quinta-feira, julho 26, 2012

O caso Freeport visto por Pedro Lomba

Pedro Lomba escreve hoje no Público sobre o caso Freeport e as suas consequências. Uma delas seria, no seu entender, a demissão de Cândida de Almeida do DCIAP.
Não será preciso. Cândida de Almeida sairá do lugar em breve ( no início do próximo ano), tal como Pinto Monteiro, por força da idade. O caso de Cândida de Almeida no DCIAP deveria merecer um pouco de atenção de quem conhece o assunto. A dita deu uma entrevista recentemente à revista Tabu, reveladora. Por mim e em resumo defino assim a senhora, profissionalmente: uma boa pessoa que está no lugar errado mas nada há a fazer por causa do estatuto do MºPº.  É preciso dizer o seguinte acerca da pessoa: nenhum dos magistrados do DCIAP embirra com a dita porque é simpática, tem bom trato, é humana e compreensível das fraquezas profissionais e habituou-se a olhar para o MºPº como uma espécie de lugar de ofício em que se tenta fazer justiça sem quebrar muita loiça fina. Obviamente não tem o feitio de Maria José Morgado nem a coragem de poder ser coerente. Foi ofendida pessoalmente pelo PGR Pinto Monteiro, aquando do caso Freeport e relevou ( di-lo na entrevista e já o tinha dito antes). Outro magistrado teria colocado o lugar à disposição, mas não Cândida de Almeida. O falecido marido ( Maximiano Rodrigues) porventura não o teria admitido, mas isso são conjecturas. 
 Não obstante não parece pessoa inclinada a fretes, favores ou enviesamentos perigosos de inquéritos, o que demonstrou durante o caso do processo FP25 que dirigiu desde o início, até o JIC Almeida Cruz tomar conta do assunto. O problema será mesmo a sua idiossincrasia que lhe afecta essa característica fundamental de um magistrado que deveria ser a isenção absoluta. Parece não conseguir desligar-se dessa vertente sentimental e nem se dará conta do efeito da mesma que é perverso porque não lhe permite ver com clareza os problemas que se deparam. Já o falecido marido sofria do mesmo mal e parece que é maleita muito espalhada, a de os magistrados terem muita dificuldade em mostrarem isenção absoluta sempre que os casos que se lhes deparam contendem com forças políticas maiores que eles e com personagens de mito, principalmente quando ideologicamente as afeiçoam.

Agora, o resto:
Porque falhou o caso Freeport?  Pedro Lomba diz que "quase tudo no inquérito ao licenciamento do Freeport foi, do princípio ao fim, um desastre."
Duvido desta afirmação pelo seguinte: o inquérito esteve muito tempo parado na PJ de Setúbal. E as suspeitas sobre corrupção que recaiam sobre José Sócrates eram desde o início tema de notícia, pelo menos no processo. Seriam suficientes para se orientar a investigação nesse sentido, imediatamente? Duvido também.
O assunto tem cerca de dez anos e em seis deles, José Sócrates foi primeiro ministro ( 2005-2011) e antes fora ministro, quando o caso de começou a desenvolver. É aliás dessa altura que os factos deveriam ser lembrados e investigados porque a génese do problema foi essa.
Para se descobrir se houve corrupção no caso, traduzida no oferecimento de vantagem patrimonial em favor de alguém, mormente José Sócrates seria necessário apurar e provar que tal sucedeu, com o apoio de documentos, elementos palpáveis e tangíveis ( contas bancárias, documentos de transferência de dinheiro, etc) e testemunhos.
Ora...o que havia no inquérito de palpável nesse sentido? Testemunhos, quase só. E nem sequer fiáveis, alguns deles, porque contraditórios. E documentos havia-os oficiais, relativos ao licenciamento do outlet. Porém, relativos a contas, dinheiro, transferências, isso é que escasseava de todo. E como se poderiam conseguir tais documentos e provas? Com uma investigação profícua, se possível.
Como se sabe quem faz investigação criminal em Portugal é o MºPº ajudado pelas polícias. A PJ de Setúbal, segundo constava, não mostrou resultados durante muito tempo, por carência de meios ou interesse circunstancial. Foi preciso o MºPº começar a dirigir efectivamente o inquérito ( com dois procuradores, Vítor Magalhães e Paes Faria) para que se começasse a ver alguns resultados, ao mesmo tempo que o turbilhão de notícias politizadas e política noticiada começou a aflorar nos media. Tal efeito conduziu à queda em desgraça de um dos melhores magistrados do MºPº da actualidade, José Luís Lopes da Mota. Um desperdício que só faz lembrar o ditado antigo de que as revoluções devoram os seus filhos...

