Os factos históricos que carecem de explicação geralmente
suscitam teorias de conspiração oculta na sua génese.
Tal sucede com o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e o
fenómeno que o acompanhou, de
sobreposição crescente e rompante, nos meses seguintes, da ideologia
esquerdista e comunista à ideia que prevalecia anteriormente sobre o Estado e a
sociedade portuguesa.
Para explicar tal fenómeno aparecem teorias e algumas delas,
naturalmente, de índole conspirativa.
No blog do Dragão a tendência para apresentar uma história interessante
mistura por vezes os ingredientes dessa
fantasia que inquina uma verdade límpida e difícil de alcançar.
Não tenho pretensões a historiador, como já escrevi várias
vezes, mas procuro saber o que sucedeu nessa época que também vivi e para issoi
socorro-me dos meios ao meu dispor: a memória e os factos conhecidos através
dos relatos da época.
E onde aparecem esses relatos? Nos livros? Sim, em
depoimentos pessoais dos envolvidos e testemunhos de quem ouviu outros.
E onde mais? Pois, nos jornais da época que relatavam os
acontecimentos à medida que se iam produzindo e publicavam também opiniões e
versões desses acontecimentos pelos protagonistas.
Haverá melhor fonte de informação de certos acontecimentos que
fotos , notícias e textos da altura que denotam muitos dos pormenores
circunstanciais dos mesmos factos e acontecimentos? Duvido.
Sobre um acontecimento fulcral do dia 25 de Abril de 1974 suscitam-se
dúvidas e reservas que alimentam a
especulação fantasiosa de "acordos" e confabula-se a hipótese de
Marcello Caetano estar de alma e coração com os revoltosos do golpe.
Isto que me parece errado e até ignominioso para a honra de
Marcello Caetano é acreditado por ilustres personagens que nesse tempo viveram
e nele desempenharam altas funções.
Antes de apresentar essas versões, coloco aqui novamente
algunas páginas do livro Marcello Caetano- o 25 de Abril e o Ultramar,
publicado pela Verbo e que reune três entrevistas que Marcello concedeu ao
semanário brasileiro O Mundo Português, em 25 de Junho e 2 de Julho de 1976,
sendo a terceira inédita.
Estas páginas relatam na primeira pessoa o que sucedeu no Largo do Carmo e no quartel da GNR, onde Marcello Caetano se encontrava no dia 25 de Abril de 1974 e as circunstâncias explicativas por que se encontrava lá e não em Monsanto, onde supostamente deveria estar.
Proximamente publicarei um episódio, inédito para a generalidade, sobre esta breve estadia de Marcello Caetano nesse local.
80 comentários:
Os factos históricos que carecem de explicação geralmente suscitam teorias de conspiração oculta na sua génese.
Um golpe de estado é, por definição, uma conspiração. Ou não é?
Eu também não considero suficientemente indiciado que Caetano tenha estado por dentro dos planos do golpe. Pelo menos de maneira consciente.
Mas esse é apenas um detalhe da conspiração que existiu.
A conspiração não é teoria, é facto.
Apenas estamos a tentar saber - e é aí que surgem as teorias, ou hipóteses - como ocorreu.
Portanto, acho que o José não devia usar as palavras nesse sentido derrogatório, porque não é adequado e enfraquece o seu argumento. Dá ideia de que se pretende negar o óbvio.
Houve conspiração. É facto.
E não se pode ridicularizar a eventual participação do primeiro-ministro, pois não esqueçamos que Costa Gomes tinha sido, não havia ainda muito tempo, CEMGFA.
Então vamos lá decompor:
"conspiração": um golpe de Estado é uma conspiração.
"teoria": uma concepção que pretende explicar algo.
teoria de conspiração: é juntar as duas noções...acrescentando-lhe o valor semântico entretanto aduzido pelo tempo.
Mas eu gostava é que lesse o que Marcello escreveu e rebatesse. Se puder...
infelizmente não indica nomes. tornaria tudo mais fácil de interpretar.
não há ditadores ou regimes democráticos sem o apoio das forças armadas.
chamar o gajo do caco foi a lenta agonia da transição para o social-fascismo
o psicopata seria o 'tareco'?
pendurado numa árvore parecia um macaco.
José, eu já conhecia essas páginas e até pus as três entrevistas no Ultramar.
Vou reler com atenção e à luz do que se tem vindo a discutir com o Dragão. Porém a impressão com que fiquei na altura foi a de que a questão do Carmo estaria razoavelmente esclarecida.
Ainda assim, não conheço bem a orgânica do Estado e quais eram precisamente os poderes e resposabilidades da polícia quando Marcello diz que a polícia não carecia de autorização para agir. Também não sei o que disse ou não disse o MAI sobre o assunto.
