A revista Sábado desta semana teve a ideia de entrevistar meia dúzia de "sumidades" no nosso establishment para inquirir sobre o que pensam do passado presente e futuro.
Quatro dessas personalidades resumem-se aqui no que disseram: nada de substancial e algumas ideias peregrinas, sem originalidade ou requentadas de tanto ferverem em água morna ao longo das décadas.
A afirmação mais lúcida e trágica pertence a Freitas do Amaral:
Que éramos atrasados há 40 anos, estão fartos de no-lo dizer os próceres que herdaram o pesado fardo do fassismo ou da "ditadura de direita", como este Freitas agora classifica o regime de que foi "devoto fervoroso" ( apud Marcello Caetano).
E que fizeram dessa herança pesada, para além de lhe aliviarem em várias toneladas o ouro que estava guardado como precaução e garantia de solvabilidade do país? Malbarataram quase tudo e estão muito contentes porque afinal o desiderato principal era...a democracia, ou seja a Liberdade, em modo absoluto e que faltava dantes em quantidade suficiente para o gosto actual daqueles.
Mas liberdade de quê, afinal? De dizer mal do regime do Estado Novo? De termos partidos políticos marxistas-leninistas que apenas pretendem revolucionar o regime e implantar um que lhes seja próprio e avesso à mesma Liberdade, em modo incomparavelmente mais radical do que o anterior? Que sentido faz isto? Liberdade de termos duas ou três centrais de informação que só passam notícias correctas para o regime? Que diferença substancial fazem da censura prévia, tirando aquele aspecto da propaganda proibida ao marxismo-leninismo?
De caminho, em prol dessa Liberdade, mantivemos o rumo da pobreza, como o próprio reconhece e parece que afinal o culpado terá sido a "Europa", a "troika" e o Passos. Deles e do respectivo papel como governantes ou assimilados é que nada de nada. Estão inocentes de tal malfeitoria. É este o pensamento político actual do Freitas do Amaral que estava sempre "rigorosamente ao centro" e virou à esquerda para não se enganar de percurso, este devoto fervoroso de Salazar...que agora acha adequado "investigar porque somos o segundo país mais atrasado da Europa". Por mim não sou capaz de lhe dar resposta cabal mas adianto já que aqueles governos de Sócrates em que participou e elogiou são bem capazes de ter contribuído com dezenas de milhar de milhões de euros para essa pobreza sistémica.
Depois temos o velho Adriano Moreira, antigo ministro de Salazar, das "Colónias", que se afastou do regime e se integrou plenamente na nova senhora, aproveitando o sistema e legando uma filha que é uma nódoa política.
Que diz Moreira, em balanço de vida? Que temos de nos concentrar em "três factores: a estratégia do saber, da segurança e da política internacional". Ele lá saberá dizer melhor mas parece-me pouco como futuro. "Estratégia do saber" com o ensino primário e secundário que temos?! É utopia.
Outra figura emblemática para aqui chamada é Ramalho Eanes, o presidente da República que Sá Carneiro queria afastar em 1980 para se livrar do espectro do MFA que durou até muitos anos mais tarde.
Ramalho Eanes identifica os factores de crise nacional com o nosso endividamento externo, público e privado. 400 mil milhões de euros, no total. Impagáveis, segundo o mesmo. Sério? E como pagamos em 1930 e anos seguintes, com Salazar?
Finalmente, um operacional da Marinha, o Almirante Nuno Vieira Matias. Tudo se resolveria com atenção a detalhes...como este, das marinas avulsas:
Diz que em 2003 não havia estudos estatísticos sobre o mar...o que é estranho para um país virado ao mar e com uma indústria que até à entrada na CEE tinha algum relevo e know how. Almirante Tenreiro, esse fassista, devia saber melhor...
Enfim, há mais duas figuras, decorativas, neste panorama: o pretendente ao trono de Portugal, D. Duarte de Bragança, uma alma pacífica e ainda o cardeal-patriarca de Lisboa que cura das almas e pouco mais. Em 1969 foi a Paris estrear um "Mini" e ficou embasbacado. Até hoje.
Um dos entrevistadores é Bernardo Theotónio-Pereira, descendente indirecto de um antigo governante de Salazar, pelo lado paterno, Pedro Teotónio Pereira ( estas coisas dos hh nos nomes têm dias...).
A figura de Teotónio Pereira é emblemática, a vários títulos, do salazarismo.
Em 21.9.1968 em pleno período de transição de Salazar, gravemente enfermo, para Marcello Caetano, ficou assim documentado no Século Ilustrado, com os mais lídimos representantes do tal fassismo ( o repórter disfarçado de cavanhaque só pode ser um intrépido antifassista).
E em 31 de Julho de 1970 logo após a morte daquele estadista português, o maior de sempre da nossa História contemporânea, aparece um perfil do mesmo Teotónio na Vida Mundial:
Cá por mim, o dito Bernardo que nasceu há ainda poucos anos ( é apenas trintão, mas é formado em Direito, ensina algures e já tem filhos) aprenderia mais sobre Portugal estudando o que o antepassado recente fez, até mesmo em Londres como embaixador durante a II Guerra Mundial, do que com estes sábios de meia tijela que afinal são dignos representantes da nossa miséria actual e que nunca compreenderão como nos tirar da mesma...porque foram precisamente eles e os seus parceiros políticos quem a ela nos conduziu.
Eles são parte importante do problema e nunca encontrariam a solução.Perguntar-lhes o que deveria fazer-se no futuro é chover no molhado.