quarta-feira, março 13, 2024

A ocasionalidade do sindicalismo de juízes

 O actual presidente da ASJP, juiz desembargador, Manuel Soares, assina hoje um artigo no Público, onde tem lugar cativo, assentando ideias sumárias e básicas sobre o sindicalismo judiciário, mormente judicial. Nada a dizer contra tais ideias porque o associativismo sindical de profissionais que dependem de outros poderes do Estado para se regerem economicamente, torna-os dependentes de uma entidade patronal e justificam por isso uma sindicalização num órgão que os represente para lidar com tal poder que define e determina os seus estatutos, mormente remuneratórios e profissionais. 

Os juízes são independentes na sua função de julgamento mas são inteiramente dependentes do poder político-executivo na sua profissão, enquanto tal e como assalariados do Estado. Daí a ausência de contradição entre o exercício independente de um poder do Estado e a submissão a outro poder do Estado que justifica o associativismo sindical para reivindicar direitos e regalias e defender interesses profissionais como qualquer trabalhador.

Porém, vai um pouco mais longe quando estende as considerações acerca do associativismo separando-o do sindicalismo como se fosse cindível e afinal pudesse subsistir enquanto tal. Uma associação de juízes enquanto tal para permitir aos associados discutirem assuntos diversos e de interesse comum, para além dos socio-profissionais,  pode ser algo admissível, mas...em juízes, titulares do tal poder de soberania, o que sobrará para tal exercício, para além desse poder?

É nessa margem de equivocidade que navega o presidente da ASJP neste artigo, evidenciando uma coisa para relevar e justificar a outra de modo desproporcionado:


O que diz o estatuto da associação em causa quanto ao seu objecto? Isto:


A "promoção da dignidade do poder judicial" é um oxímoro que não carece de justificação para se evidenciar como carente de poder justificativo para o exercício habitual de escrita sobre assuntos tão diversos como a guerra ou a paz ou a organização social ou mesmo dos tribunais, tirando a parte sindical. 
A defesa da independência dos juízes, nesse contexto é outro. A independência está assegurada constitucionalmente e se for atacada deve ser defendida por todos os poderes e cidadãos, não sendo particular incumbência de uma associação e muito menos sindicalizada. A independência dos juízes não existe para defesa ou como prerrogativa dos juízes mas sim para defesa dos cidadãos perante os demais poderes. Incumbe a todos a atenção a tal aspecto social e político. E portanto também a uma associação, seja ela qual for. Se for a dos juízes entra naquele campo de equivocidade o que se torna algo deletério a partir do momento em que se revele idiossincrático, ou seja, separado de outros poderes e atinente apenas a interesses profissionais dos juízes, uma vez que pode revelar apenas mais um corporativismo, separado do interesse geral que o poderia justificar. 

A afirmação de defesa de direitos humanos e outros direitos entra no mesmo campo lato da defesa de interesses dos cidadãos, extensível a todos e a todas, como se poderia dizer. Permitir por aqui o comentário sobre tudo e um par de botas é estender a liberdade de expressão para tudo e um par de botas a uma associação predominantemente sindical. Não me parece razoável se o porta-voz tiver tendência para a loquacidade e para se mostrar disponível para todas as entrevistas e fotos a condizer. Pode ser apenas um exercício de mera vaidade pessoal, sem que o próprio o note. 

A menção à veiculação de posição dos juízes sobre todos os aspectos relevantes para a defesa da justiça, da sua imagem, prestígio e dignidade é o caldeirão que aceita todas as botas plausíveis, só que se refere a "todos os juízes" representados na associação. Daí que nunca poderá ser a veiculação de uma posição pessoalizada seja em quem for da associação mas deve ser de "todos" e para se saber se é de todos é necessário...saber se é de todos. E não apenas de um ou alguns. 

Assim não me parece e nunca me pareceu aceitável que o actual presidente da ASJP andasse a fazer campanha política ( porque é disso que se trata quanto se tenta mudar uma lei democrática)  para modificar estruturas judiciárias, como no caso concreto foi o TCIC ( mas há outros) com base no seu estatuto de profissional e presidente de uma associação de juízes. Principalmente com base em justificações pouco sólidas ou mesmo coerentes, como se veio a verificar no caso concreto e de algum modo incompreensíveis. 
Afinal é o próprio órgão de gestão dos juízes quem já pondera alterar o que modificou a propósito do funcionamento de tal tribunal, aqui dado como um mero exemplo. 
Nunca vi os juízes em geral e muito menos os associados, consultados a propósito de tal assunto. E portanto, a posição que o mesmo exprimiu algumas vezes de modo inefavelmente deselegante, foi...individual, na veste de juiz sindicalista que entende os seus poderes de modo muito lato e abrangendo o que a meu ver não deveria abranger. 

É só isto. 
E foi por isto que surgiram caricaturas porque...ridendo castigat mores. 

Quanto ao "ocaso" nem se entende  porque o escreve. Afinal, a meu ver, o presidente da ASJP sempre escreveu na pele de figura individual, veiculando opiniões pessoais e sem sindicalismo atrelado de espécie alguma. A ASJP foi um belo palco, lá isso foi...
Para tal exercício, pode continuar, renascendo. Ou melhor, acordando, mesmo na versão semiótica da actualidade. E desta vez de modo mais claro e inequívoco o que é ainda mais salutar. 

Sem comentários:

25 de Abril: a alegria desolada