter muito jornalista estipendiado, muito comentador. Veja os comentários que fazem na televisão, são risíveis.

Ljubljana disse...

12ª parte
Qual o caminho da esquerda em Portugal?
Não vejo, mas vai aparecer. Uma outra coisa qualquer, que não tenha como significado o maniqueísmo de esquerda-direita. Qualquer coisa tem de aparecer, ninguém pode viver assim.

Há uma crescente desideologização da sociedade e, sem o confronto de ideologias, geralmente uma sociedade é mais fraca…
Eu tenho a impressão de que as ideologias não desaparecem. Adormecem. Voltam a ter peso. Senão é aqui, é noutro sítio.

As novas gerações serão algo apolíticas?
Não o serão. Vem aqui muita gente nova falar comigo. Telefonam-me, querem saber quem sou. Habitualmente, a porta está aberta. São estudantes e empregados. As críticas que fazem a certos jornais pela ausência de debate… Mas não é um problema só português. Em França, é a mesma coisa. Digo a França porque eu sou francófilo, francófono e francotudo, tendo um débito total para com a França. Um débito cultural, um débito moral. Sem estar, muitas vezes, de acordo. Também já não há pensadores franceses.

Muitas das questões que se levantam em Portugal são questões que também se levantam na Europa comunitária.
Não há Europa comunitária. É tudo mentira. A Europa está de joelhos perante a Alemanha. O Hitler e o Bismarck não conseguiram dominar a Europa através da bota e do canhão. Estes conseguiram com a economia.

Nesse sentido, como vê o futuro da Europa? Vamos voltar aos Estados-nação?
Não vejo [futuro]. Mas tudo é previsível, nada é imponderável numa situação desta natureza.

Mesmo o fim da moeda?
Pois. Há economistas portugueses, como o João Ferreira do Amaral, que dizem que não há problema nenhum com isso. Não sei, ninguém sabe, mas nós estamos nas mãos de economistas…

Este seu livro “Tempo de Combate”, que resulta das crónicas publicadas no Negócios e no “Diário de Notícias”, é um sinal desses tempos de revolta que assume?
É um calendário das minhas iras, das minhas provações, mas também um calendário das minhas ternuras e dos meus afectos.

E o que é que isso lhe deu?
A consciência daquilo que sou e daquilo que eu sei que sou. Sou um homem de grandes ternuras, de grandes afectos, toda a gente sabe isso, toda a gente que me conhece, evidentemente.

Impulsivo, também?
Toda a vida, então? Venho de um tempo em que os pais dos miúdos mandavam forrar as sandálias com a borracha dos pneus dos automóveis. E as sandálias tinham de durar dois anos. E, para durarem dois anos, os miúdos andavam descalços. E os pés feriam-se com as pulgas, com as garrafas. Isto foi ontem! Não posso esquecer isso, em circunstância alguma. Sou do tempo em que ia aqui à província e os camponeses não trabalhavam de sol a sol, mas sim de alba ao anoitecer. Aqui no Ribatejo, por exemplo. Recordo-me, quando li o Redol pela primeira vez, de dizer: “isto não pode ser”. Era a dois passos de Lisboa, os fangueiros. O Redol, que tão esquecido está, é um escrito importantíssimo para a gente perceber o que aconteceu.

Mas, durante estes anos, pelo menos do ponto de vista material, deram-se alguns passos qualitativos importantes.
Sim, mas muitas vezes as crianças vão para a escola sem comer. Não estamos na “idade do acesso”. Não estamos. Eu tenho tudo de facto ou quase tudo de facto ali no computador, mas onde eu tenho tudo ou quase tudo é aqui, no Padre António Vieira… O computador não ensina o que foi o século XIX. Quem me ensina o que foi o século XIX é o Camilo. O Eça de Queiroz. É o grande Oliveira Martins. Devia ser obrigatório ler a história de Portugal dele. E as pessoas não sabem.

Ljubljana disse...

13ª parte
Diz que um dos grandes problemas da sociedade é o facto de as pessoas não lerem ou de cada vez lerem menos.
Villaret, havia o David Mourão-Ferreira, que tão esquecido anda. Hoje não há nada. Há “A Casa dos Segredos”. É simpático ver as pessoas a fornicar. O Karl Popper, uma pessoa de quem não estou muito próximo, mas que gosto muito de ler, tem um livrinho sobre a televisão e está lá tudo.

