Nos primeiros meses do ano de 1972, há 50 anos, ainda soavam nos rádios e apareciam nos escaparates das discotecas discos que tinham sido lançados no final de 1971.
Tal como o anterior, o ano de 1972 foi de muito boa colheita, começando logo com Harvest de Neil Young, precedido no início do ano do single Heart of Gold, um mega sucesso no mundo inteiro.
Nas lojas americanas era assim, ao lado de outros êxitos da mesma altura, como o primeiro dos America ou Thick as a Brick dos Jethro Tull que aliás tinham um sucesso espectacular do outro lado do Atlântico, para banda inglesa típica que eram ( ao lado, aparece Tower of Power como outro de grandes vendas, mas é apenas o sinal que os mercados não são todos iguais...)
A foto é tirada do livro de Neil Young que acompanha a primeira caixa dos Archives I de há uns anos ( 2009).
De tal modo Harvest foi um êxito que até a revista Século Ilustrado de 19.8.1972 ( em Portugal tudo chegava mais tarde, tal como hoje acontece) dedicava duas páginas, acompanhada de uma fotografia publicitária que se tornou rara, pois não se encontra nas revistas e sítios da internet dedicados ao artista.
A revista Mundo da Canção de Maio desse ano também lhe deu a capa, usando a mesma foto, bem como algumas páginas com as letras do disco.
A crítica musical mais interessante que então aparecia na imprensa portuguesa era escrita por Teresa Botelho na revista R&T. Por exemplo esta, de 22 de Janeiro de 1972:
E referia-se a este disco saído nessa altura. A apresentação dos quatro discos numa caixa aberta num dos lados era acompanhada por um livreto e vários pósteres, três e um deles com mais de dois metros quadrados de superfície em papel. Embora me tenha escapado o papel a recomendar a inscrição e votação nas eleições de 1972 ( Nixon ganhou e foi então que aconteceu o Watergate) havia outros discos com a mesma recomendação ( por exemplo Manassas de Stephen Stills). Por outro lado a qualidade sonora dos discos, na versão original americana não é das melhores que o grupo produziu apresentando um som relativamente anémico e sem grande dinâmica:
Quanto à crítica do Século Ilustrado referia-se a uma revista americana, Rolling Stone, presumindo-se que o autor anónimo a tivesse lido para comparar, o que parece ter sido o caso.
Aqui está o artigo original de tal revista, sobre o disco Harvest em que o autor considera que os discos anteriores eram melhores, num exercício típico do cabotinismo crítico:
Por mim, em Julho desse ano, já tinha outras preocupações auditivas, como anotei numa das páginas da Mundo da Canção de Abril de 1972: Manassas de Stephen Stills era o disco que me encantava na altura. O título escrito "What do you do" era afinal "What to do" e para além disso, havia música portuguesa em 1972, no caso José Jorge Letria, o comunista exilado em França que o regime permitia que se ouvisse Páre, escute e olhe, sem censura. E eu gostava de ouvir, tal como gostava de ouvir Manuel Freire, outro antifassista, a cantar Pedro Só. Manuel Freire tornou-se uma vedeta quando cantou a Pedra Filosofal no Zip, em 1969.
E no poster lá estava a recomendação ao voto...
Em Portugal na mesma edição desse Século Ilustrado dava-se uma amostra sociológica de um fenómeno interessante de que muitos ainda se recordam, se tiverem mais de 50 anos...
Quanto a música portuguesa nesses primeiros meses de 1972 ouvia-se o ep de Sérgio Godinho, saído no final de 1971 e a preceder o primeiro LP, Sobreviventes, saído mais tarde nesse ano de há 50 anos.
E ouvia-se José Afonso no disco
Cantigas do Maio e ainda Adriano Correia de Oliveira, dois antifassistas de peso e que se escutavam com gosto musical no início desse ano. Até o Manuel Alegre se fazia triste por causa da censura que não lhe cortou a expressão, como não se cansou de proclamar depois para vilipendiar um regime a partir da Argélia e apelar à luta anticolonial, contra Portugal:
Ou até outro antifassista notório com liberdade de expressão musical. José Mário Branco, o exilado em França, fugido à guerra no Ultramar, numa imagem da edição de Fevereiro de tal revista:
Não era apenas música anglo-saxónica que se podia ouvir em Portugal, para além da produção local. Nessa altura a França era um país com grandes artistas e este disco publicado no ano anterior era simplesmente fantástico, tal como hoje continua a ser:
E no Brasil nesse ano saiu esta obra-prima de Milton Nascimento e Lô Borges: o
Clube da Esquina, lançado em Março de 1972
. A história do disco
está aqui. A segunda parte sairia dali a meia dúzia de anos. Por cá nem um nem outro se ouviram por aí além...
Passados muitos anos os brasileiros encontraram as duas crianças que figuram na capa ( "tonho e cacau") , assim ( e a história do reencontro, em 2012,
está aqui) :
E ainda havia outros discos brasileiros nesse ano, com interesse ( aqui o do Quinteto Violado aparece associado ao Berra-Boi do ano seguinte):
No Brasil no início desse ano ainda foram lançados discos fundamentais, como Acabou Chorare, dos Novos Baianos.
Apesar disto qual foi o disco mais impressionante destes primeiros meses de 1972, para mim? A horse wit no name, dos America que passava insistentemente no rádio e ainda serve como referência para a sonoridade desse ano, tal como Rocket man de Elton John? Podia ser, mas não é.
Depois de pensar algum tempo nisso, foi este, aqui na versão original americana:
Lembro-me de ver a capa do disco nos escaparates e o fascínio da imagem da bandeira pintada no polegar, semelhante ao do mesmo ícone pintado no capacete de um dos motociclistas de Easy Rider ( Peter Fonda) alguns anos antes.
O disco tem duas canções intemporais:
American Pie, um compêndio de referências à evolução do rock desde os primórdios dos anos 50 até àquela época em que se equacionava o fim do mesmo enquanto expressão artística com algum relevo fundamental para a evolução musical e social. O tempo dos hippes tinha passado e "b
ye, bye miss american pie". A outra é
Vincent, uma balada dedicada a Van Gogh, extraordinária.
O resto é semelhante a outras músicas, como as publicadas no primeiro disco a solo de Paul Simon, outro portento desse ano. É o que começa com Mother and child reunion, tem Duncan, uma das suas melhores canções e ainda Me and Julio down by the schoolyard, para além de todas as outras porque é um disto inteiro, sem espaços vazios de interesse auditivo:
De resto lá fora, em França os "tops" não eram muito diferentes de cá por essa altura, como se mostra pela Rock & Folk de Março de 1972.
E os discos anunciados por cá em Dezembro de 1971, ouvidos depois:
E em Abril de 1972 as "novidades" eram estas:
T. Rex e Paul Simon em destaque nos álbuns e nos singles, além das Vickys Leandros dos festivais e dos Son of my father, havia esta, de Bob Dylan que me marcou a atenção:
O destaque imediato dos tops, porém, vai para este disco excepcional, de um grupo inglês que se notabilizou nesse ano com mais dois discos ( The Slider e Bolan Boogie, este uma compilação) :
De resto os discos mais notórios desses primeiros meses foram estes:
E por isso não se deve esquecer este que agora será reeditado em edição de luxo e que com o anterior ( Tea for the tillerman) quase serviria de banda sonora para essa época....já quase tão esquecida como esses dois discos fantásticos:
O resto, dos meses a seguir, fica para depois...porque 1972 foi outro ano vintage para a música popular.
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