O Dragão diz que Marcello ordenou que não agisse e nunca vi isso escrito em lado nenhum.
Mesmo as entrevistas que pus no Ultramar de vários agentes da DGS se limitam a dizer que o golpe foi "com a conivência" de Marcello.
Acho que perante as dúvidas que se colocam a questão não está resolvida.
E até prova em contrário acredito na versão do Marcello.
Pois, já estive a ler.
Diz-se claramente, em relação ao Carmo:
E eu, por conselho do director-geral de Segurança, fui para o Carmo.
Portanto, é apurar quem era este director-geral (Silva Pais?) e o que disse ele sobre este assunto, se alguma coisa.
Confirmei o que já era minha impressão: da parte de Caetano, a questão está razoavelmente esclarecida.
Percebe-se, por esta entrevista, que Marcello sabe que há opiniões contrárias à sua. Fica a dúvida de quem falará verdade.
Neste relato, Marcello omite algumas informações que poderiam, ou não, ajudar a esclarecer as coisas. Infelizmente, muitas perguntas ficaram por fazer.
Seguem alguns comentários às palavras de Marcello…
“A Polícia não sabia de que lado estava a Força Aérea”
A Força Aérea? Mas num golpe de estado isto funciona em ‘pacote’? Nãos haveria homens dispostos a optarem por um lado e outros pelo outro?
“Silva Pais olhou para o lado e depois respondeu. «Venha para o Quartel do Carmo, que a Guarda Republicana está fixe!»”
Outra vez o ‘pacote’, a GNR está toda com o regime. Será que alguma vez Silva Pais foi perguntado sobre isto?
Que horas eram? O 1º comunicado do MFA surge às 4:20 da madrugada, suficientemente cedo (face às posições ocupadas) para ‘garantir’ a derrota do Movimento, o que deixa admitir a ideia de que a vitória estaria garantida antes de qualquer movimentação.
“Ao passarmos perto do Terreiro do Paço vimos patrulhas que ocupavam as embocaduras das ruas. «O general Andrade e Silva está tomando as suas precauções» - comentámos. Não estava. Eram tropas revoltosas.”
De novo, que horas eram e, quão perto do Terreiro do Paço passaram?
Salgueiro Maia diz que quando entrou no Terreiro do Paço “a PSP cercava a zona”. As forças de Lanceiros 2 deveriam saber que Salgueiro Maia ia ocupar a Praça do Comercio e a Câmara Municipal porque quando ele lá chegou já tinham tomado posições nas ruas e em alguns edifícios (pelo menos): no Largo do Cais do Sodré, na Rua Bernardino Costa, na Travessa, na Rua e no largo do Corpo Santo.
Por onde passou Marcello, rumo ao Carmo, que não viu o forte dispositivo da PSP (em número, não inferior aos homens da EPC) nem percebeu que Salgueiro Maia, fiel à missão que lhe atribuíram, se foi meter na ‘boca do lobo’, de frente para o Tejo e à mercê de um contingente maior e muito melhor armado, do conjunto PSP, Lanceiros 2 e Cavalaria 7?
Tudo se dispôs para transformar o quartel numa ratoeira…
Marcello Caetano percebe, à chegada ao Carmo, que Silva Pais o traiu?
Se assim foi, está explicado isto: “Fui depois Informado por oficiais da G.N.R. do Quartel do Carmo que o Prof. Marcello Caetano desde as 8.30 horas do dia 25 que declarava que se rendia.” [Salgueiro Maia]
De novo, era muito importante sabermos que horas eram quando Marcello se apercebeu da traição (ou, no mínimo, do erro de Silva Pais).
Ninguém o podia tirar dali? Salgueiro Maia, como o próprio Marcello afirma, estava nas imediações da Praça do Comércio, e por lá ficou toda a manhã a convencer os sucessivos ‘fieis ao regime’ que lhe saiam ao caminho a renderem-se a uma força muito inferior em número e equipamento (para não falar em treino militar) sem dispararem um tiro.
“Do Ministério do Exercito foi ordenado o avanço sobre o Terreiro do Paço de uma das unidades – de Santa Bárbara ou do Cabeço de Bola, não me lembro já. A unidade avançou, parou numa das ruas da Baixa e assistiu à vitória da populaça que estava em frente do Ministério do Exercito.”
Não percebo. Do Ministério do Exército (que funcionava na Praça do Comércio) foi ordenado o avanço de uma unidade vinda de Santa Bárbara ou do Cabeço de Bola (a Academia Militar?) para intervir no Ministério do Exercito (cercado pela força de Maia) que parou numa das ruas da Baixa para assistir à vitória da populaça em frente ao Ministério do Exercito (do outro lado da praça, portanto)?
