domingo, agosto 29, 2010

O efeito à distância

A "professora catedrática de direito penal", Fernanda Palma, cronista de Domingo no Correio da Manhã, escreve hoje ( clicar para ler) sobre os anónimos que insultam na internet.
Fá-lo num registo de queixa e mágoa onde se adivinha uma vitimização face aos "cobardes anónimos" que não dão a cara no que escrevem para assim melhor passarem ao insulto a vítimas inocentes e insuspeitas de merecerem a mais leve beliscadura na candura das ideias que transmitem por escrito.
Mesmo que essas ideias tresandem a frete político, a empenho pessoalizado para soluções que a todos afectam, por motivos inexplicados e que suscitam reservas sobre as motivações ocultas nesses desígnios sempre relacionados com o exercício do poder político.
Portanto, se um anónimo "na internet", tem o topete de usar o sarcasmo como arma de arremesso contra esse exercício espúrio da democracia não legitimada pelo voto ou pela escolha transparente e democraticamente legitimada, está frito na acusação de cobarde insultador anónimo. Pior: a acusação, insultuosamente genérica, destina-se a que os que enfiem a carapuça, mereçam a reprimenda moral, assim denotando a culpa em modo de dolo genérico, necessário ou mesmo eventual.

A suprema ironia do escrito de Fernanda Palma reside, no entanto, noutro aspecto delicioso: cita Eça de Queirós, como exemplo para atacar a imoralidade ética do insultador anónimo. E conta o conto do Mandarim, para mostrar o efeito à distância de uma acção desvalorosa, qual seja a fábula do assassino por controlo remoto. Eça, no Mandarim, glosa o mito de Fausto, para assimilar a tentação de fortuna a um gesto anódino de efeito diabólico e pernicioso. A personagem Teodoro faz um pacto com o Diabo aceitando matar um mandarim que nem conhece, mediante um simples toque de campainha. Em troca do gesto assassino, a fortuna pessoal do morto, em herança.
Para Fernanda Palma esse gesto corresponde ao do escriba da internet que a coberto do anonimato tecla injúrias por escrito que delapidam a consideração sempre devida a quem escreve por vezes reflexões dúbias de efeito à distância para o legislador e ministros de poder executivo. E ainda tenta a explicação psicanalítica para tal gesto cobarde: "função terapêutica e social de evitar que os impulsos agressivos conduzam a acções violentas", escreve, juntando o espírito assassino a quem atinge o carácter alheio com denúncias anónimas de desvirtudes.
Portanto, a coberto da intenção em silenciar críticas, verdadeiro objectivo do escrito lamentoso, temos uma lição de moral e ética correntes. Eventualmente ofendida pela direcção das críticas a um sector inexpugnável da intenção residual e de entrelinha, a cronista, atira a matar ao "cobarde anónimo", assinando com nome a resumida catilinária, usual em que se sente e entende ser filho de boa gente.
Portanto, se Fernanda Palma cita Eça de Queirós, o objurgador por excelência, temido no tempo das Farpas, pelo seu virtuosismo no uso do sarcasmo e ironia e mesmo no insulto soez e raro, pessoalizado até ( um pequeno escrito sobre o Desembargador Amado, no Conde d´Abranhos, demonstra-o só por si) , só pode fazê-lo porque o admira nessa faceta que aqui vitupera.
E no entanto, dirige-lhe necessariamente a crítica expressa, mesmo a coberto de um artifício: apontando-a exclusivamente aos "cobardes anónimos" a quem apelida elegantemente e de modo claro, de "Enguiços", num uso esforçado de sarcasmo renitente. Desta vez com cara à mostra.
Porque o único problema com Fernanda Palma, como se vê pelos seus escritos, não é com os insultos, mas apenas com o facto de serem produzidos por "cobardes anónimos" que a encanitam e a quem a mesma dá uma importância de um incómodo permanente.
O que faria a mesma se os "cobardes anónimos" dessem a cara de modo fotográfico como ela o faz num jornal que lhe paga a crónica semanal?
Processava-os? Duvido muito. E se o fizesse, ainda duvido mais que o TEDH aceitasse a sua interpretação particular do artigo 180º do Código Penal.
Portanto o que Fernanda Palma pretende com esta catilinária encoberta é apenas um efeito de distanciamento e ao mesmo tempo insultar de modo claro quem lhe aponta as obscuridades e particularidades nefastas que revela nos seus escritos públicos e de croniqueta.
O impulso de assassino não comete apenas os cobardes anónimos... e o registo escrito de mágoas públicas pode ser um melhor leniente do que os pobres insultos anónimos que só ofendem quem podem. E não quem querem.

Em tempo: sobre cobardias e seus derivados semânticos não sei qual delas a mais ostensiva. Se a dos anónimos, sem foto no jornal e título académico a condizer; se a daqueles que os vituperam mas não nomeiam, certamente por um assomo de coragem no dizer e escrever que são uma cambada de neuróticos com psicologia de assassinos...

7 comentários:

zazie disse...

Conclusão:

A tolinha lê o Portadaloja e chateou-se por contarem que ela faz fretes.

":O))))))

lusitânea disse...

Eu ainda gostava de ver a Fernandinha só de avental cerimonial, daqueles pequeninos...

Carlos Enes disse...

Não, Zazie, não pode ter sido assim. Porque fazer um artigo inteiro a responder à Porta da Loja como se a Porta da Loja não existisse seria um exercício retórico próximo da esquizofrenia, patologia mais grave do que a neurose, documentada pela autora.

aristófanes disse...

Caro José
Perante esta Fernanda Palma, começo a temer por mim, não por aquilo que me possa acontecer, mas pela intolerância que em mim se possa instalar. De qualquer forma obrigado pelos comentários que tem produzido.

O Clandestino disse...

É bom saber que o anonimato faz mossa a Fernanda Palma. Há, pois, que insistir nele. Num cenário de democracia viciada aquele que vivemos, de que Fernanda Palma é parte integrante, não há lugar para a guerra convencional. Guerrilha é a solução, como se constata pelas lamúrias da senhora.

Pedro Luna disse...

Caro José:

Continue - pode ser que um dia destes o processem e então irão ver ainda há gente direita e que a Democracia é uma coisa bonita...

zazie disse...

Este artigo da tolinha foi das coisas mais caricatas que alguma vez li na vida.

Dedicar um artigo inteiro ao José sem o nomear, fazendo psicanálise de bolso de taras descobertas ao espelho.

Conseguiu ir mais longe que as bocas aos mabecos e outras rosnadelas vitalinas e de zés pereiras.