Mário Soares assina hoje no Diário de Notícias uma crónica de risota. Para além do paleio de chacha e já chéché, tem na última coluna uma pequena antologia do seu modo de governar o país, nos anos setenta, particularmente em 1976-78, altura da primeira bancarrota.
A petite histoire que Soares conta, a propósito de um episódio patético ocorrido no II governo constitucional, a que presidiu durante meia dúzia de meses ( de Janeiro de 1978 a finais de Julho do mesmo ano) depois de lá ter estado no mesmo posto no I governo constitucional da democracia, merece destaque e comentário com memória do tempo que Soares parece ter esquecido em toda a extensão, guardando apenas uns episódios típicos de decrepitude senil.
Neste caso conta que sendo o seu camarada de internacional socialista, Helmut Schmidt, chanceler da Alemanha ( desde 1974 que o era e assim foi até aos anos oitenta) foi lá pedir esmola, em determinada altura que não indica mas necessariamente nesses meses, porque levou consigo o sempre constante Constâncio então ministro das Finanças e do Plano, porque muito lá de casa da Maçonaria e considerado muito competente por insuspeitos como Freitas do Amaral ( afirmou-o nessa altura, sem rebuço), apesar dos resultados catastróficos da política económica seguida.
A esmola que Soares foi mendigar a Bona era de vulto porque estávamos na corda bamba da bancarrota, desde meados de 1976, quando Soares assumiu o comando do I governo Constitucional e não foi capaz de fazer melhor do que aguentar o barco da pátria, chamado o FMI e recorrendo a todas as ajudas possíveis. Assim lhe diziam que devia fazer e Soares fazia, porque de Finanças sempre "percebeu muito pouco"...
Em Bona, enquanto Vítor Constâncio expunha a situação dramática do país ao camarada Schmidt, particularmente a financeira de que Soares "percebia tão pouco" (assim o escreve) o bon vivant do costume resolveu sair e ir a ...um museu. Dali a uma hora, já com a situação financeira bem exposta, foram almoçar que foi para isso que fora convidado...e até recebeu os parabéns do camarada Schmidt que achou o tal Constâncio "excepcional". E tudo ficou resolvido, escreve Soares. Mas não ficou, porque de empréstimos víviamos então e para lembrar a quem não se recorda ou não quer recordar e mostrar a quem ainda não sabe, aqui ficam mais uns recortes para tal.
Em finais de 1977, o I governo Constitucional de Soares estava nas últimas. Porém, teve o topete de apresentar uma moção de confiança no Parlamento que naturalmente foi...chumbada e o governo caiu. Ramalho Eanes ficou com a batata quente nas mãos e o país com o FMI à perna e os empréstimos avulsos, alemães e americanos, para pagar.
o Jornal de 9 de Junho de 1976 contava como estávamos, na sequência da aventura do PREC e da renitência do PS em alterar a situação económica, com uma Constituição que nos prometia ( e ainda promete) que íamos a caminho do socialismo ( até 1989 era até à sociedade sem classes, verdade- não é para rir...) e o PS a bater palmas ( ainda hoje bate).
Nessa altura, Setembro de 1976, Medina Carreira era o ministro das Finanças de Soares que dessa matéria, confessadamente, percebia zero ( de política sabe ele...mas de Finanças é sempre com os outros e sempre foi assim ao longo de todos os governos. Agora arma-se em sabedor, o que não deixa de ser patético) e Medina Carreira que deve lembrar-se bem disto mas não fala muito, dizia que estávamos nas lonas. Daí o FMI e os empréstimos, claro.
E os "pacotes". Este foi o primeiro em Agosto de 1977...que Soares não se lembra mas foram duros. Se calhar mais duros que agora. O "empobrecimento" então era palavra desconhecida, assim como os culpados directos. Aliás, estes eram conhecidos: os fascistas, claro.Os do antigo regime que desgraçaram a economia com os "monopólios" e o "condicionalismo industrial"...
Esta situação económica não podia levar a lugar que se visse, politicamente. Por isso, em final de 1977, Soares apresentou a tal moção de confiança, com este resultado, como mostra o Jornal de 9 de Dezembro de 1977:
O PCP era o pivot do chumbo ao governo.Repare-se no paleio de chacha de Soares, sempre o mesmo e com apelos constantes ao "fascismo" ( de direita e esquerda) , democracia e noções repisadas de desgraças de um porvir sem ele ou os camaradas a mandar. Como agora. O que pretendia Soares com isto? Manter-se no poder, apenas e só. O país? Estavam lá os constâncios para tratar das miudezas das finanças, matéria de que confessadamente, escreveu-o agora, "percebia muito pouco". Foi isto que nos calhou na rifa democrática e eleitoral durante décadas e ainda lhe dão ouvidos. Citando O´Neill, Soares é o típico governante de um país das maravilhas onde quem manda pode dar-se ao luxo de nada perceber de finanças. Basta saber de...política.
