Republico um postal de 22 de Maio de 2022 sobre Fausto cuja notícia de falecimento li agora.
Fausto, para mim, foi o cantor de Ó pastor que choras, ouvido já alguns anos depois de ter ouvido o disco de 1974, um panfleto revolucionário com uma música deliciosa, intitulado Pró que der e vier e principalmente Rosalinda ( se tu fores ver o mar), uma canção ecológica dos anos setenta do LP Madrugada dos Trapeiros de 1977. E de muitas outras dos lp´s dos anos setenta, particularmente.
Republico o postal porque provavelmente ninguém vai mencionar estes discos esquecidos que aqui ficam lembrados...
Fausto, o autor-cantor e artista da música popular portuguesa que publicou vários discos de música de protesto e de intervenção durante as décadas que se seguiram a 1970, tem o seu primeiro disco, em formato LP, completamente esquecido e para muitos totalmente desconhecido.
O disco é este e saiu na primeira metade do ano de 1970, tendo sido publicado na Holanda ( terra da Philips). Até hoje nunca foi reeditado, seja em que formato for e por isso é uma perfeita raridade discográfica. Aliás, nunca vi sequer em publicações portuguesas da época imagem da capa ou publicidade ao mesmo.
Até há pouco tempo, só um ou outro blog tinham fotos da capa do disco e sempre em resolução fraca que nem sequer dava para observar em pormenor os detalhes das cores vivas, do vermelho-verde e as indicações da contra-capa.
No Discogs, no dia de hoje, há dois exemplares disponíveis para venda, qualquer um com preço acima das duas centenas de euros:
Para mim é sem dúvida um dos grandes discos da música popular portuguesa, dos anos setenta e de sempre. É um disco algo melancólico, como o primeiro de Jackson Browne, para ir um bocado longe, mas de uma beleza segura e intemporal.
É uma pena que esteja assim esquecido, porque tem pelo menos duas canções que merecem figurar entre as melhores de sempre, na música popular portuguesa: Chora, Amigo, Chora e Ó Pastor que choras. E tem o tema Denúncia involuntária da atracção, da autora de A. Pinho/L. Linhares, os responsáveis pela Filarmónica Fraude e no caso de A. Pinho, também da Banda do Casaco.
O tema Ó Pastor que choras, juntamente com África, foram aliás publicados em single, no ano de 1970, em "mono", o que destoa da versão em lp que é em "stereo":
Quanto ao som destes temas, na versão em Lp e single, as diferenças são notórias, devido ao registo mono/stereo, com vantagem para a versão em LP, mais definido e espacial, talvez resultante da prensagem ser estrangeira, no caso holandesa ( a matriz impressa no disco, no lado 1, tem a referência AA 6330 001 1 Y 1 P 1970). Melhor, em suma, se bem que o tema África tenha a mesma percussão bem batida e arejada, em mono e prensagem nacional, no single.
O som do LP é excelente, segundo o meu critério com exigência qb. Bem gravado e produzido de modo satisfatório e com audição sonora muito agradável, nada ficando atrás dos melhores discos da Island, da mesma altura ( Jethro Tull, de Stand Up, por exemplo), com aquele "ar" de som que paira no estúdio e é transportado para o suporte em vinil, particularmente nas percussões, o que o cd ou gravações digitais mesmo em alta resolução ( DVD-Audio ou SACD) não conseguem transmitir do mesmo modo.
Para além desta versão de dois temas do Lp, em Março de 1970 ainda foi publicada no LP "
Disco Comemorativo da Inauguração do Novo Edifício Philips" ( Nas Amoreiras, onde ainda funciona nos dias de hoje) o tema "
Chora, Amigo Chora". Porém, esta versão não é a do primeiro LP; é sim a do
primeiro EP de Fausto, do ano anterior, ainda incipiente. É uma versão em balada, menos ritmada do que a do LP, que tem percussão em barda para animar o tema choroso.
É muito difícil encontrar informação sobre a música de Fausto desse tempo, não havendo registos que sejam do meu conhecimento, impressos em jornais ou revistas da época que dêem conta da saída do primeiro LP.
Apenas do single, na revista Mundo Moderno de 1 de Maio de 1970:
E a Mundo da Canção de Junho e Julho de 1970 publicou as letras do single, nunca tendo feito nesse ano ( e seguintes) menção a esse primeiro Lp ou sequer ao seu autor, Fausto, o que é no mínimo estranho.
Dá a impressão que a música de Fausto, com aquelas excepções, foi simplesmente "cancelada", omitida, censurada na imprensa portuguesa da época.
Tal mistério nunca foi devidamente esclarecido e há uns tempos a apresentadora de tv, Fátima Campos Ferreira entrevistou Fausto
na primeira pessoa e organizou um programa televisivo sobre a vida do mesmo, no qual este refere ter sido censurado, atribuindo ao "lápis azul" tal responsabilidade.
Falta saber é a quem pertencia tal lápis azul ( ver desde os minutos 14 a 17) . Ou vermelho...porque diz que a Antena Um é que lhe ofereceu esse primeiro disco, com riscos azuis.
Aliás, a intelectualidade jovem da época que produzia o Em Órbita e os que o escutavam l
igaram nada de nada ao disco. Em 1967 tinham escolhido o disco
A Lenda d´El rei d. Sebastião do Quarteto 1111 como algo importante e fundamental na música popular portuguesa. Três anos depois, este disco mereceu-lhes...nenhuma referência. Zero.
De resto, na internet,
há quem tenha escrito sobre Fausto, mas são poucos e parca é a informação. Sobre este primeiro disco quase nada...
Assim, resta dizer que este primeiro disco de Fausto, de longa duração, é efectivamente um grande disco e que ouvido em vinil revela toda a sua beleza intrínseca, inclusivé sonora e própria do vinil.
Quem quiser ouvir um sucedânio pode sempre procurar no You Tube porque há
pelo menos um aficionado que se deu ao trabalho de transpor o som do vinil para a resolução ( baixa) do digital do youtube. Mas a procura de todos os temas carece de trabalho de pesquisa aturada.
Vale a pena, no entanto.
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