Ontem no Público, o presidente da ASJP, num exercício de cidadania, como agora se diz, escreveu sobre o "nosso Parlamento" e os deputados que lá estão. Para além de elogiar deputados da extrema-esquerda, do nosso partido comunista pró-estalinista e da extrema-esquerda trostkista, apresentou-os como modelos de "profissionalismo" político cuja ausência no Parlamento actual é sentida como perda e elaborou sobre as qualidades desejáveis nos deputados: competência, informação, interesse, colaboração e lealdade.
É ler:
O articulista lamenta que não haja pessoas no Parlamento com maior qualidade e até acharia importante e estimulante a presença de "jovens" que pensassem e agissem "fora da caixa", seja lá isso o que for, para além da ideia feita do costume correctamente banal e de argumento de telenovela. Será algo aparentado a ser "contra o sistema"? Não me parece muito avisado defender tal coisa...
Por outro lado, acha importante que houvesse gente de outras áreas do saber, para além dos doutores, engenheiros e economistas. Aparentemente comungará da ideia peregrina acerca da "geração mais bem preparada de sempre" o que não deixa de ser curioso. O ideal seria então povoar o Parlamento de representantes do povo em modo alargado, portanto com agricultores, artistas, operários, desempregados, estudantes e pessoal doméstico. Enfim, uma extravagância que não resiste a um minuto analítico sobre o acerto de tal proposta.
Sobre o problema da representação popular nos parlamentos, em sistemas democráticos e portanto na escolha de auto-governos, tidos como o modo ideal de organização do poder, li há pouco um artigo publicado em...26 de Maio de 1928 na revista americana Saturday Evening Post, da autoria de Richard Washburn Child, um autor dos anos vinte que promoveu abertamente o fascismo italiano de Mussolini, num altura em que tal não tinha a conotação actual de diabo em figura de regime.
Lendo o artigo não se cheira ou nota qualquer tendência totalitária deliberada e acentuada para promover o tal fascismo, antes se compendiam problemas concretos e práticos, com exemplos de quase todos os países da Europa e das questões que então se colocavam aos povos que tinham que escolher os seus representantes em eleições.
Obviamente que o "bolchevismo" estalinista era algo fora da equação, o que aliás também era consensual na Europa da época ( e de agora). Daí a bizarria, antes e agora, em promover representantes lídimos da ideologia totalitária comunista, como se fossem dignos democratas que respeitariam os direitos políticos alheios se alguma vez chegassem ao poder. Bizarria acentuada pela circunstância de supostos e duvidosos representantes de uma mítica extrema-direita, serem permanentemente enxovalhados como se fossem indignos do convívio democrático, mesmo sem lhes ser possível assacar ideias totalitárias. Quanto aos outros da extrema-esquerda, porém, não há a mínima dúvida sobre o que quiseram o que querem e continuarão a querer, com o apoio explícito deste crédulos. A experiência portuguesa do PREC provou-o à saciedade, com a particularidade de ser caso único na Europa do século XX, mas nem assim aprenderam fosse o que fosse.
Por outro lado, a explicação para o surgimento da revolução do 28 de Maio de 1926 em Portugal também parece ser consensual: uma sublevação para acabar com as várias sublevações anteriores e o caos governativo que engendravam.
Comparando o artigo de Child com o do juiz sindicalista não vejo diferenças no essencial: o Parlamento não funciona bem com as pessoas que lá são colocadas pelos partidos e que o são por vícios do partidarismo que o modo de representação aparentemente não resolve.
Portanto, escusa de cogitar ou escrever balelas sobre a promoção ao fascismo...ou ideias de loucura inimaginável, porque as coisas são o que são.
Ninguém se atreverá a dizer que a crónica do Público é fascista tal como não o será este artigo que segue.
Sobre Mussolini, relativamente ao qual o autor era já propagandista escreve que "Mussolini diria que quando uma luta de classe ou industrial se torna uma ameaça para a sociedade é função do governo regular tal problema. Se o Parlamento o não conseguir, então deve desaparecer e ser construído um novo estado que o consiga".
Obviamente que este ideário pode ser fascista, no sentido totalitário e portanto anti-democrático onde está ausente a ideia de auto-governo escolhido em eleições democráticas. Mas Mussolini argumentava que os modos de escolha do auto-governo dos povos deixavam ainda campo à imaginação e portanto não seria necessariamente assim, mesmo segundo os critérios da época ou de agora.
Child, na sua acção de apoio a Mussolini alvitra mesmo que "as novas propostas em Itália assentam num governo longe dos modelos dos concebidos pelas teorias liberais ou socialistas e muito mais próximo do modo de funcionamento e governo das sociedades, empresas e conglomerados americanos da época, tal como concebidas pelo homem de negócios americano." É fácil de perceber o horror do bolchevismo a tais ideias e o anátema que foi estampado na palavra "fascismo"...
E portanto se a escolha recair sistematicamente em pessoas que não resolvem os problemas, antes os criam e desenvolvem, com apparatchiks partidários, incompetentes e desligados da sociedade, como alvitra claramente o articulista do Público? Como é que se lida com tal fenómeno? Foi isto que Salazar teve em equação, em 1933. Será por isso fascista?
O artigo, relativamente extenso mas interessante, lida com estes assuntos e apresenta a Alemanha da época, ainda pré-hitleriana e dominada pelo chanceler Hindenburgo, como carente de "ordem". "perguntei a um destacado diplomata germânico, liberal, de que é que a Alemanha precisava mais. A sua resposta tem o encanto da simplicidade mas nenhuma originalidade no campo europeu: "um líder forte". Tiveram-no dali a algum tempo e chamava-se Hitler.
Em 1928 ainda não era muito conhecido no mundo embora na Alemanha já o fosse. Em 1933 tomou conta do poder. E foi o que se viu.
Child morreu em 1935 e por isso não será possível saber se continuaria a defender estas ideias, mas é certo que Salazar, na mesma altura estava atento de algum modo Mussolini, eventualmente pelas mesmas razões aqui expostas.
"Um referendo sobre se as ditaduras serão preferíveis a alguma forma não conhecida de auto-governo, com o menor prejuízo para as massas e o melhor governo e administração para as mesmas, teria como resposta um não", diz Child.
"Um referendo sobre se um "homem forte", se for possível encontrá-lo, mesmo que seja chamado ditador, em oposição a governos fracos e fúteis, com multi-partidos em lutas pelo poder, seria preferível, a resposta seria sim".
Cita um português acerca do que então tinha ocorrido, dois anos antes. " A vida parecia ser apenas sobre políticas e sem administração. Tínhamos auto-governo e nada mais do que isso. Nós e o auto-governo íamos pelo cano abaixo e sózinhos enterrados em areias movediças".
Se este artigo é fascista então a crónica do Público também o há-de ser...
Sem comentários:
Enviar um comentário