domingo, julho 24, 2022

O que era bom antigamente: cartoons e quadradinhos em jornais voadores.

Há 50 anos os jornais diários traziam normalmente cartoons ( expressão estrangeira, à falta de melhor que seja nacional) e umas tirinhas e quadradinhos desenhados, para ornamentar algumas páginas, por vezes a cores. 

Geralmente tais ilustrações eram de proveniência anglo-saxónica com predomínio americano, vindos das agências de distribuição de tais ilustrações. 

Ao coligir alguns exemplares dessas ilustrações deparei com escassa variedade e limitada a poucos artistas, embora em qualidade e quantidade muito superior à que os jornais da actualidade usam para o mesmo efeito. Hoje em dia, por cá,  não se valoriza essa forma de expressão artística de modo que os jornais principais não têm caricaturistas ou ilustradores a sério, para além de um André Carrilho e um Nuno Saraiva, por sinal os dois a trabalhar no Expresso.

Nos jornais do norte, no Jornal de Notícias, O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro a oferta mais ampla era a do último, com um suplemento dominical bem recheado e com destaque para o Príncipe Valente, já aqui mostrado.

Em 1970, o Comércio do Porto, praticamente limitava-se ao O Maravilhas, aqui na edição de 28.7.1970, com desenhos rudimentares e humor adequado ao espírito da época. Hoje em dia um cartoon deste tipo seria censurado. Na redacção ou fora dela.

O Primeiro de Janeiro, para além do suplemento dominical também trazia outras ilustrações a ornamentar as edições, aqui na de 28 de Julho de 1970, uma terça-feira.



O Jornal de Notícias era o que melhor vinha equipado neste aspecto. Desde os anos sessenta que publicava a série do Agente Secreto X-9, tal como aqui se mostra na edição de 13 de Outubro de 1961 e ainda na altura em que a série era assinada por um dos desenhadores que substituiram o original, Alex Raymond. No caso, Bob Lewis que a desenhou antes de Al Williamson, o grande desenhador da série.


Em 28 de Julho de 1970, o mesmo jornal acrescentada outra série, Dr. Kildare. E o agente Corrigan já era desenhado por Al Williamson:


Este jornal tinha outros desenhos e desenhadores, particularmente um Miranda cuja identidade nunca conheci e que apresentava assim a página semanal, humorística, aqui na edição de 27.10.1973. Confesso que nunca fio grande adepto do estilo de desenho de Miranda mas reconheço talento ao mesmo:


Além disso o JN tinha outra série de grande sucesso e que tinha o singelo título de...Lola, de origem espanhola ( Isigo). A Lola era tira diária e sempre na mesma temática, que hoje seria igualmente censurada, por machismo e outros ismos:

Edição de 20.5.1969, com os desenhos de Corrigan já de Al Williamson:


Edição de 21.5.1969, Domingo:


Em Lisboa os jornais eram um pouco mais ecléticos e sindicados aos desenhos americanos. 

A Capital destacava-se neste aspecto com a publicação de algumas séries em tirinhas, como as do JN.
Há 50 anos o jornal tinha uma pequena vinheta na capa com episódios exemplificativos do que era o...Amor. O Amor é...e com um parzinho feito adão e eva de circunstância, desenhado rudimentarmente,  lá explicava coisas simples e singelas sobre o mistério em causa. Muito sucesso nesta série! Aqui a edição de 5.6.1972:


A série Modesty Blaise, um primor gráfico a preto e branco, desenhado por Peter O´Donnel, de proveniência britânica, era uma pequena maravilha no desenho e temática policial ao estilo jamesbond, no feminino:

Num dos suplementos semanais aparecia uma série numa página completa, aqui na edição de 14 de Maio de 1972 e neste caso Li´L Abner, de Al Capp mas havia outros como Terry ou Dick Tracy de Chester Gould. Tudo americano.



Em 29 de Julho de 1972 aparecia esta série de origem portuguesa, assinada por José Ruy e Paulo Madeira. Fraquita na estética, mas era o que havia em produção nacional. 


Mais tarde, em 16.12.1973 mostrava-se uma tentativa de imitação da banda desenhada de ficção científica, "para adultos", como se preparava lá fora, em França.