Mas nós, no pós-25 de Abril, tivemos acesso à educação, a ferramentas que, supostamente iriam permitir exercermos o nosso direito e poder de escolha. Isso aconteceu?
Apesar de tudo, acho que sim. A curiosidade das pessoas levou-as a aceder às coisas, às faculdades. Agora estamos em regressão.

E como responde ao “deslumbramento pelo dinheiro fácil”? Não tivemos culpa, também?
Talvez. Tivemos, mas não culpa total. A culpa do povo é mínima. Não houve incentivos. As coisas têm de ter uma continuidade. No outro dia, ouvi o filósofo José Gil, quando ele foi considerado um dos vinte filósofos europeus. Ele disse: “eu sou o resultado dos estudos feitos por outros”. E tem uma certa razão de ser. Nós somos o produto de grupos, ninguém tem as ideias em sistema de exclusividade, as ideias pertencem a muito mais gentes, as ideias são formadas por nós, mas pertencem a muito mais gente.

Como é que vê o futuro?
Não vejo, com esta idade já não vejo. Bem, eu tenho esperança. Mas não tenho certezas. Tenho sonhos. A minha mulher diz sempre: põe os pés na terra. Estou sempre a sonhar e ainda bem, senão era insuportável. Fico sensível e emocionadíssimo quando vejo homens e mulheres de quarenta anos sem emprego. Mas que raio de mundo é este?

Como preenche hoje os seus dias?
A ler, a escrever.

Além deste livro de crónicas, tem algum romance?
Tenho várias coisas começadas, e tenho, há longos anos, um livro de memórias, que não é um livro amável. No outro dia, estava aqui a fazer uma lista dos grandes esquecidos. Às vezes, faço assim umas coisas. Por exemplo, tenho aí uma lista das palavras que eu nunca utilizarei.

Quais são?
Implementar. Calendarizar. Elencar, que acho uma coisa quase pornográfica. Não gosto de palavras bonitas, gosto é de palavras expressivas. O “Século” ensinou-me a pegar na caneta e o “Diário Popular” abriu-me as portas para tudo. Foram as grandes escolas, até de camaradagem, uma palavra que os jornalistas suprimiram. Um dia, uma estagiária foi ter com o meu amigo Neves de Sousa: “ó colega…”. O Neves: “ó colega?! Ó menina, vou-lhe explicar, colegas são as putas, os jornalistas são camaradas e tratam-se por tu”. Outro grande homem dos jornais que ninguém sabe quem é.


O grande Garrett dizia: o país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande.
Temos muita inveja uns dos outros. É a miséria portuguesa. O mesquinho na mesquinhez.


O Neves de Sousa deixou uma série de filhos, a maior parte deles ligados ao jornalismo. Nenhum dos seus filhos quis seguir a carreira do pai?
Não, não. Eles perceberam que, se fizessem isso, seriam sempre os filhos do Baptista-Bastos. Um é advogado, outro é arquitecto e professor aqui na Clássica, e o número três é psicólogo clínico e deu-me dois netos lindíssimos, que são a luz dos meus olhos, claro. Mas foi muito difícil, a menina Isaura e eu… eles, os meus filhos, queriam ir trabalhar. Opus-me sempre. Sabia que se fossem trabalhar, nunca mais se iriam licenciar. São grandes leitores, uma coisa que me apraz muito, e discutem comigo. Incitei-os a discutir. São pessoas de esquerda, mas não têm filiação partidária, como eu hoje não tenho.

Sente-se órfão politicamente?
Órfão não. [Revejo-me] no PC, sim. Já votei no PS. Fui enganado pelo Guterres e isso não lhe perdoei. Um dia, ele estendeu-me a mão e ficou com ela no ar.

Enganou-o porquê?
Porque fugiu. Ele tinha a simpatia das pessoas. Não me recordo de haver um dirigente socialista, a não ser o Soares, com tanta simpatia e empatia.

Ljubljana disse...

14ª parte
É provocado, é dificultado, abra a televisão.