Portanto, os elementos recolhidos no inquérito a cargo do MºPº mostravam que havia indícios e suspeitas de que tinha havido dinheiro "por fora" e que os beneficiários seriam obviamente quem facilitou o empreendimento porque outra coisa não faria qualquer sentido. E quem facilitou? Um deles foi José Sócrates, mas não só que estes processos de obras não passam apenas por uma pessoa, seja ela ministro.
Como se poderia chegar ao dito, consolidando vagas suspeitas? Isso é o segredo do negócio.
Quanto a mim apenas com um método: abdutivo. Pressupor hipóteses e testá-las. Tentar apurar se as suspeitas seriam válidas ou se, pelo contrário, se afiguravam o que muitos pretendiam: um caso político apenas e de guerra partidária.
Quem e como poderia ter feito isso? Ambos os magistrados o poderiam ter feito se tivessem condições para tal. E que condições eram essas?
Aí é que entra o papel da directora do DCIAP e do PGR, neste caso Pinto Monteiro, apoiando com meios tal investigação.
As diligências de inquérito tendentes a descobrir se o dito era ou não verdadeiro suspeito, digno de ser constituído arguido não poderiam ser diligências usuais e rotineiras, porque o método elusivo de se escapar da corrupção em Portugal também não o é e fazer arqueologia investigatória tentando recompor o iter procedimental tendente à recolha da eventual vantagem exige imaginação, persistência, sorte e dedicação intensiva durante algum tempo. E já agora, um segredo de justiça total e blindado, como aconteceu no caso Face Oculta durante algum tempo.
Só essas diligências levadas a cabo com esse método poderiam de algum modo surtir um efeito útil. Julgo saber que algumas dessas diligências foram realizadas, sem sucesso, mas era previsível que outras se deveriam realizar. Porque não se realizaram?
Uma resposta apenas: porque o PGR e a directora do DCIAP, eventualmente acossados pela pressão dos media e também a pressão política do momento, a que a simpatia de ambos pelo poder que estava não era alheia de todo, o não facilitaram.O PGR cedeu ao populismo e a directora do DCIAP não lhe disse "não!"
O PGR, ao estabelecer um prazo quase peremptório para conclusão do inquérito, pressionado pelos media a que não soube ou não quis resistir, matou essa investigação que agora parece ter de se fazer.
Sem sucesso, a meu ver, porque será ainda mais difícil recolher tais provas agora, do que dantes o fora.
Por último há um aspecto que merece realce antes que passe a verdade indiscutível: as provas indiciárias de corrupção contra José Sócrates, com valor suficiente para inquérito surgiram agora, no decurso do julgamento. Mesmo que alguns tentem passar a ideia de que já existiam antes tais provas, que se resumem a três depoimentos de testemunhas durante o julgamento, tal não parece ter acontecido no inquérito, uma vez que tais pessoas não terão sido tão afirmativas e peremptórias como agora.
Daí que tenha sido dever dos juízes, como aliás o era do magistrado do MºPº que assistiu ao julgamento, extrair certidão para os fins tidos como convenientes.
Vermos no que dá, porque já não vai ser para o PGR Pinto Monteiro. Será tarefa do seu sucessor e será o primeiro teste à capacidade para se ser PGR neste país.
Souto Moura não poderia ser outra vez PGR?


6 comentários:

Vivendi disse...

Eu tenho uma explicação mais simples.

A corrupção é transversal entre o PS/PSD e assim naturalmente uns protegem-se aos outros sendo as instâncias de poder meramente figurativas.

A PJ recolhe a merda, os procuradores cheiram-na e os juízes puxam a descarga e ela desaparece.

Os media entretêm-se com estes assuntos para audiência como se fosse um circo.

Não gostam? Paciência. É a democracia que alguns escolheram.

S.T. disse...

Eu vim só assinar por baixo , o Vivendi disse-o suficientemente bem.

Gomez disse...

Um conto de fadas para o estio:

Era uma vez um Procurador, obreiro e sábio, que achava que o Regime era demasiado jovem e frágil para que certos crimes fossem julgados na barra dos tribunais. Criou por isso um “poço das almas ingénuas”, ao qual eram arremessados os processos que pudessem inquietar o Regime e do qual só emergiam, por vezes, umas alvas borboletas cobradoras de impostos.
De tão protegido, o Regime nunca amadureceu. Ainda verde, apodreceu. E fede, insepulto.
O velho Procurador foi-se. Outros lhe sucederam; mas o poço continuou aberto, a aguardar jubilação.
Pim!

Gomez disse...

Souto Moura foi sempre um grande Magistrado, do princípio ao fim. Pagou por isso. Respeito-o muito.
Mas o seu consulado demonstrou que essa é uma condição necessária, mas não suficiente, para liderar o MP nos tempos que correm.

Afonso Henriques disse...

Qual será a "maleita" ou "a idiossincrasia que lhe afecta essa característica fundamental de um magistrado", no caso da investigação do inspirador de Sócrates - o dono de Braga?
http://www.cmjornal.xl.pt/noticia.aspx?channelid=00000228-0000-0000-0000-000000000228&contentid=D1EAB548-45F6-427A-BE41-DDA4FE3CEAD0

zazie disse...

Olha o Gomez!

O Público activista e relapso