O país de Soares é " o País dos gigantones que passeiam a importância e o papelão, inaugurando esguichos no engonço do gesto e do chavão.E ainda há quem os ouça, quem os leia, lhes agradeça a fontanária ideia!"
Como diriam os italianos, "porca miseria!"
Curiosamente, nas negociações para o II Governo Constitucional, o tal em que entra o fantástico Constâncio, sempre apresentado como muito competente ( ainda hoje é assim referido, sempre muito competente...) o Jornal de 17 de Fevereiro de 1978 dava conta de um documento secreto que demonstrava que o PS e o PCP tinham negociado um acordo de governo...pelo que é fácil de entender de quem é a responsabilidade pela primeira bancarrota, com ideias tão brilhantes como esta. Sobre isto é que Mário Soares devia falar, se se lembrar o que se duvida:
Portanto, com estas companhias, o PS ia longe...com o tal Constâncio ao leme das Finanças, sempre muito competente.
Em 3 de Fevereiro de 1978, Medina Carreira, agora de fora do barco socialista em naufrágio com o país a rasto, fazia o diagnóstico: "grande empréstimo". Mas não era o da Alemanha que o sempre muito competente Constâncio foi explicar ao Schmidt. Era outro, o do FMI...
Medina Carreira, no programa Olhos nos Olhos é que podia falar nestas coisas e calar o velho Soares, de vez. Mas não fala...
A situação portuguesa era dramática, com mais de dois anos de governos socialistas. E por isso...austeridade era a receita, aliás já conhecida desde Agosto de 1977.
Em Junho de 1978, quase um ano depois, o O Jornal dava conta de quem eram os nossos credores, a "troika" de então e os fautores do nosso "empobrecimento", por causa da primeira bancarrota ( e ainda haveria de vir a segunda, dali a meia dúzia de anos e sempre com este velho Soares, muito querido dos media nacionais...)
E como é que Soares, o desmemoriado, defendia publicamente este empobrecimento? Sempre com grandes palavras e proclamações de relevo. O paleio de chacha do costume, sempre usado para enganar papalvos e assim levou uma vidinha de luxo(s). Assim, em Maio de 1978:
Em finais de Julho de 1978 escassa meia dúzia de meses de governo, o II de Soares ia à vida. Ramalho Eanos, então presidente da República tirou-lhe o tapete, eventualmente farto da incompetência de Soares, mas sempre com o muito competente Constâncio ( que viria mesmo a ser convidado para o governo seguinte, de Nobre da Costa, mas não aceitou...)
O Jornal de 4 de Agosto de 1978 dava um pequeno vislumbre de tanta competência agregada nas ondas de fumo do cachimbo.
O perfil jornalístico, esse, tinha sido mostrado em 3 de Março desse ano, com um currículo invejável de competências avulsas. Até de catedrático sem doutoramento.
Assim perante tamanha competência governativa, Ramalho Eanes, não se comoveu e...demitiu o II de Soares, ainda infante e com dentes de leite. A demissão era semântica porque constitucionalmente poderia ser...exoneração. Ou não. Canotilho e Vital Moreira escreveram então um artigo sobre o assunto magno. Seja como for, Soares foi corrido e Soares nunca lhe perdoou, a Eanes. E até pensou na altura no tribunal Constitucional, tentando anular a decisão macaca que lhe tirava a possibilidade de ir a Bona almoçar com o camarada Schmidt e ver uns museus de passagem, enquanto o seu competentíssimo ministro das Finanças e do Plano tratava de estender o chapéu para o empréstimo da praxe.
E as realizações do II governo, perguntarão então?
Em 4 de Agosto de 1978 , o mesmo O Jornal, pela pena de Luís Pinheiro de Almeida, mostrava o balanço do II Governo Constitucional. Fantásticas: empréstimos ao FMI, aos americanos e aos alemães.
Sempre de chapéu na mão e Soares a almoçar que de Finanças percebia muito pouco. Ainda percebe menos, agora.
E depois de 1978? Continuamos a saga dos competentes...de chapéu na mão perante os credores. Como agora.