Em que rua da Baixa parou esta força que (quase) fechava, pelo lado Norte, o cerco aos homens da EPC, que tinham a Sul o Tejo e a Fragata, a Oeste Cavalaria 7 e Lanceiros 2 e a Este um forte dispositivo da GNR que lá se instalara cerca das 8 horas?
“Às duas por três, os membros do governo que se encontravam no Ministério do Exercito se viram desamparados e em risco de serem presos ali mesmo pela multidão que, com os soldados revoltosos já invadia o edifício. Valeu-lhes o desembaraço do Almirante Tenreiro que, conhecedor de uma saída reservada, levou dali para fora os ministros da Defesa, do Interior, do Exercito e da Marinha. Chegados à Rua do Arsenal tomaram uma viatura e nela se dirigiram, com o general Luz Cunha, para o quartel de Cavalaria 2, na Ajuda.”
Está explicada a figura de palhaço feita pelo vice-comandante da Região Militar de Lisboa, Brigadeiro Junqueira dos Reis, que fala com Salgueiro Maia nesta Rua do Arsenal e é desobedecido impunemente? A sua missão era (apenas) a de permitir a fuga destes graúdos?
Do Ministério do Exercito, cercado por homens de Salgueiro Maia, fogem (enquanto Junqueira dos Reis ‘encena’ uma resistência e fala com Salgueiro Maia, na Rua do Arsenal) por volta das 9:45: o Ministro da Defesa, o Ministro da Informação, o Ministro do Turismo, o Ministro do Exército, o Ministro da Marinha, o Governador Militar de Lisboa, o Subsecretário de Estado do Exército, o Almirante Henrique Tenreiro e mais alguma “arraia-miúda”, após rebentarem uma parede. Passam tranquilamente pela confusão e já atrás das forças de Pato Anselmo (Ribeira das Naus) ou de Junqueira dos Reis (Rua do Arsenal) escoltados por vários elementos de Lanceiros 2, entram em viaturas civis e são escoltados por um obus AP de 90 mm (M47) até Belém, ao quartel de Lanceiros 2.
Podia comentar mais, mas a noite vai longa e…
De tudo o que escreveu sobra uma pergunta que poderia mudar tudo se a resposta fosse diversa daquela que foi:
Os militares fiéis ao regime não afrontaram os revoltosos. Porquê?
Porque não quiseram. E porque não quiseram?
Aí está a explicação singela e prosaica para o sucesso do golpe nesse dia.
Se tivessem respondido, Marcello não sairia do Carmo como saiu.
E de facto as horas são muito importantes de saber.
Quando, a que hora concreta, é que o "flecha" nº1 foi ao Carmo? Não cheguei a apurar ao certo mas pode saber-se.
No Cabeço de Bola/Sta Bárbara era uma unidade da GNR.
O Flecha esteve lá de manhã. Segundo ele, o Marcello respondeu que não precisava de ser evacuado porque já tinha tudo tratado com o gen. Spínola.
Exactamente e foi o próprio quem mo disse. Resta saber a que hora tal sucedeu e isso não consegui apurar.
E foi mandado lá pelo chefe, é bom que se esclareça. E na altura ainda não havia ninguém no Largo pelo que foi bem cedo.
As ordens eram para evacuar Marcello para Monsante e logo a seguir para Espanha se preciso fosse.
Mas ainda faltava o Tomás. E onde é que estava este Wally?
Pois é coisa para se indagar.
Se Marcello disse, como acredito, que tinha tudo combinado com Spínola, é preciso saber exactamente qual foi a combinação e em que termos.
Para mim teria sido uma de duas coisas: ou a rendição ao Movimento, o que me parece mais provável porque Spínola estava por dentro do golpe.Nesse caso, Marcello teria o destino que calhasse e o que calhou foi o pior: expulsão do país e saida em Chaimite do Largo.
Ou então, se o golpe falhasse, uma nova oportunidade para Marcello renovar o poder com Spínola.
Isso não quer dizer traição alguma.
Marcello não teria reserva mental ao combinar com Spínola o seu destino nesse dia.
Spínola provavelmente teria, uma vez que deveria ter previsto o que sucedeu, embora a sua inteligência se calhar não estava na melhor forma...
O Flecha esteve lá de manhã. Segundo ele, o Marcello respondeu que não precisava de ser evacuado porque já tinha tudo tratado com o gen. Spínola
Não é isso que ele diz nuns comentários que apanhei perdidos na internet.
