A propósito da nova reforma do mapa judiciário e alteração do modo de colocação de pessoal e logística, o sindicato do Mp pediu um parecer a dois reputados professores de Direito da Universidade Católica: Rui Medeiros e José Lobo Moutinho.
O parecer com algumas dezenas de páginas, foi agora publicado e pode ler-se uma interessantíssima reflexão sobre o estatuto do MP, com referências à Constituição e a diversos artigos dispersos por revistas de especialidade e algumas obras, em que se trata este tema que Laborinho Lúcio enunciou no outro dia no Prós & Contras:
O que vale e para que serve a divisão de poderes em Portugal?
Segundo os autores, "o actual estatuto constitucional do MP é o resultado de uma longa e paulatina evolução", sempre no sentido da emancipação desta magistratura ( característica que distingue os seus membros dos funcionários públicos em geral), dos restantes poderes do Estado.
"Ao longo dos tempos, por entre toda a diversidade de contextos históricos e políticos, o que se impôs- e valha a verdade, mais ao nível das questões concretas e aspectos parcelares do que como opção de fundo consciente- foi, antes do mais, a ideia de que as funções atribuídas ao Ministério Público exigiam determinados parâmetros materiais de exercício, a saber, a isenção da influência do poder político e a sujeição a critérios de legalidade, estrita objectividade e imparcialidade. E que por seu turno, a garantia efectiva destes critérios fundamentais de exercício impunha um determinado estatuto e uma determinada estrutura orgânica no Ministério Público, na exacta medida em que a vinculação à verdade e à justiça pode não passar de uma bela proclamação se não encontrar uma sólida base institucional".
Os autores citam outros autores, nacionais, como José Alberto dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Figueiredo Dias, Henrique Gaspar, Cunha Rodrigues, Dá Mesquita, entre outros e para além de referências a jurisprudência do tribunal constitucional; citam ainda estrangeiros como Roxin ( um importante penalista que chegou ao ponto de defender a total independência do MP, tal como os juizes) , LIberati, Olof Boll, etc.
Esta é a discussão a fazer, em primeiro lugar, para se obter um consenso mínimo para resolver a "crise da Justiça".
Que vemos nós em Portugal, por enquanto? Alguns filisteus que reclamam responsabilização do MP, sempre com o intuito de o submeter ao poder político, olvidando de caminho estas recomedações do mais chão senso comum: um MP enfeudado ao poder político não pode defender bem a causa do bem comum que a lei estabelece nem o princípio da igualdade de todos perante a lei.
Por outro lado, uns franco-atiradores, cujo líder tem assento no próprio cadeiral do Supremo Tribunal de Justiça e Conselho Superior da Magistratura. O seu actual presidente, Noronha do Nascimento defende a extinção deste modelo de Ministério Público e apresenta outra solução: juízes de instrução para fazerem a acção penal, reconduzindo os magistrados do MP à condição de funcionários administrativos.
Nem sequer pensa numa solução alternativa preconizada por Roxin ( que os conselheiros citam muito nos seus acórdãos penais): puxar a magistratura do MP para um estatuto de independência que os juízes já gozam - e bem- para garantia maior dos interesses dos cidadãos comuns.
Portanto, a discussão tem-se desenvolvido assim, de equívoco em equívoco.
Até quando?
6 comentários:
Era importante envolver a sociedade civil, utilizando uma linguagem "civil", comum, que fosse perceptível por todos, sobre as atribuições e competências do Ministério Público.
-O que faz?
-O que está destinado a fazer ?
-E que condições importa reunir para que faça tudo o que está destinado a realizar e a Ser...
Só quando a comunidade civil compreender que a necessidade de autonomia, de independência responde igualmente á satisfação das suas necessidades de Justiça, se mobilizará no sentido de se abrirem caminhos de mudança.
Aproveito , se me for permitido,para saudar os autores do presente estudo pelo trabalho realizado, cumprimentando em particular o senhor professor Rui Medeiros, meu companheiro de apreendizagem numa célebre turma D... aonde já o brilhante aluno fazia prever o perfil intelectual de excepção que faz a generosidade de neste estudo partilhar sobre tema tão inóspito...
Bem haja.
Ora bem! Começamos com o discurso de Maria algo que me parece muito positivo, muito construtivo e capaz de inverter o rumo das coisas.
A esmagadora maioria dos portugueses não sabe como funciona a Justiça que tem. Sendo a Justiça um dos pilares fundamentais de um regime democrático, como pode a democracia desenvolver-se e viver? Só com uma informação correcta e educando para a Justiça os seus cidadãos.
Ora, neste particular, não me parece que a comunidade judiciária tenha eito de grande monta. Não será tempo de alguém que saiba do assunto, que não se encontre enfeudado a interesses partidários ou de grupos secretos ou discretos, começar a explicar ao seu povo como funcionam as coisas? Vai sendo tempo! Aí tem um desafio, José!
onde se lê "eito", leia-se "feito"
Peço desculpa pela gralha!
E o que é que tenho feito aqui senão isso?
Aliás, este postal resume tudo o que penso do MP e da autonomia e o que a mesma significa, ao mesmo tempo que tento mostrar a razão de ser da divisão de poderes que é muito fácil de perceber.
Quanto aos aspectos particulares do funcionamento da Justiça, não me custava nada começara a enumerar, mas seria quase inútil e só contribuiria para o ruído ambiente.
Para entender a Justiça há vários vectores a seguir:
1. Conhecer as leis, quem as faz e a filosofia que têm. Julgo que nisso tenho feito um esforço para explicar.
2. Conhecer quem as aplica, o modo como o faz e ainda as condições em que são aplicadas e os meios ao dispor de quem o faz. Tenho escrito várias vezes sobre isso.
3. Relacionar os casos mediáticos com os demais, integrando os mesmos no sistema geral de Justiça que existe.
Quando acima referi os aspectos particulares da justiça, quero dizer os negativos. Também acho que os conheço todos e tenho várias razões de queixa que poderia enumerar, mas não o faço para não me tornar em agente de ruído.
Por outro lado, não me parece que a justiça esteja em crise. Puxemos pela memória e lembremo-nos onde começa esta crise da justiça?
Para não a esforçarem muito, digo-vos que foi com a eclosão do caso Casa Pia! A partir daí, temos um outro derivado, que é o dessa coisa chamada Paulo Pedroso que com a despronuncia constituiu um escãndalo nacional. A crise é essa. A descrença do português vulgaris de Lineu na justiça é essa: a crença de que a esmagadora maioria dos pronunciados no caso Casa Pia, sairá se não absolvida, pelo menos com penas muito leves. Esta crença generalizada chama a atenção de todos para a justiça e, à mais pequena falha, a Justiça sente os dentes aguçados da populaça. Sempre que há nomes sonantes em tribunal, as atenções da imprensa bem como os seus interesses, viram-se para a Justiça. Agora aguarda-se a sentença sobre a indeminização aquela coisa chamada Paulo Pedroso. Está meio mundo à espera da sentença e, seja ela qual for, a pressão vai aumentar... não fossem estas barracadas em que o poder judicial se mostra submisso ao poder político e até a morosidade da justiça seria vista como uma necessidade para a devida ponderação.
Enviar um comentário