segunda-feira, abril 20, 2015

Os gloriosos flanadores da rusticidade perdida

"Era um homem pegado à terra, à vida rural, ao fundo agrícola da sua família e da sua infância"-
  Barradas de Oliveira sobre o perfil psicológico de Salazar, na revista Resistência do Verão de 1977. 

"Eu sou camponês, filho de camponeses. Não posso viver sem respirar o cheiro da terra. Para trabalhar preciso de sentir em volta de mim árvores, moitas e flores". [sobre o cantar das fontes] "É o único ruído que suporto. Gostaria de ouvir a toda a hora, este canto cristalino"- Ibidem.

Sobre a rusticidade de Salazar não é preciso dizer muito mais. A não ser esta passagem que o biógrafo Franco Nogueira publicou no vol.V da respectiva biografia:


O que aqui se explica- o cuidado de Salazar em preparar a sua pedra tumular, quando tinha setenta anos, em 1959, ainda a vários anos de distância da sua morte- mostra uma realidade perfeitamente admirável mas comum, nessa época.
Salazar, que na altura considerava que "ja vivi muito, já vivi de mais", mandou arrancar um cabeço de pedra, existente no termo o seu quintal, nas traseiras da casa onde nascera, e com essa pedra recortada em mais sete  pequenas lajes, "contratou o trabalho com pedreiros de Viseu que estão construindo no Caramulo uma estalagem" e encarregou-os de talharem as pedras tumulares para si e para os seus.
"Na que lhe era destinada manou lavrar somente as letras A.O.S."

Esta atitude de Salazar, já no ocaso da vida, revela que nunca se separou da memória dos seus e do sítio onde nasceu e viveu enquanto jovem, o qual conservava como raiz de identidade.

Este apego a valores perenes de identificação merece ser realçado porque constitui uma base da tradição.  Esta só muda quando o tempo o permite ou impõe. Conforme o biógrafo aludido, Salazar, nessa época já tinha visto mudar "o seu mundo. as casas na vila e na aldeia são outras, e os caminhos e moradores são outros, e tudo é cada vez mais diferente."

Tudo isto constitui lição de vida sobre "o tempo que não volta para trás". E por isso apenas as memórias se repercutem no tempo posterior, sendo que algumas delas podem estar já desfasadas do tempo em que eram realidades.

Esta evocação da rusticidade e dos valores inerentes encontra imagens actuais e passadas. No início dos anos setenta do século que passou, Portugal do interior e em boa parte do litoral, ainda era um país rústico.
As pessoas nas aldeias, particularmente no Centro e Norte,  cultivavam os campos que tinham e os que havia "a monte". Aparavam as matas, criavam animais  e viviam de uma subsistência agrícola que era importante para atenuar a pobreza.
Salazar era desse tempo que entretanto desapareceu e é apenas uma memória em muitos lugares, como o é o assunto desta notícia do Século Ilustrado de 6 de Março de 1971.

É por isso admirável este panorama do  Vimieiro que retrata aquela história publicada acima:



As traseiras das casas da família de Salazar. onde se nota a antiga existência dessa cultura rural. Foi nestes lugares que se produziu este vinho assim engarrafado em 1970, ano da morte daquele. Só a garrafa já é um artefacto digno de nota.




A capela perto do cemitério, mais acima na imagem e na actualidade de alguns meses.


E as pedras tumulares que Salazar mandou preparar, alisar e gravar.

Nestas três imagens pode concentrar-se uma glosa sobre o que foi a ruralidade de Portugal e a essência do que lhe está subjacente. E Salazar era herdeiro desse património que preservou, acima de tudo.


Questuber! Mais um escândalo!