Veja-se aqui:
http://ultramar.github.io/depoimentos-oscar-cardoso.html
Por altura do almoço, o major Silva Pais, recebeu um telefonema de António de Spínola. Nessa altura já havíamos tomado a decisão de resgatar Marcello Caetano do quartel do Carmo. Conduzi-lo-íamos para o Forte de S. Julião da Barra, em Oeiras, ou para Espanha onde poderia formar um Governo no exílio. Planeámos assim: Abílio Pires, acompanhado por Agostinho Tienza e Sílvio Mortágua, estacionariam na Rua do Carmo, em plena Baixa de Lisboa, junto ao elevador de Santa Justa.
Eu entraria no quartel do Carmo por uma porta lateral. Discretamente, conduziria Marcello por uma outra porta lateral até ao tabuleiro superior do elevador. Alcançaríamos depois a Rua do Carmo e o carro que nos transportaria. O carro era um Mercedes. O segundo carro era um Fiat, propriedade do Abílio Pires, que, se necessário fosse, transportaria M. Caetano porque o Mercedes podia dar nas vistas. Ser-me-ia fácil porque conhecia bem o quartel, estivera aí como tenente da GNR, e era pouco conhecido, porque estivera muito tempo em África.
Por volta das quatro da tarde, já com o Largo do Carmo com alguma gente, lá fomos. Entrei, mas o Professor Marcello Caetano não quis sair. Disse-me que estava tudo tratado com o general Spínola. E que fôssemos às nossas vidas.
Ele indica, portanto, quatro da tarde.
É evidente que não há garantia nenhuma do relato ser autêntico. Eu encontrei-o aqui:
http://www.oocities.org/heartland/garden/4462/
Mas também não vejo nada que indicie não o ser. E estão lá outros de outros inspectores que também copiei.
Portanto fica ao critério de cada um acreditar ou não.
A pessoa que recolheu os depoimentos diz:
O depoimento do Snr. Abílio Pires foi escrito. O do Snr. Óscar Cardoso, meio escrito meio falado. O do Snr. José Manuel Passo, quase meu vizinho, foi maioritarimente falado.
Agradeço-lhes também, aqui, mais uma vez, agora publicamente, o facto de terem tido esta amabilidade para comigo.
Portanto, os próprios que ainda forem vivos, podem confirmar ou desmentir o que se lhes atribui.
O BOS já tinha entrevistado o Oscar Cardoso e o que ele diz pode lser-se aqui:
http://cantinhodomundo.blogspot.pt/2005/11/histrias-secretas-da-pidedgs-o-golpe.html
Ele diz por lá uma coisa muito engraçada.
Que já se sabia que o novo chefe da DGS ia ser o Alpoim Galvão.
Portanto, aquele saco de gatos golpistas, onde se mistura Otelo com Jaime Neves, também sabia que ia haver novo chefe da dita PIDE (como lhe chamam, sempre) e que era o Alpoim Glavão.
Grande golpe de mudança democrática ehehehehe
Cambada de ursos que a culpa é apenas uma- o corporativismo militar que sempre fez isto. Já o tinha feito com os liberais.
Portanto, há contradição. No livro ele diz de manhã, naqueles depoimentos precisa quatro da tarde.
Pode muito bem ser que o homem que falou com ele e fez aquele site se tenha enganado. Porque naquela parte diz que são notas avulsas e desconexas. Algumas são memórias de conversas que fomos tendo, outras de entrevistas suas, nos jornais e televisões. Acha que isto está bem? O que cortaria? O que acrescentaria?
Apenas o próprio pode esclarecer.
Entretanto, acho que deve dar-se preferência à versão do livro por motivos óbvios.
O Thomaz estava em casa dele, no Restelo.
ehehehe
Ninguém se preocupou com ele, Tomás, antes do Marcello.
Revelador também, nessa perspectiva de putativa conspiração...
Se o Flecha diz que no Largo do Carmo ainda não havia ninguém, acredito.
E acredito porque só bem cedo seria plausível a acção para-militar de retirada do chefe do Governo para outras paragens.
De tarde, já era tarde, como se comprovou.
Na página 46 do livro da Verbo sobre as entrevistas há a revelação de que o perguntador afirmou ter um livro ali, publicado "há uns meses em Madrid", portanto em 1977 ou por aí no qual se dizia que "o director-geral de Segurança ( Silva Pais) se pôs em contacto com o presidente do Conselho, pela rádio, informando-o da força real do MFA e sobre as unidades afectas ao Governo ou que ainda não se tinham pronunciado e solicitando autorização para actuar, pois até às 17 horas se comprometia a dominar a situação por completo." diz depois que " o senhor ( Marcello Caetano) ter-lhe-ia negado a autorização pedida, alegando que não queria derramamento de sangue."
