quinta-feira, dezembro 22, 2016

O PSD e o PS querem funcionalizar os magistrados do Ministério Público...

Do DN de ontem:
 


Tirando o erro de se indicar que a lei de Organização do Sistema Judiciário procura "autorizar a transferência de procuradores entre comarcas", porque não é entre comarcas mas na mesma comarca, o resto explica o que se pretende com esta lei, em aprovação no Parlamento contra a proposta apresentada pelo próprio Governo: permitir que dentro de uma mesma comarca, quem lá mande hierarquicamente, seja o procurador-coordenador ou por via indirecta a hierarquia máxima do MºPº, tenha o poder de "deslocar" um magistrado do MºPº para um lugar que não escolheu aquando da colocação inicial e isso mesmo contra a sua vontade.
Até aqui, tal não era  assim e tal liberdade da hierarquia movimentar assim magistrados lesa a autonomia interna do MºPº que é uma prerrogativa que o próprio MºPº deveria lutar por preservar, uma vez que isso custou muita luta nos anos noventa e antes disso.
Agora, até a própria procuradora-geral da República votou a favor de uma alteração que nem o próprio Pinto Monteiro se atreveu a fazer ( o episódio da "rainha da Inglaterra" revela algo sobre isso...).

Claro que pelo PSD aparece o deputado Carlos Abreu Amorim que deveria saber mais, mas é isto que se vê...foge-lhe sempre o pé para aquela chinelinha já muito velhinha.

Assim é altura dos magistrados do MºPº se unirem e lutarem pelos direitos que afinal são dos cidadãos em geral e a própria hierarquia esqueceu...

Em 2007, num outro blog, escrevi isto sobre o assunto:

Do sítio da PGR, respigam-se estes elementos de esclarecimento:
Emblematicamente, a magistratura do Ministério Público define-se por três grandes princípios: o da responsabilidade, o da hierarquia e o da estabilidade.
A responsabilidade "consiste em os magistrados do Ministério Público responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem".
Contrariamente ao que, por vezes, aparece referido, a responsabilidade não corresponde a uma diferença específica entre a função do juiz e a do Ministério Público, havendo situações históricas (a certa altura, a legislação nacional foi exemplo disso) e sistemas de direito comparado (casos, nomeadamente, da Espanha e da Itália) em que o juiz está igualmente sujeito ao princípio da responsabilidade.
O que é então, a autonomia do MP?
É a vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes do Ministério Público às directivas, ordens e instruções" previstas na Lei Orgância do MP.
Por outro lado, se os juízes têm de ser independentes e imparciais, os magistrados do MP, serão isentos e objectivos.
A isenção traduz-se no dever de os magistrados do MP, promoverem e decidirem segundo uma ética de procedimento enformada pela lei e pelas normas profissionais que dela decorrem.
A objectividade traduz-se na obrigação de actuar sem uma perspectiva unilateral dos factos e do direito, devendo adoptar posições representativas da realidade que podem chegar ao ponto de alegar em benefício da defesa e investigar à charge e à décharge.
A hierarquia do MP, ao contrário do que alguns pretendem, não tem um significado de subordinação total e absoluta. Tem um sentido preciso ligado a necessidades impostas pela natureza das funções e por um objectivo de democratização da administração da justiça.
Exercendo funções de iniciativa e acção que, até por razões de celeridade, reclamam uma actuação unipessoal (os órgãos colegiais estão sujeitos a um processo mais moroso de formação da vontade), é necessário que haja mecanismos que, de forma preventiva ou a posteriori, acautelem a dispersão de procedimentos.
Por outro lado, é especialmente por intermédio do Ministério Público que se asseguram as finalidades de uniformização da jurisprudência e de igualdade dos cidadãos perante a lei e a justiça. Por via dos recursos (particularmente dos recursos para uniformizar jurisprudência e de constitucionalidade), o Ministério Público potencia a unidade do direito e a igualdade dos que recorrem aos tribunais.
Cabendo ao Ministério Público amplos poderes de iniciativa que cobrem praticamente todas as áreas da vida em sociedade, a ausência de hierarquia poderia significar a multiplicação de entendimentos e a colocação dos cidadãos numa situação de verdadeira desigualdade.
A hierarquia permite evitar ou resolver a fragmentação de procedimentos ou de correntes doutrinais no interior do Ministério Público e, ao uniformizar as iniciativas desta magistratura, previne e remedeia a divisão da jurisprudência.