Na mesma edição o jornal ampliava a oferta de tirinhas, com várias séries americanas:


E incluía um cartoon brasileiro, "o amigo da onça", com várias declinações sobre o mesmo tema- o solícito oblíquo- nas edições do jornal. 

Na mesma edição mais oferta de quadradinhos de séries anglo-saxónicas de prestígio e muito bem desenhadas a preto e branco. Como bónus algumas cartas de leitores que dizem mais sobre esse tempo do que a propaganda política habitual:


E num ou noutro número uma surpresa, como esta em 24 de Abril de 1973, com uma ilustração do grande Fernando Bento, a encimar a vinheta de uma série típica americana ( o feiticeiro de id). Como bónus a crónica de António Alçada Baptista que retrata o Portugal rodoviário da época nas suas distâncias e tempos de espera e o problema intemporal das férias e suas particularidades:


O Diário de Lisboa também trazia o seu óbulo para esta festa dos desenhos de jornais voadores. Em 8 de Outubro de 1972 mostrava que também se interessava por esta arte, com tirinhas americanas ( num jornal esquerdista e pró-comunista...).


Com repetição no dia 16 de Outubro de 1972: 


O DL na época tinha especial apreço pelos Peanuts de Schulz, como mostra esta edição a cores no suplemento dominical de 2 de Dezembro de 1973:


Quanto ao Diário Popular também por lá apareciam cartoons e alguns de portugueses, como José de Lemos que era o ilustrador do jornal nessa época, aqui em mostras de 31 de Outubro de 1970:


Com uma última página dedicada ao humor ilustrado no estrangeiro:



E uma página frequente em que se mostrava em desenho o que poderia ter acontecido de trágico na vida real, na séria "o fotógrafo não estava lá". 


Semanalmente, noutro suplemento apareciam na última página as aventuras suaves de um casal da classe média americana, assim retratado por Chic Young em 27 de Junho de 1972.  Não sei porquê, esta série dava-me uma sensação de tranquilidade inusitada. 


 O jornal costumava também passar algumas obras de literatura clássica ilustradas para se irem lendo ao longo das edições. Em 27 de Junho de 1972 a série era de um romance de Walter Scott, a qual aliás me conduziu a ler alguns dos seus livros de aventuras cavaleirescas.


Os cartoons também vinham do estrangeiro em páginas como esta:


E também havia outras ilustrações sobre figuras da época, no caso, Eddy Merckx o herói do ciclismo belga, em 26 de Junho de 1973:

E também havia o Batman em tirinhas:


E as aventuras de Rufino eram um must neste género de tirinhas que fixavam a atenção para os anos a seguir. Rufino é nome de Diário Popular...


Estas edições eram ilustradas com desenhos produzidos lá fora, geralmente dos EUA, num tempo em que os jornais se atiravam em voo livre para varandas ou, no caso dos americanos, para alpendres e pátios relvados, tal como mostra esta imagem fantástica da revista National Lampoon de Setembro de 1975. Os jornais podem ser explosivos e por cá ajudaram à explosão do golpe de 25 de Abril de 1974...



ADITAMENTO:

Como lembrou um comentador, ficou por mencionar a personagem Zé do Boné, publicada em tirinhas quadriculadas, no Primeiro de Janeiro desde os anos sessenta. 

Tal como se mostra nesta imagem da edição de 6 de Março de 1969:


Este Zé do Boné era o Andy Capp original do desenhador Reg Smythe e que julgo ter visto pela primeira vez em forma original, numa edição da revista francesa, em Agosto de 1974


A série também era publicada na Itália e noutros países. Aqui na edição de 1 de Agosto de 1971 da revista Eureka, italiana:




A popularidade da série conferiu-lhe o direito de extensão ao celebrado treinador de futebol, José Pedroto que em data incerta e por autor desconhecido,  ficou conhecido igualmente por Zé do boné, por motivos óbvios como aqui se mostram, na edição de 26 de Março de 1971:


A história da série no Primeiro de Janeiro e do autor Andy Capp, está aqui contada de modo interessante. Ou aqui, com perfume brasileiro.

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