Resposta de Marcelo:
"Puro romance. O director-Geral de Segurança não deu essas informações nem pediu tal autorização. Aliás, nem precisava dela. Numa ocasião dessas cada um deve agir cumprindo o seu dever como puder, sem necessidade de autorização. Mas não era ao director da Polícia que competia mobilizar as tropas e lançá-las em acção, e ele estava já com as investidas dos revolucionárips na sua própria sede, onde tinha arquivos preciosos que deveriam ter sido destruídos a tempo."
Acho é que toda esta vossa investigação (porque é disso que se trata) deve ser guardada para memória futura.
Apesar de não ser contemporaneo aos factos relatados, pelo que tenho lido aqui no Porta da Loja e no Dragoscópio e independentemente do Marcello Caetano saber ou não saber do que estava para acontecer, parece-me que o regime estava marcado para cair.
Fosse por motivos internos (com a conivencia da PIDE, visto que já saberiam que Spinola manteria a organização), fosse como resultado da acção directa dos "corporativistas" militares, certo é parece tudo uma produção mal encenada, em que alguns bastidores foram os verdadeiros autores desse dia.
Qualquer uma delas, o resultado estava traçado: Delend est Portugal (versão colonial).
«Ninguém se preocupou com ele, Tomás, antes do Marcello.
Revelador também, nessa perspectiva de putativa conspiração.»
Quem disse? Fala por ti, ó temerário.
O Dragão não dorme.
«Aliás, nem precisava dela. Numa ocasião dessas cada um deve agir cumprindo o seu dever como puder, sem necessidade de autorização»
Era mesmo o Director da Polícia, que numa situação daquelas, ia assumir a responsabilidade política. Nesses casos, a responsabilidade tem que partir do responsável-maior. E tem que ficar bem expressa - quer para o IN, que para as NT. As duas partes têm que perceber que há uma liderança efectiva, quer para desmobilizar (porque percebem que vai haver resistência concreta), quer para contra-atacar (porque constatam que há comando firme). As regras são essas no mundo real.
Do ponto de vista militar, o sucesso do 25 de Abril levanta mais questões do que admiração por "génios" militares.
Basta atentar à distribuição das forças:
http://www.areamilitar.net/HISTbcr.aspx?N=3
No entanto, existe um outro factor que penso que nem o José nem o Dragão comentaram nas suas análises: o exercicio naval NATO "Dawn Patrol"
Terá sido apenas coincidencia que nesse dia estivesse fundeada no Tejo a frota do Mediterraneo NATO (e preparada para exercicios de evacuação costeira)?
http://www.cmp-cpm.forces.gc.ca/dhh-dhp/od-bdo/di-ri-eng.asp?IntlOpId=230&CdnOpId=272
http://www.itnsource.com/shotlist//RTV/1974/05/06/BGY509100124/?s=*
Corrigo a informação do post anterior: o exercicio além de prever evacuação costeira, também tinha uma componente de desembarque de tropas.
Ou seja, no Tejo dessa manhã do dia 25 de Abril, além de meia-dúzia de barcos com poder de fogo para arrasar com Lisboa, deveriam estar presentes uma ou duas companhias de fuzileiros maritimos...
Mensagem clara para algum bloco politico da altura.
Não havia um plano qualquer que consistia na evacuação de Marcello e seu governo para Angola e a partir daí declarar a mudança de capital de Portugal para Luanda?
AG
X,
Creio que não era bem assim.
Na eventualidade de o governo constitucional de encontrar impedido de exercer as suas funções, a responsabilidade pelo governo nacional seria assumida pelo governador das províncias ultramarinas com maior tempo de mandato. E nesse caso, seria o governador de Angola.
Miguel D
«No entanto, existe um outro factor que penso que nem o José nem o Dragão comentaram nas suas análises: o exercicio naval NATO "Dawn Patrol"
Terá sido apenas coincidencia que nesse dia estivesse fundeada no Tejo a frota do Mediterraneo NATO (e preparada para exercicios de evacuação costeira)?»
Um dado conhecido, mas achega muito pertinente...
Pertinente foi a traição ao Almirante Louçã, o progenitor do tortskista envergonhado interlocutor da Lourença...
Essa é que foi de cabo de esquadra.
Quanto à Nato ( em que o tal Louçã se inseria...)que fazer, como diria Lenine?
Botar fogo em quem? Desembarcar para quê?
Romance...como disse o Marcello.
“Os militares fiéis ao regime não afrontaram os revoltosos. Porquê?
Porque não quiseram.” [José]
O golpe teve outras movimentações e eu só conheço com razoável pormenor as da zona ribeirinha (e do morro do Cristo-Rei) onde me parece que a força da EPC comandada por Salgueiro Maia apenas servia de manobra de diversão. O golpe pode ter-se decidido noutras movimentações, mas dá a ideia que se resolveu na secretaria.
As forças da EPC não foram neutralizadas porque, de facto, ninguém fiel ao regime quis. E para neutralizar Maia nem era preciso esperar pela GNR nem por Cavalaria 7 com os seus 5 (e não 4, como se lê nalguns relatos) M47, nem pela fragata. Se as forças de Lanceiros 2, em vez de pararem e ocuparem posições de combate a menos de 300 metros da Praça do Comércio avançam até lá, os homens de Maia rendiam-se (ou eram dizimados) em menos de 5 minutos, logo ao início da manhã.
“E porque não quiseram?” [José]
Uma das hipóteses é: porque nunca foi dada a ordem. Outra (mais provável, na minha óptica) porque as forças fieis ao regime perceberam, quer pelo valor (em número e equipamento) quer pelo ridículo das movimentações (ou ausência delas) que tudo estava previamente combinado.
O facto de ser Spínola o líder (efectivo) do golpe também pode ter contribuído para a ausência de reacção.
A ilustrar a segunda hipótese, atente-se, de novo, na força da Escola Prática de Cavalaria:
“Desce” Lisboa, em direcção ao rio, pelas principais avenidas, em coluna, como se fossem para uma instrução ou semana de campo. Não tinham quaisquer cautelas defensivas, tornando-se alvo fácil para qualquer emboscada.
Tinham como missão (além de tomarem o Banco de Portugal e a Rádio Marconi) controlarem os acessos à Praça do Comércio. Ora, quando chegaram à Praça do Comércio já lá estava a PSP, pelo que, não existia missão.
Pode-se alegar que a PSP não controlava nada, porque junto ao rio se circulava à vontade. É verdade. Mas depois da chegada da força da EPC continuou a circular-se à vontade, porque apenas tentavam controlar as entradas dos ministérios. E sublinho, as entradas; missão ingrata porque ninguém queria lá entrar e os que já lá estavam dentro saíram quando e por onde quiseram, e não eram poucos. Estiveram quase cercados toda a manhã, com a única fuga possível para Norte, que usaram à tarde.
À tarde, receberam ordens para cercar o Carmo, fizeram um percurso demasiado longo (com passagem pelo Rossio e sempre sem expondo-se de forma idiota) e instalaram-se no largo. Passaram a tarde cercados, até alguém ter ordenado o levantamento do cerco com a saída de Marcello.
"No Cabeço de Bola/Sta Bárbara era uma unidade da GNR." [Dragão]
Obrigado.
Então Marcello também ignora a movimentação de Infantaria I.
No Cabeço da Bola/Sta Bárbara(por detrás da Academia Militar) estava o segundo esquadrão mais o esquadrão de Comando do Regimento de Cavalaria.
Localização dos restantes esquadrões do Regimento de Cavalaria da GNR no 25Abr74:
- Primeiro Esquadrão: Quartel do Carmo
- Terceiro Esquadrão: Braço de Prata
- Quarto Esquadrão: Quartel da Ajuda
O que acho piada é dizer, para continuar a encalacrar o pobre Marcello Caetano, que se ele tivesse dado a ordem...tudo poderia ser diferente.
Ou seja, uma fábula parecida com a do lobo e do cordeiro, com uma pequena variante: se não foi Marcello o culpado, é Marcello o culpado na mesma.
O restante pessoal militar, esse, fica desonerado de responder porque a "Ordem" não chegou...
Se Marcello tivesse sido morto estava o caso resolvido e não haveria ordens a dar e por isso o culpado era o vento. E não o da História...
Informação complementar:
Relatório final da operação pelo Capitão Salgueiro Maia.
http://www.25abril.org/index.php?content=1&c1=&c2=&glossario=Escola Prática de Cavalaria
Como 160 homems e 10 veículos blindados sem munições conseguiram tomar um país.
Nota: julgo que par ao José será mais interessante o último parágrafo
6 - DIVERSOS - Fui depois Informado por oficiais da G.N.R. do Quartel do Carmo que o Prof. Marcelo Caetano desde as 8.30 horas do dia 25 que declarava que se rendia. se fosse um Oficial General a receber a rendição. Este facto não foi comunicado pelo Comandante do Quartel do Carmo e deste modo a rendição s6 se efectuou depois das 15 horas.
Os tais "oficiais da GNR no Quartel do Carmo" foram identificados e confirmaram a versão?
