Daqui, deste lugar frequentado por esquerdistas de todos os matizes que julgam que o dinheiro aparece por milagre nas contas bancárias de todos e do país, fica um texto que se lê como um requisitório contra o PCP. O verdadeiro, o do PREC.
O texto é de Raquel Varela, a reescritora da História portuguesa contemporânea que já entendeu que o PCP nunca quis tomar o poder em Portugal, em 25 de Novembro de 1975...mas apenas brincar às revoluções.
Abstenho-me de discutir o PCP na Revolução dos Cravos e o papel de
Cunhal neste blogue porque era o mesmo que eu ser criacionista e querer
discutir com um físico teoria quântica. Publico posts mas deixo as
discussões para a academia, sem qualquer pedantismo. Quem sabe de
História sabe que aqui tem-se uma versão da história do PCP mais ou
menos idêntica ao capítulo especial de Estaline sobre a Verdadeira História do Partido – não há qualquer fundo de realidade mas uma devoção que não permite qualquer discussão séria.
Assim de rajada – e porque fui a única pessoa que publicou um
trabalho de investigação (os outros são ou jornalísticos ou de memórias
ou dizem respeito a sectores específicos), em Portugal sobre a história
do PCP na Revolução dos Cravos -poderia falar da proibição de Santos
Júnior falar no 1º de Maio; na militarizarão da greve dos CTT, da TAP,
do Jornal do Comércio; na tentativa de proibição com armas, em, vão, da
Manifestação da Lisnave, da Interempresas; da constituição de brigadas
físicas com uso de violência para furar greves (como no sindicato dos
químicos em Abril de 75); da tentativa de militarizar toda a força de
trabalho com o Documento Guia Povo-MFA (esta até o próprio Cunhal
admitirá publicamente 1 ano depois que foi longe demais); na oposição
do PCP ao cerco à AR em Novembro de 1975 (apoiando a manif distribuindo
no local um panfleto contra o cerco). Nos 3 primeiros meses de revolução
– 3 – todos os comunicados do PCP do comité central, exceptuando um
sobre a ida de Marcelo para a Madeira – são «contra as greves»,
consideradas «desordeiras, provocadores, feitas por agentes da CIA»,
etc.
A literatura histórica diz que há várias formas de revolução e várias
formas de contra-revolução. Há a contra revolução chilena, com botas de
ditadura militar, mas há a contra revolução democrática, a instituição
de um Estado democrático com amplos direitos laborais contra os
organismos de duplo poder e a democracia de base. Tudo isto é, bem
entendido, discutível. Eu costumo discutir, até com muitos intelectuais
do PCP (que jamais questionaram a documentação e a conclusão do meu
livro de que Cunhal lutava por um capitalismo regulado em Portugal,
muitos deles em conferências públicas!) se poderia ter sido de outra
forma: uns argumentam que não havia forças para mais; outros com a
estrutura de classes e propriedade do país; outros que era uma etapa;
outros a pressão da URSS e de Yalta. Tudo está em cima da mesa e as
discussões merecem as horas que lhes dedicamos porque são dúvidas
legítimas e que remetem, por isso são tão acesas, para as propostas
teóricas de hoje sobre o futuro da sociedade.
Agora o que me impressiona – e fui obrigada a vir aqui – é o legado vivo do 1)pensamento único e da 2)calúnia.
O primeiro diz que só existe unidade se pensas como eu - Cunhal
elaborou bastante sobre o tema. Ao repto da esquerda revolucionária
(apelidada pelos comunistas pró soviéticos de extrema-esquerda) de que
vamos juntos para as manifs e cada um leva o seu panfleto e o seu
discurso e as bases/trabalhadores lêem,
discutem e escolhem qual a política que querem apoiar, Cunhal respondeu,
só vamos juntos se publicamente pensarmos o mesmo ou omitirmos as
diferenças. Tenho sobre isso uma opinião – o pensamento único público
não cria unidade, cria seitas e uma seita não se mede por ser grande ou
pequena, uma seita pode ter 10 000 membros e 100 000 que contínua a ser
uma seita.
O segundo é o da calúnia – um método
usado ad vomitum como se vê por aqui, a mesma calúnia que transforma um
grevista contra o Governo em «agente da CIA», e um debate sobre Cunhal
num debate sobre o Renato Teixeira e a moral do Renato.
Não há nada tão baixo como transformar uma discussão sobre as ideias
de uma pessoa na discussão sobre essa pessoa. É o método da calúnia, do
estalinismo que fez aquela coisa tão patética e triste (uma derrota que
ainda hoje nos pesa a todos nos ombros) – e que contínua viva e tão viva
como aqui se viu – que é matar todo o comité central em 36-38 não
porque se opunha ao controlo operário, à colectivização forçada, ao que
viria a ser o pacto germano soviético mas porque eram «trotskistas». A
certa altura já ninguém sabia quem era Trotsky e a Zita Seabra gritava
em 1975 contra os estudantes do Técnico que se opunham à realização de
exames de «agentes da CIA e trotskistas». Será que eu sou uma Renatista?
Não fosse tudo isto sintoma da total incapacidade do BE e do PCP responderem à crise e seria até motivo de diversão.