terça-feira, julho 02, 2024

Os obituários de Fausto nos jornais

 A notícia da morte de Fausto ocorreu ontem e os jornais tiveram todo o tempo para coligir elementos para o obituário da praxe. Percorrendo as folhas dos principais diários temos um ponto comum, na memória de um disco de 1982 sobre as viagens marítimas dos portugueses nos séculos XV e XVI, Por este rio acima. Os demais discos ou nem são referidos ou são-no em nota fugidia.

Não há falta de informação sobre a obra musical de Fausto disponível à mercê de alguns clicks na internet. No entanto, parafraseando Frank Zappa, a informação não é conhecimento; conhecimento não é sabedoria; sabedoria não é verdade. Verdade não é beleza e Beleza não é amor. Amor não é música. Música é o melhor que há.  ( Information is not knowledge. Knowledge is not wisdom. Wisdom is not truth. Truth is not beauty. Beauty is not love. Love is not music. Music is the best.”).

A música de Fausto não se resume ao disco  do rio acima nem a meu ver esse será o melhor de Fausto porque muito previsível e repetitivo, musicalmente. Prefiro outros, dos anos setenta, mesmo os panfletários. 

O primeiro disco de 1970 já mostrado no postal anterior, não precisa de mais acrescentos do que os que lá estão. 

O disco de 1974, Pró que der e  vier começa com um som de harmónica baixo e continua com o Daqui desta Lisboa, com  letra de Alexandre O´Neill e vozes de Adriano Correia de Oliveira e Zeca Afonso, para além de Fausto e uma instrumentação já um pouco mais elaborada relativamente ao primeiro disco de 1970. 

O disco foi editado por Arnaldo Trindade e gravado em Madrid, nos estúdios Kírios, "até 17 de Abril de 1974". Três temas, os mais panfletários- Venha cá senhor buguês, Marcolino e O patrão e nós- foram já gravados em Outubro de 1974 nos estúdios Polisom.

O tema Carta de Paris é uma reprise do som do primeiro lp e até ficava bem nesse primeiro disco, pelos vistos renegado pelo artista ao ponto de nunca ter sido reeditado. O tema seguinte, Não canto porque sonho com letra de Eugénio de Andrade e voz de José Afonso a acompanhar, poderia figurar num disco posterior dos anos oitenta. 

Pró que der e vier ( com um som de Moog tocado por Vitorino), Marcolino ( com guitarra eléctrica de Júlio Pereira e uma sonoridade zappiana que o rio acima nem perscruta alguma vez)  e Daqui desta Lisboa são dos temas que o programa Página Um do Rádio Renascença passava muitas vezes nos primeiros meses de 1975, até à interrupção do programa em Fevereiro desse ano por causa do...Prec. O tema o Homem e a Burla parece...Paul Simon de 1972, com a harmónica baixo.

O segundo disco da década, de 1975, Um Beco com saída, editado pela Orfeu, ainda mais panfletário do que essoutro. O tema Queremos ver tudo diferente não mascara as palavras na frase final: "viva a Revolução Popular". O tema Final que afinal tem uma Introdução ...e coragem, logo no primeiro temavale o disco e nenhum tema do rio acima se equivale.

O disco de 1977, Madrugada dos Trapeiros, tem pelo menos quatro temas de antologia. Atrás dos tempos, Se tu fores ver o mar ( Rosalinda),  Uns vão bem outros mal, do lado um. Mariana das sete saias, do lado dois. Nenhum dos temas do rio acima os supera mas apenas repete.

O disco de 1979, Histórias de Viageiros, começa aliás com um tema da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, continuado no tema A Nau Catrineta, esta do Cancioneiro de Garret. O tema Roupa Velha é um hit e a balada Eu tenho um fraquinho por ti é insuperável. 

Depois desses nem me apetece cronicar o Por este rio acima, mas mostro-os aqui a todos


Os obituários reflectem uma carência de informação e conhecimento para não dizer sabedoria ou amor pela música. Aposto que os obituaristas nunca ouviram o primeiro disco de Fausto ou sequer o segundo ou o terceiro, já dos anos setenta. Assim replicam-se uns aos outros, num fenómeno que também se replica noutros assuntos, ressumando internet em todos os parágrafos, sem digestão cultural ou compreensão de contexto.  
O que ainda escapa é o artigo de Nuno Pacheco no Público, uma página a acrescer às duas, mais  vulgares. O resto é uma tristeza e um sinal de decadência cultural.

Jornal de Notícias:


Correio da Manhã:




Diário de Notícias:



 Público:





Sem comentários: