sábado, agosto 12, 2023

José Jorge Letria, o comunista que virou a casaca

 José Jorge Letria, "ficcionista, jornalista, poeta e dramaturgo", presidente da SPA desde há muitos anos, foi comunista desde o final dos anos sessenta até 1991, altura em que o Muro caiu. Tornou-se socialista "democrático" e assim virou a casaca, tal como outros o fizeram logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, fenómeno aliás muito glosado na época, até por outro comunista, João Abel Manta, num cartoon publicado pelo jornal Sempre Fixe de 4.5.1974, aqui numa imagem tirada do livro de  João Abel manta Cartoons publicado pelo O Jornal e reeditado pela Tinta da China recentemente:

A reciclagem no PS, dos comunistas ortodoxos inscritos no PCP, nos anos da "ditadura", tem aspectos curiosos mas nenhum deles admitirá que o oportunismo seja o reflexo disso, ao contrário do que atiraram logo aos fassistas de antanho.

Publicou agora um novo livrinho com esta capa:


O novo livro de José Jorge Letria é resumido a 125 páginas que se lêem com a facilidade de um artigo de jornal escrito à moda antiga. Centra-se nos fait-divers relativos a alguns personagens do tempo em que o autor passou de resistente ao fassismo a comunista encartado na revolução dos cravos e activista empenhado em conduzir Portugal aos destinos gloriosos dos países que em 1991 descobriram o logro e o embuste em que voluntária ou involuntariamente participaram. 
Não obstante tal evidência, o autor continua a manifestar a nostalgia desse tempo de enganos ledos e cegos e nos retratos tipo fotomaton que apresenta de tais personagens, deixa alguns pormenores que se tornam deliciosos para compreender melhor as causas do logro e do embuste em que incorreram.

Assim, depois de relembrar as circunstâncias dramáticas em que perdeu o pai, aos 16 anos, começa logo a contar como foi o dealbar desse "dia inteiro e límpido"  que o autor já sabia que iria despertar. 

Em seguida entra nos retratos propriamente ditos. O primeiro é de Ary dos Santos, o poeta antifassista, autor de versos imorredoiros como A Tourada, há 50 anos atrás ou "S.A.R.L." um compêndio de vitupérios ao capitalismo da época que o mesmo aliás apreciava nos seus produtos avulsos, como bom aristocrata de esquerda comunista.


Redunda depois em Zeca Afonso, o bardo de esquerda não alinhada na ortodoxia e afinado no esquerdismo infantil do comunismo. 
A história sobre o artista Zeca deixa de fora um episódio aqui contado em tempos, acerca do modo como se comportava na sua vida pessoal, com uma fruteira a caminho do "prego". 
Aqui o que interessa é apenas o activismo político em prol de um mundo melhor, patrocinado pelo comunismo.


Outro nostalgiado é David Mourão-Ferreira, um poeta habilidoso que conseguia malabarismos notáveis entre um regime que o sustentou e outro que o mesmo apoiava em abstracto porque era mais fino que o fassismo. Outro lembrado a propósito é Virgílio Ferreira que também detestava o fassismo entre fumaradas de cigarros em ambientes de café, dedicados às letras, aliás bem apresentados neste trecho, com revelação de que este meio intelectual é sobretudo mesquinho e invejoso.


Um bon vivant, escritor em horas muito vagas, Luís Sttau Monteiro, é assim apresentado como rematado mentiroso de charme, antes de relatar o modus vivendi de um artista da guitarra portuguesa, soturno como o PCP ao qual pertencia, enquanto arquivava radiografias num hospital qualquer:



Outro que não podia faltar é Fernando Lopes-Graça o compositor clássico de obras tão relevantes como as Canções Heróicas, em louvor do comunismo, embora aqui se descreva como invejoso de...Carlos Paredes:

Em seguida um surreal Mário-Henrique Leiria que idolatrou o gin:


E também as teatralidades de Mário Viegas, um declamador nato.


E Ruy Belo, então responsável pela católica União Gráfica, embora fosse um dos "ratos" das capelas imperfeitas:


O anarca Luís Pacheco também merece umas páginas para no fim dizer que era um aldrabão e mentiroso profissional, no entender de Mário Henrique Leiria, antes da apresentação escrita da tragédia climática de 1967 que enuncia como um mal do fassismo, como uma miséria associada ao regime e sem rebuço de qualquer contextualização das décadas anteriores, particularmente as que vinham da Primeira República jacobina, no seio de cujos herdeiros autor agora se acolhe.



Saramago é outro que se retrata sem escolhos, particularmente os deixados no Diário de Notícias da intransigência sectária do comunista Luís de Barros, também mencionado.



E termina o livro com uma história pessoal, algo pungente e ingénua nos seus pressupostos. Álvaro Cunhal aparece aqui no papel de um salazar putativo e de subsituição. Um chefe a quem se dão satisfações acerca da vida pessoal, não fosse o diabo tecê-las. Inacreditável!
 No fim uma piscadela de olho a um improvável PAN, com os animais à espreita. Um JLL confessadamente de choro fácil, emotivo e que afinal ajuda a explicar uma associação a partidos amigos dos "pobrezinhos" mas que acabam sempre por prejudicá-los. 




José Jorge Letria já publicou antes outro livrinho,  glosado por aqui e antes, em 2010,  já tinha escrito sobre o mesmo o seguinte:

"O escritor José Jorge Letria, dantes era músico. Numa pequena troca de ideias na revista Sábado desta semana, numa rubrica habitual chamada "Os meus erros", J.J. Letria dá conta dos seus. Um deles é este:

" Ter acreditado nisso [na construção do "Homem Novo"]. O ser humano é estruturalmente o mesmo há milhares de anos. Não há soluções ideológicas ou regimes providenciais que o libertem dos defeitos milenares".

Esta sabedoria relativamente recente de José Jorge Letria, se alcançada mais cedo, nos tempos da sua juventude, teria poupado algumas desilusões e principalmente teria contribuído para um país melhor, mais equilibrado, mais consentâneo com a tradição do que é nosso e nos caracteriza.

É por estas e por outras que preferia um título assim, para o livrinho de agora:


O "resto" seria para perceber como é que alguém que se engana redondamente nas ideias, de modo radical e insofismável, continua a condescender com as mesmas, com as pessoas que as defenderam e afinal com o sistema político e ideológico que alimentou tal utopia. 

Não percebo, confesso que não percebo. A não ser que seja por nostalgia, vinda do "choro fácil", gostaria de ler qualquer coisa que me ajudasse a perceber mais do que isso. 

Numa das páginas do livro anterior, JLL deu uma visão clara do que foi o logro. Assim, um pequeno episódio do que foi o PREC tão apreciado por JLL e que afinal foi fruto da cegueira ideológica de que se demarcou em 1991, mas que de que ainda guarda toda a nostalgia:





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