Outra característica estrutural da magistratura do Ministério Público é a sua unidade e indivisibilidade. Tal significa que todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca, departamento ou serviço têm igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico.É este o sentido da hierarquia e não aquele que Vital Moreira, e outros, ardilosamente, lhe pretendem conferir.
Além disso, o MP beneficia também de um princípio da estabilidade. Tal significa que os magistrados do Ministério Público não podem ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados, demitidos ou, por qualquer forma, mudados de situação senão nos casos previstos naquela lei.
Esta garantia, consignada em favor dos magistrados do Ministério Público, e para benefício da isenção e objectividade que só podem garantir melhor os direitos dos cidadãos, tem um conteúdo semelhante à inamovibilidade reconhecida aos juízes. Aliás, são os próprios Gomes Canotilho e Vital Moreira, quem ensinam que a referida garantia constitui não só uma reserva de lei quanto às excepções à inamovibilidade ou estabilidade como também a exigência de uma justificação adequada para essas excepções.
O paralelismo dos magistrados do MP em relação aos juízes, estabelecido estatutariamente, tem um significado e alcance precisos:

É estabelecido segundo os vários escalões hierárquicos: o procurador-geral da República tem categoria, tratamento e honras iguais aos do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e usa o trajo profissional que compete aos juízes conselheiros; o vice-procurador-geral da República tem categoria, tratamento e honras iguais aos dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça e usa o trajo profissional que a estes compete; os procuradores-gerais adjuntos têm categoria, tratamento e honras iguais aos dos juízes de Relação e usam o mesmo trajo profissional; os procuradores da República e os delegados do procurador da República têm categoria, tratamento e honras iguais aos dos juízes dos tribunais junto dos quais exercem funções e usam o trajo profissional que a estes compete. “


Entretanto, os juízes mexem-se um bocadinho, mas estão preocupados com a sua eira, como é natural.
Os juízes deveriam entender que a magistratura do MºPº não é inimiga da dos juízes e se não participa do órgão de soberania "Tribunais" também não anda longe do mesmo e contribui decisivamente para a aplicação da Justiça em nome do Povo. Os juízes, em crime, só julgam o que o MºPº lhes apresenta para julgar...

 Observador:

Os juízes enviaram a Marcelo Rebelo de Sousa um alerta contra as alterações ao funcionamento dos tribunais, aprovadas no Parlamento, e que no seu entender colocam em causa a sua independência e são até inconstitucionais. A exposição, noticiada pelo jornal Público, conta com a assinatura de 429 magistrados, num universo de 1.700 a nível nacional.

Os juízes promotores do aviso, feito esta semana, alertam para o risco de instrumentalização da classe pelo poder político e por outros magistrados que exerçam cargos de chefia no sistema judicial. E consideram que lei de Ministério da Justiça, liderado por Francisca van Dunem — ela própria uma procuradora –, representa “um instrumento de violento agravamento discricionário e casuístico da situação do juiz”.

Um dos aspectos mais atacados nas novas regras passa pela possibilidade de terem de trabalhar em vários tribunais, em simultâneo, sem receber uma remuneração adicional, o que para os juízes “fere um notável número de preceitos da Constituição”. A transferência dos magistrados entre tribunais é outra matéria alvo de contestação, na medida em que trata os juízes como “funcionários indiferenciados”, sujeitos e um regime de mobilidade.

Questuber! Mais um escândalo!