O Expresso publica hoje uma sondagem que atribui ao PCP e ao PS um número de votos superior a 50%. Mais, o PCP atinge 13%, uma meta invejável e que o CDS nunca atingiu. Incrível.
Incrível? Vejamos...porque o tempo dá-nos pistas para a compreensão do fenómeno. Regressemos a 74 e ao PREC.
Nas primeiras eleições legislativas alargadas a vários partidos comunistas, realizadas em 25 de Abril de 1975, em pleno PREC, e das quais resultou o primeiro parlamento após o 25 de Abril, com funções constituintes, o resultado foi este:
Partido | Votos | Votos (%) | Assentos | Assentos (%) |
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---|---|---|---|---|---|
Partido Socialista | 2 162 972 | 116 | 46,4% | ||
Partido Popular Democrático | 1 507 282 | 81 | 32,4% | ||
Partido Comunista Português | 711 935 | 30 | 12% | ||
Centro Democrático Social | 434 879 | 16 | 6,4% | ||
Movimento Democrático Português | 236 318 | 5 | 2% | ||
Frente Socialista Popular | 66 307 | 0 | 0% | ||
Movimento de Esquerda Socialista | 58 248 | 0 | 0% | ||
União Democrática Popular | 44 877 | 1 | 0,4% | ||
FEC(m-l) | 33 185 | 0 | 0% | ||
Partido Popular Monárquico | 32 526 | 0 | 0% | ||
Partido de Unidade Popular | 13 138 | 0 | 0% | ||
Liga Comunista Internacionalista | 10 835 | 0 | 0% | ||
Associação para a Defesa dos Interesses de Macau | 1 622 | 1 | 0,4% | ||
Centro Democrático de Macau | 1 030 | 0 | 0% | ||
Totais | 5 315 154 | 250 | |||
Votos em Branco | 0 | 0% | |||
Votos Nulos | 396 765 | 6,95% | |||
Participação | 5 711 919 | 91,66% |
Mais coisa menos coisa, exactamente como agora...
E como é que a Esquerda portuguesa de então analisou o resultado das eleições? Assim, na Vida Mundial de 15 de Maio de 1975, a situação foi escalpelizada sob vários ângulos possíveis para acantonar a Esquerda a um projecto que se preparava desde o Outono do ano anterior: tornar Portugal um país comunista, mesmo à revelia dos países do Leste ( parece que a URSS não estava lá muito de acordo...) e em dessintonia com os demais países europeus. Uma aventura que o PCP evidentemente quis mesmo experimentar., tendo feito tudo para isso, menos o essencial: pegar em armas, associados a um MFA do "poder popular" e arriscar a Revolução sangrenta de uma guerra civil. Esteve quase e nesse Verão de 75 o ambiente era bem explicado por estas revistas onde pululavam esquerdistas comunistas como estes que assinam os artigos.
Em 24 de Maio, um dia antes das eleições a mesma revista publicava um artigo demasiado explícito das intenções da Esquerda comunista, prevendo a derrota eleitoral: "novo conceito de poder", "partido revolucionário", um "MFA civil", capitaneado por um Rosa Coutinho, por exemplo e o receio de que "o peso do resultado eleitoral, se chegar ao nível dos 30-35% para um único partido, poderá subir à cabeça dos seus dirigentes e determinar a exigência de uma maior representatividade política na vida nacional". Isto é tão claro que logo que o PS atingiu e ultrapassou essa fasquia, o problema agudizou-se com o caso República, surgido logo em Maio desse ano. O PCP demarcou-se do caso mas estava evidentemente na sombra e prontinho a aproveitar os resultados e a lamentar "os filhos devorados" pela Revolução...o jornal do PCP ( ML) contava a história, assim:
No número de 29 de Maio de 1975, já em plena efervescência do PREC ( e apesar daquele resultado eleitoral) um capitão Dinis de Almeida que se iria celebrizar dali a meses, dizia claramente: " quase todo o estado-maior é reaccionário". Ou seja, contrário à Revolução...
Mais claro que isto? Não pode haver.
E por isso em 7 de Agosto de 1975, a mesma revista, através de um Miguel Serras Pereira, escrevia que " não será recuando para o capitalismo privado que se evitará, com proveito e gosto o capitalismo de Estado." A solução estaria na "gestão operária, no poder popular, na democracia directa." Humm...o PCP não alinhava bem nisto, claro.
Mas alinhava noutra coisa. Cunhal, em Junho de 1975, tinha sido entrevistado por Oriana Falacci, para a revista L´Europeo, italiana, com a entrevista publicada no número 23 daquele ano, a 6 de Junho. E que dizia Cunhal de importante, para nós? Algo que desmentiu, claro está, mas que a jornalista assegurou ser verdade e colocou até à disposição de quem duvidava as cassetes gravadas da entrevista.
Como contava o Expresso no obituário à jornalista:
Oriana Fallaci entrevistou Álvaro Cunhal em 1975: os ecos do trabalho publicado pelo "Europeo", a 6 de Junho, obrigaram a Secção de Informação e Propaganda do PCP a emitir um categórico desmentido. De acordo com o "Europeo", Cunhal afirmou não haver possibilidade de Portugal ter uma democracia ou um parlamento ao estilo ocidental. A nota divulgada pelo PCP no mesmo dia referia ter havido uma "grosseira deturpação das palavras de Cunhal". Fallaci não só reiterou a "exactidão da tradução" da conversa com o secretário-geral do PCP como anunciou que colocaria as cassetes com a entrevista à disposição de quem duvidasse da sua palavra. Como afirmaria numa entrevista que concedeu a Álvaro Guerra para "A Luta", "não é de mim que têm medo, é da verdade".
Hoje, em Portugal, o PCP em sondagens terá mais de 13% de votos. Mais que em 1975...o que é de desconfiar. Ou as pessoas não sabem que o PCP é um fóssil ideológico que só nos traria desgraças inomináveis, o que em 1975 adivinharam bem; ou então, não percebo. Palavra que não percebo.
Alguém percebe?
Se não percebe é bom que passe a perceber que isto vai aquecer, como no Verão quente de 1975. Agora como farsa, com o Bernardino e a troika Avoila, Arménio e Jerónimo.
Nada que se pareça com um Cunhal que já não existe. Mas não temos um MRPP para lhes fazer frente pela esquerda e a dita direita está como dantes: a dormir se é que já não dorme o sono dos justos...
Este PCP e esta Esquerda afundaram-nos uma, duas vezes e querem completar o serviço. Estão no bom caminho.