quarta-feira, outubro 02, 2013

A RTP e as "amplas liberdades"

Passou há minutos na RTP2 um programa sobre o futebol da Académica, de Coimbra, de final dos anos sessenta, que pouco ou nada teve a ver com futebol e tudo com política ( até a final da Taça, com o Benfica, é transformada num evento político e mediatizado como tal), nomeadamente as greves estudantis de 1969.
O programa parte do relato de alguns dos antigos jogadores do clube ( Vítor e Mário Campos, por exemplo) e mistura alguns personagens da então academia estudantil, como Alberto Martins e Celso Cruzeiro, socialistas de gema antiga e ainda outras pessoas que participaram em eventos ocorridos na época.
Curiosamente, os protagonistas do programa são todos da então oposição ao regime deposto em 25 de Abril de 1974 e as únicas pessoas que aparecem em figura de regime são figuras de pantalha televisiva, como o então ministro da Educação, José Hermano Saraiva, pronto a levar com os epítetos habituais e da praxe televisiva deste género de documentários.
O programa é todo construído para dar a imagem actual dos factos ocorridos então, seguindo o roteiro habitual da récita daqueles. Nem um defensor do regime de então aparece para explicar a razão dos factos ocorridos e uma eventual  justificação que o jornalismo isento exigiria. Os realizadores do programa da estação pública limitam-se a relatar a versão dos factos tal como é contada pelos protagonistas que então eram perseguidos pelo regime deposto, em virtude de actividades políticas de oposição socialista e eventualmente comunista.
Por exemplo, relata-se a ânsia de liberdade que aqueles sentiriam como se tal fosse desejo legitimo e irrecusável pelo regime e não se explica que liberdade pretenderiam. Alberto Martins era então de esquerda, mas só aderiu ao PS depois do 25 de Abril de 1974. Um outro Alberto, neste caso Costa e também de esquerda, na mesma altura era...comunista. Certamente defendia a liberdade de se meterem pessoas em campos de concentração, os "reaccionários" e "fascistas", por suposto.Um dos protagonistas do programa, Celso Cruzeiro, actual advogado ( defendeu Paulo Pedroso da "cabala") era evidentemente de esquerda.
Todos pretendiam alterar o satus quo, em 1969. Queriam derrubar a "ditadura"; queriam acabar com a "guerra colonial" e queriam no final de contas o que os esquerdistas de sempre querem: ficar a mandar segundo a cartilha marxista. E queriam, para tal que era claro e explícito para o regime de então que este permitisse livremente tal coisa e sem entraves. Não queriam ser proibidos de falar em assembleias para as quais não estava previsto que o fizessem. Não queriam que o regime lhes vigiasse as actividades subversivas, segundo a lógica do mesmo regime. Não queriam que lhes fosse coarctado o direito de reivindicar uma liberdade que segundo a lógica do mesmo regime era de opressão ( e a experiência posterior demonstrou ser acertada) e não queriam afinal que o regime se defendesse, limitando essa liberdade de actuação.
É esta a lógica dos programas de tv que relatam estes acontecimentos: os maus são os antigos governantes do regime deposto e os bons são os então opositores que pretendiam, muitos deles, instaurar um regime de ditadura comunista e tal nem é discutido em termos de princípio.

Sendo certo que em 1969 eram proibidas actividades entendidas como subversivas, designadamente as decorrentes de acções com vista ao derrube do mesmo regime e tais eram facilmente perceptíveis por quem as praticava, era lógico que quem se metia nessas actividades fosse preso. Era esse o regime e todos sabiam as regras porque era essa a legalidade vigente e que os tribunais tinham o dever de fazer respeitar ( os tais "plenários" que funcionavam na Boa-Hora).Tudo o que respeite a esta legalidade vigente é apresentado como se fosse sinal evidente do despotismo autoritário de um regime sem legitimidade de espécie alguma em que os heróis são apenas os que o queriam derrubar. Em nome, muitas vezes, de um despotismo mil vezes pior.

Sendo esta a lógica das coisas os programas deste tipo animados por este roteiro habitual do antifassismo primário, redundam sempre no mesmo argumento: os lutadores contra o regime deposto em 25 de Abril eram lutadores pela Liberdade. Ponto e final.E nem precisam de explicar mais nada, porque o jornalismo caseiro é mesmo assim.

No final do programa,  en passant, dá-se conta de outro fenómeno só tornado perceptível depois do 25 de Abril de 1974: os mesmos desportistas da Académica de 1969, de repente ficaram a saber como eram as tais "amplas liberdades" reivindicadas pelos opositores ao regime deposto em 25 de Abril. Estes que aparecem no programa e outros, todos da tal esquerda que se posicionava contra o "fassismo".
Em 1975, numa assembleia organizada pela nova academia, evidentemente toda comunista, meia dúzia de "dirigentes" decidem e fazem aprovar de "mão no ar", o fim do clube Académica, essencial e exclusivamente estudantil e amador, substituindo-o pelo clube Académico, aberto a outras latitudes desportivas em nome do combate à "clubite" e alargado ao "desporto de massas".

Os antigos  jogadores que participaram no programa e que em 1969 se animavam a combater o regime, lamentam que depois do 25 de Abril, com o tal regime deposto e supostamente restauradas as "liberdades" tenham assistido a uma manipulação ideológica daquele tamanho.
Lamentam mas não tiram conclusões...

Questuber! Mais um escândalo!