"Como 160 homems e 10 veículos blindados sem munições conseguiram tomar um país."
Tomaram o país porque ninguém se lhes opôs.
Principalmente os militares que sendo tropa se identificaram logo com os revoltosos.
O 25 de Abril foi por isso mesmo um Levantamento do Rancho.
Discorda do diagnóstico?
Incluindo os "oficiais do Carmo", como aliás Marcello diz na entrevista ao mencionar que "só um coronel na reserva mostrava coragem".
Portanto, tudo aderiu ao levantamento de rancho.
Uma geraldina. Uma generaldina, melhor dizendo.
A tropa devia ter era vergonha...
Para quê continuar a insistir na culpa de Marcello e até a insistir na sua "traição" insinuando que estava feito com Spínola quando a verdade nua e crua é essa:
uma generaldina com levantamento de rancho.
Boa!
Foi Levantamento de Rancho.
Literalmente. Entre os revoltosos havia tudo e o seu contrário.
Portanto, o que se nota é que ninguém se ia opor à corporação.
E nota-se é que dentro dos revoltosos também vão existindo avanços internos e empurrões para trás.
Não tinham intenção de acabar com a DGS; deixaram pacificamente os presos políticos entregues a eles e até, pelo que consta, o Alpoim Galvão já tinha cargo supremo na DGS.
Tudo militares e entre militares.
E em África foi idêntico. África não é só Angola.
Na Guiné e em Moçmabique o que se vê é milicanos a pedirem para o Spínola acabar com aquilo.
«Portanto, tudo aderiu ao levantamento de rancho.»
Sim, é isso que se vê.
Foi Levantamento de Rancho por benesses corporativistas e que se lixasse a Nação.
Entrou tudo. Nem se sabia quem estava de um lado ou do outro porque era tudo a querer o mesmo.
A resistência é com oferta de chapada.
Vê lá se queres uma bolachada.
Estamos conversados.
Queriam agora que perante esta evidência o Marcello desse em kamikaze.
Só se fosse isso. Pegava ele nas armas contra todos.
Mas já tinha sido assim nas revoltas liberais.
O VPV estudou isso e concluiu o mesmo.
Sempre tivemos revoluções altamente idealistas por Levantamento de Rancho.
Que tristeza chegar a esta conclusão.
E foram antigos militares que me ajudaram a perceber...
Shakespereano.
ahahahahah.
Aqui está exposto e às escâncaras o segredo do 25 de Abril: um levantamento de rancho à antiga portuguesa.
Uma generaldina em barda.
Uma vergonha para os militares.
E andam a sacudir a água do capote há dezenas de anos...
Porque o Marcello e o Spínola e o não sei mais quem e aunda o chico-rolha e o carmo e monsanto e as ordems e patati patata.
Vai-se a ver: uma generaldina simplesmente.
Fónix.
Ó Temível! Vai-te catar, pá!
A pergunta a responder, agora, é:
quem abandalhou as Forças Armadas nos anos setenta?
Foram...os milicianos? Foram? Suspeito que sim, mas fico na dúvida.
Não me refiro ao pundonor guerreiro. Refiro-me ao estofo moral. À visão interior de um tropa.
Um miliciano é um tropa? Carne para canhão é, com certeza. Mas...é mesmo um tropa?
É esse o desafio; desembrulha lá o ouriço, se fores capaz.
E mais:
Não foi só no dia 25 de Abril, a generaldina.
Foi em 11 de Março e em 25 de Novembro de 1975.
Sempre a mesma coisa: amigalhaços, camaradagem e o país que se dane.
O Jaime Neves até participou activamente nas campanhas de dinamização cultural. Um must!
Não, não descordo com o que diz. Contribuo inclusive para essa sua conclusão:
Todos os oficiais da GNR são formados na Academia Militar. Só a partir do 25Abril (a partir dos anos 90, se alguém poder confirmar agradeço), é que o curso de oficial da GNR passou a ter os últimos dois anos próprios. No entanto, ainda hoje em dia os 3 primeiros anos na Academia Militar são em comum para os oficiais com destino ao Exército e para a GNR.
Logo, da mesma forma que o Salgueiro Maia conhecia os oficiais do Lanceiros 2 que foram parlamentar com ele no Terreiro de Paço, quais é que seriam
os oficiais da GNR que discretamente no seio da organização ajudaram ao sucesso desta operação?
Os factos são é que MC tinha com ele toda a estrutura de topo hierarquica do exército e da GNR. O problema está é que quem manda no terreno (capitães, tenentes e alferes) já estavam no outro lado pelo menos desde Março desse ano.
Hmm está bem está, ó José...