Mas as pessoas podem desligar a televisão. Têm esse poder.
Na minha opinião, deveria haver programas de sedução de leitura. No tempo do fascismo, havia o
Sobre assuntos ecuménicos, como olha para o Papa Francisco, que até já aparece na capa da “Rolling Stone”?
Com grande simpatia. Ele não tem seguidores, está a falar sozinho. E veja o caso do episcopado português, há um silêncio opressivo sobre aquilo que o homem diz. Ele percorre caminhos perigosos. O populismo é um caminho perigoso.
Mas ele está a percorrer esse caminho?
Não sei. A popularidade é uma coisa que afecta as pessoas, não se esqueça disso. As pessoas ficam muito anchas de si próprias. Se calhar, ficam com a noção de que têm valor a mais. O homem é um ser gregário, o homem não é um ser isolado, veja os alentejanos – um dia, o José Gomes Ferreira, o autêntico, escreveu um poema lindíssimo, disse: nunca vi um alentejano cantar sozinho. Olhe, faz-me falta, o Zé Gomes. E o Manuel da Fonseca. Era até ao fim da vida. Grandes brigas no meio da rua com estes gajos, grandes copos, grandes afinidades.

Falava nas palavras expressivas. Foi no jornal “O Século” que tomou o gosto pelas palavras?
No gabinete do Acúrsio Pereira [chefe de redacção], estava uma frase do Garrett, que era mais ou menos isto: odeio palavras velhas, amo as palavras antigas. Volta e meia, vou ler o Garrett nas “Viagens na Minha Terra”, uma coisa primorosa. No III volume d’“As Farpas”, do Ramalho Ortigão, está uma definição do Garrett feita pelo Herculano: o Garrett era capaz das maiores trafulhices quando se via em apertos – e acho que era uma coisa constante – mas havia uma coisa que ele era incapaz de fazer: uma frase mal escrita.

Uma vez disse que entre as pessoas que melhor escreviam em Portugal estava Paulo Portas.
E é verdade. O que o Paulo Portas escrevia n’“O Independente” tinha uma força e uma raiz de portuguesismo numa altura em que isto estava a ser invadido por culturas outras que não tinham nada a ver connosco.

A boa escrita à margem das ideologias.
Eu tenho uma grande biblioteca de escritores fascistas.
Mais que a ideologia, é a cultura que pode unir as pessoas?
É a cultura, embora a cultura seja ideológica. É a visão que essas pessoas têm do mundo. E a língua.

Pegando na questão da língua, as relações com o Brasil estão mal exploradas?
O Brasil é a nossa salvação como expressão da língua. Mas eu não sou servo da hegemonia da língua através de Portugal ou do Brasil ou de Angola ou de Moçambique.

Precisamos de acordo ortográfico para a salvação da língua?
Eu sou contra o acordo. Um grande paladino da defesa do contra o acordo é o Vasco Graça Moura, de quem sou grande amigo.

Enumerou há pouco as palavras que nunca usa mas também se referiu aos “grandes esquecidos". Quem são?
São uma data deles. O Carlos de Oliveira, o Manuel da Fonseca, que ninguém lê. Há outros que não fazem falta nenhuma. Mas, por exemplo, a Celeste Andrade, a Maria Judite Carvalho, a Irene Lisboa. Então, em mulheres, é uma coisa impressionante. A Imprensa Nacional Casa da Moeda devia fazer essa divulgação. É claro que tem feito algum trabalho meritório, por exemplo, com o Casais Monteiro, que estava esquecido, mas devia haver uma grande atenção à Maria Judite de Carvalho, à Irene Lisboa. Como é que é possível esquecer a grande autora da solidão? Que país é este? Há muitos esquecidos. O Leão Penedo, o Rogério de Freitas, o Marmelo e Silva, um dos maiores contistas portugueses. E depois há lóbis que impõem uns e apagam outros. E não há um grande suplemento semanal que se oponha a isto. Os esquecidos, vamos lá ver quem são os esquecidos. Ficariam surpreendidos com a grandeza dessa gente.

Ljubljana disse...

15ª parte
E o Baptista-Bastos? Qual é a sua ambição como escritor?
Escrever bem. Os prémios que tenho recebido, se calhar, já são demais. Têm-me perguntado sempre se os aceito ou não. E eu pergunto: quem é o júri? Depende disso. Não vou atrás dessas conversas. O meu amigo José Saramago, por quem tenho grande apreço, como pessoa e como escritor, dizia assim: sabes, ò Armando, um tipo que mija por cima do ombro em Portugal está lixado. É um bocado verdade. É a miséria portuguesa. O mesquinho na mesquinhez. E o grande Garrett dizia: o país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande. Há muita inveja.


Há muitas pessoas de quem eu gosto, mas não sei se têm a estaleca e a estirpe para "tomar contra do país".
Qualquer coisa tem de aparecer, ninguém pode viver assim.


