terça-feira, março 19, 2024

Manuel Soares: a prova dos nove da mistificação

 O juiz Manuel Soares, na pele de cidadão meramente opinador porque já deu o lugar de sindicalista a outro, deu mais uma mostra do seu idiossincratismo singular. 

Assim, na edição comemorativa dos 45 anos do Correio da Manhã, a escrever sobre o que faz falta na justiça e pretende fazer uma prova dos nove, recuando ao "antigamente":


Vamos então ao "antigamente" que pelos vistos é uma antiguidade arqueológica para quem tem 60 anos e se presta a mistificações. 

Escreve o actual juiz, na veste de opinador que  "antes de Abril de 1974, os juízes começavam assim" e transcreve este texto do Decreto-Lei 27 003 de 14.9.1936:


Antes do mais, 1936, pois então. Antes da guerra e em plena Front Populaire que evidentemente tem algo a ver com o assunto. Por outro lado, o repúdio do comunismo como declaração de honra de funcionários públicos em países europeus, e por esse mundo fora, sem o labéu de fassistas, terá também que se investigar, mormente em países democráticos, onde o Partido Comunista foi proibido. E por exemplo, nos EUA em 1954 e noutros lugares deste mundo. 

Não era uma particularidade do fassismo português mas nem é isso que interessa aqui, para denotar a mistificação. 

A verdade é que a Constituição de 1933 tinha uma ordem social como a actual também tem, sendo a originária aprovada em 1976. E dizia assim, o que a anterior nem se atrevia a dizer a propósito do mesmo assunto: 


Portugal era constitucionalmente um estado democrático empenhado na sua transformação numa sociedade sem classes e a caminho do socialismo. 

Não poderia haver maior clareza na definição do que se entendia ser o destino comunista de Portugal, em 1976: marxismo, socialismo e sociedade sem classes. Há dúvidas quanto a isto? 

Seja como for, o PCP teve uma votação relativamente inexpressiva em 1975 e continuou a tê-la nas eleições seguintes, acabando agora como mais um partido de táxi, como aliás sempre deveria ter sido na minha modesta opinião que aliás é sufragada pelas instâncias europeias que acabaram por considerar o comunismo como o irmão gémeo do fascismo e nazismo. 

Isto que era claro para Salazar nos anos 30 e 40 deixou de ser para os nascituros da democracia que nunca viram o carácter radical e profundamente anti-democrático do comunismo. Continuam a achar que sim, que é um partido como os outros, essencial à democracia e que o inimigo da mesma é a "extrema-direita" que já nem existe nos termos e moldes do tempo do Front Populaire. Enfim, um problema cultural, grave e que me parece de simples iliteracia político-ideológica de quem se deixou lavar pela televisão e leituras leves, por não haver tempo para mais. 

Seja como for, a declaração de honra acima referida foi abolida ainda no tempo da Constituição de 1933 e já durante o governo de Marcello Caetano. Portanto o que escreve o inefável juiz na pele de cidadão opinador é uma mera mistificação que só o deslustra pela desilustração que revela e enviesamento político assinalado. Deve ser dos que acha horrível e criminoso defender Salazar ou o Estado Novo...preferindo defender o comunismo porque esse, sim, é defensável!

Ao contrário da declaração solene da Constituição portuguesa de 1976, para todos os efeitos um princípio estabelecido, a declaração política que derivava da lei ordinária de 1936 deixou de fazer sentido ao longo das décadas, continuando como letra morta. O partido comunista era proibido porque era "subversivo" e pretendia alterar o regime pela violência de aras e afins, tal como hoje se proíbem organizaões fascistas, seja isso o que for, porque não está legalmente definido. Hoje não há repressão como "antigamente"? Não, os tempos são outros e por isso há apenas a ostracização social e política, com perda de emprego ou de lugar em sociedade, para os que podem ser considerados fascistas ou mesmo a prisão para os que se não arrependam e sejam activamente subversivos, mesmo por palavras. Está na lei democrática. 

Não obstante em 1969 surgiu o Decreto-Lei 49397 de 24.11.1969 que não alterou a Constituição e apenas modificou regras administrativas da função pública e outras, abolindo aquela declaração obrigatória.  Escrever "antes de 1969", como deveria,  não é o mesmo que escrever "antes de Abril de 1974", com tudo o que isso implica e no contexto aludido:






Não foi só a declaração de 1936 que foi abolida mas também a de 1901 que obrigava a declaração de honra sobre pertença a associações secretas como a Maçonaria e impediria em princípio e ipso facto tais funções a quem dela fizesse parte. 

Ora é sabido como alguns ministros de Salazar poderia pertencer a tal confraria...e nem isso impediu a função pública dos mesmos. Como Albino dos Reis ou Bissaia Barreto, um grande amigo de Salazar. 

Assim, a mistificação evidente decorre de um escrito que contêm outras mais, ao comparar e descontextualizar o sistema de justiça do antigamente com o actual. 

Melhor seria ler o advogado e professor José António Barreiros para entender subtilezas que uma harmónica desafinada nunca entenderá, preferindo ver a branco e preto o que tem várias tonalidades cromáticas que aquele, mesmo sendo de esquerda sabe assinalar. 

Como juiz, esta idiossincrasia não augura nade bom para os justiciáveis sob alçada do dito. 

Mais uma vez, só assim, ridendo castigat mores...



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