A recente directiva da PGR ( 4/2020) destinada aos magistrados do MºPº subverte por completo a essência estatutária da magistratura e transforma os agentes do MºPº em meros funcionários dependentes de ordens e controlo hierárquicos. Tal como os funcionários do Fisco, por exemplo.
Nem o PGR Pinto Monteiro se atreveu a tanto! O objectivo último desta directiva é controlar o que tem que ser controlado, maxime por uma única pessoa que nem sequer pode exercer poder nos processos, concretamente, ou seja a PGR.
Fá-lo-á através de instruções precisas e concretas aos poderes intermédios, mormente ao director do DCIAP, onde se parqueiam os processos mais mediáticos e que envolvem interesses maiores. Este por sua vez actuará sobre o titular do processo respectivo e assim se fechará o círculo de poder neste giz caucasiano. Tudo isso num processo administrativo, secreto e sem escrutínio.
CM de hoje:
Não se entende como é que a hierarquia do MºPº foi capaz de produzir uma orientação genérica deste teor e tamanho significativo, susceptível de subverter a imagem do MºPº e causar danos tão profundos na respectiva funcionalidade operativa dos seus magistrados.
Incrível! E no entanto já tinha sido alvo de atenção por parte do antigo PGR, Cunha Rodrigues, um magistrado de craveira indiscutível que exerceu o cargo de modo quase impecável e que agora publicou as suas memórias já aqui mencionadas ( Memórias Improváveis, Almedina, Outubro 2020) e também referidas na crónica de Eduardo Dâmaso na coluna ao lado da notícia.
Aqui ficam quatro páginas em que se esclarece o problema: afinal a reforma judiciária foi a génese deste monstrinho com corninhos agora à vista.
A proliferação de cargos intermédios de chefia e a disseminação de algum poder hierárquico pelas distritais ( Porto, Coimbra, Évora e Lisboa) que dantes eram apenas centrais administrativas de gestão da magistratura e pouco mais que isso, conduziu a este estado de coisas, muito por causa das pessoas que ocupam tais lugares e que não têm a mesma visão do MºPº que Cunha Rodrigues tinha. Por isso foi afastado na prática, das respectivas comissões aquando da discussão destes assuntos.
O problema é exactamente o da "exacerbação das hierarquias" , tal como refere Cunha Rodrigues e que conduz á destruição completa da autonomia interna do MºPº e de cada um dos seus magistrados, com esta directiva agora publicada.
Outra consequência deste ambiente deletério nas magistraturas verifica-se também entre a judicatura. O que foi notícia ontem é simplesmente aterrador e sinal dos tempos: o CSM organizou um procedimento administrativo para "analisar" uma decisão jurisdicional e instituir-se como autêntica instância de recurso popular, uma vez que o CSM é um órgão administrativo sem tais poderes constitucionais.
Não me lembro de uma coisa destas ter sucedido nas últimas décadas em Portugal. Nem antes de 25 de Abril tal sucedia e por isso, se calhar é que li por aí alguém a dizer sobre o caso concreto que "ainda havia juízes em Berlim".
Não há, pelos vistos. A funcionalização do MºPº não basta, a este poder. Carecem ainda da canga sobre o poder judicial. Vem aí! Leia-se a notícia do Público, onde um seu cronista habitual, o juiz Manuel Soares, sindicalista, deveria pronunciar-se sobre isto...porque isto não é politiquice. Irá fazê-lo? Tenho muitas dúvidas. Quase apostava dobro contra singelo que o não vai fazer. Por medo, simplesmente.
Entretanto e à margem do assunto, no livro de Cunha Rodrigues apresenta-se este episódio que é simplesmente um ajuste de contas entre o mesmo e Laborinho Lúcio.
Elucidativo sobre as personalidades em questão:
Sem comentários:
Enviar um comentário