Somos um pouco assim.
Temos muita inveja uns dos outros. Eu conhecia relativamente bem o universo jornalístico e literário. No meu tempo, era muito menos gente, aí uns quatrocentos no jornalismo. Havia mais solidariedade porque éramos poucos e porque as coisas estavam muito divididas e marcadas. Mas conheci muito bem o universo dos escritores, um universo que é de pôr a pistola em cima da mesa. As histórias que eu sei de inveja, de ciúmes. Eu dizia: não é preciso estares assim, porra! Aqui, em Portugal, um dos mundos que frequentei foi o do cinema. Tenho muita saudade do Fernando Lopes, em casa de quem dormi numa altura de aperto, não tinha dinheiro nem para comer. Nessa altura, fui trabalhar para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, uma coisa que pouca gente sabe. Num emprego, como redactor, que me arranjou um homem monárquico chamado Avellar Soeiro, que era relações públicas. Não havia redactor nenhum. Aquilo era um processo para eu ganhar umas coroas. Ainda estive lá uns meses. Isto nos anos 60. Depois, em 1964, fui para o Brasil com o Raul Solnado.

Fazer o quê?
O Raul Solnado e eu conhecíamo-nos desde miúdos e tínhamos o Brasil como paixão. De maneira que combinámos que o primeiro que fosse ao Brasil levaria o outro. É claro que foi ele. E eu fui como secretário do Raul Solnado. Foi um êxito fulminante no Brasil. Eu tinha 30 anos e conheci lá toda a gente. Fiz amizade com o Vinicius de Moraes, o Rubem Braga, o António Maria, e depois as cantoras, a Dóris Monteiro, a Nara Leão, toda essa gente. Aquilo foi um banho lustral. O Brasil ensinou-me uma coisa: nem tudo está perdido. E ensinou-me a formar as minhas próprias convicções. Porque isto de dizer que nem tudo está perdido quer dizer que temos de ter uma força interior, que tem a ver com sonho e esperança. Por isso é que minha mulher me diz: põe os pés na terra. E o Brecht dizia: os homens são feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Pelo sonho é que vamos. Eu nunca desisti de trabalhar. E, quando estava em aperto, ia para a tradução de livros. Escrevia na máquina de escrever. Traduzia livros em 15 dias. Rebentava com os dedos todos e ela [a mulher] chorava de me ver ali horas e horas. E ela dizia que chorava de orgulho, o que me dava uma certa coragem, um certo ímpeto. Nisso, tive sorte. Ela ralha comigo. Tem a mania de mandar em mim.

José disse...

Ljubljana:

Vou comentar a entrevista com os recortes do jornal. Ou seja, do que comprei e que é meu porque o paguei.

Mais logo.

a.leitão disse...

Este é mais um post que põe a nu todas as aldrabices que nos querem vender. Não é por acaso que os comunas pretendem alinhar o ensino por baixo, só aí podem encontrar, na ignorância, o meio para que os fungos ideológicos comunistas proliferem.

Faço meu o comentário da MARIA, nos meus 74 anos já vi tudo o que havia para ver.

Lura do Grilo disse...

Este é material que não compro! Já sei o que tem: para quê comprar a preço de bacalhau do alto o que encontro todos os dias na TV, onde não tenho escapatória?

Maria disse...

Obrigada a. leitão pelo seu apoio. Muito mais haveria a escrever sobre a matilha de lobos selvagens (porque os há amestrados e portanto pràticamente inofensivos) travestidos de governantes benignos e altruístas, que nos assombra o espírito dia e noite sem descanso e que, como determinada espécie de morcegos, suga o sangue dos povos até transformarem-nos em vegetais, numa plavra, inanes. Grande parte do que sei sobre os governantes das democracias que, a mando superior, destróiem países e povos com a mesma indiferença de quem pisa formigas, é-me transmitido por amigos de família, norte-americanos, independentes e patriotas, os quais dentro das fraquíssimas possibilidades de que dispõem e munidos de armas tremendamente desiguais perante um poder quase indestrutível, travam uma luta cerrada contra o governo mundial a partir do seu próprio país - sendo este a sua primeira e maior vítima - cujas garras se propagam em rede por todo o Globo.
Ficará para a próxima.
Maria

Ljubljana disse...

Caro José,

Saiba que tenho assinatura paga de acesso integral aos conteúdos online do jornal de negócios, por quatro anos. Tudo legal. Só não sei se foi legal a colocação integral desta entrevista por aqui, mas tendo sido referida a propósito do seu post, achei pertinente colocá-la para leitura dos habituais e muito interessados frequentadores deste seu espaço. Peço desculpa pela "invasão".

O Público activista e relapso