Continuem a assobiar para o lado como se a entrega tivesse sido um acidente.
Como se quem comandou a generaldina não soubesse ao que ia e o que devia fazer...
A mim interessa-me saber o que se passou.
E "levantamento de rancho" não explica porque não explica nada senão o que motivava alguns homens. Mas não explica o que levava esses homens a ter cobertura de alto nível dentro das FA. Não explica o processo de entrega imediatamente desencadeado.
Assim como ventos da história não explicam nada.
São tudo etiquetas para coisas que se não compreendem, para mim.
"Continuem a assobiar para o lado como se a entrega tivesse sido um acidente."
Quem explica assim é quem defende que nesse dia se tivesse existido resistência, por mínima que fosse, o golpe teria abortado.
O próprio Salgueiro Maia se ufanou do facto.
Portanto, se não houve qualquer resistência e se a tropa se desmotivou, o que chamar a isso senão isso mesmo: levantamento de rancho?
Não foi preciso mais nada. Não é preciso arranjar conspirações e o diabo a sete para explicar o que está bem claro: ninguém se atreveu a defende o regime. A tropa desistiu disso e adeiu ao movimentoo dos capitães, em massa.
E logo nesse dia.
Nem a Mocidade Portuguesa, nem a Legião Portuguesa nem sequer a DGS.
Tal como diz o Marcello, ninguém o quis defender.
E o mais interessante é que o regime ao contrário do que já pensei, não estava podre e ainda poderia dar muito ao país.
Se houve traição, não foi o Marcello: foi a tropa no seu conjunto.
É esse o drama nacional e o pecado original.
Resta saber como é que a tropa se pôs assim e quem a pôs.
Por isso vou continuar a procurar resposta e uma delas já encontrei hoje:
os intelectuais portugueses, desde os anos 40 eram de esquerda e mandavam efectivamente na intelligentsia.
Os sinais estavam por todo o lado: livros, mesmo os manuais escolares, revistas, jornais e produção intelectual que em 1969 chegou á tv com zips e companhia.
E música, muita musiquinha do zeca e do godinho e do mário branco e do ary e do osório e de quase quase todos.
E a música tem muita importância apesar de haver quem tal não ache.
Algumas coisas, mais tarde com o correr dos anos, conseguem-se perceber melhor.
Noticia de 2006 do Correio da Manha:
http://www.cmjornal.xl.pt/exclusivos/detalhe/generais-custam-milhoes.html
124 generais no activo
129 generais na reserva
já se queixava o embaixador americano em 2009 quando escrevia nos relatórios diplomáticos do "Portugal tem mais almirantes e generais por soldado do que quase todas as outras forças armadas"...
http://expresso.sapo.pt/um-pais-de-generais-sentados=f635183
Tudo se paga na vida. Neste caso, temos sido todos nós...
O Temível Dragão escreveu mais um capítulo do "romance" de capa e espada em que o herói é "ninguém".
Vou indicar-lhe o "romeiro".
Pois José, faz bem em notar a prevalência daquela inteligentsia.
Resta saber como é que a tropa se pôs assim e quem a pôs.
Respondo-lhe com um fenómeno assim desses aparentemente à vento da história: subversão.
Mas eu dou-lhe um sentido concreto que é este que aqui está neste texto:
http://ultramar.github.io/a-subversao.html
O que lá se diz da opinião pública pode aplicar-se, ressalvado o contexto e adaptando-lhe a técnica, ao ambiente corporativo militar.
Mas arrumar a questão como levantamento de rancho não satisfaz porque dá a entender que foi coisa espontânea, que foi arrelampejo que deu a uns quantos tipos.
Não foi. Não foi porque a subversão não aparece por geração espontânea. Tem agentes e dirigentes.
Claro que tem. A novidade é que houve mesmo levantamento com a adesão espontânea dos que ainda não sabiam do roteiro mas perceberam que os revoltosos apenas queriam mudar o regime, como tinham feito os do 16 de Março.
A adesão imediata dos que deviam defender o regime é que é o fenómeno.
Não é a história dos revoltosos porque essa é conhecida.
E muita musiquinha, pois José.
~
Eles que gozem mas mais gozo é achar-se que um Império cai por financiamento da Cia a uns melros da extrema-esquerda, já depois da tropa fandanga ter feito o golpe.
Outra coisa:
oMuja, como sabe mais que eu do que se passava em África, poida colocar uma cronolifa de cartas e pedidos de entrega dos milixianos na Guiné e em Moçambiqu.
África não era só Angola. Por lá não só houve debandada, como havia militância para entrega.
E feita pela tropa- não era por políticos escardalhos.
>Milicianos.
Como o José disse e como também me cheira.
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